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LITERATURA | Literatura partidária ou literatura do Partido?

quarta-feira 6 de setembro de 2017 | Edição do dia

Uma antiga polêmica que remete aos debates culturais da esquerda no século XX, ainda não foi resolvida: militantes das mais variadas organizações políticas da Esquerda, apresentam uma visão por vezes ambígua, por vezes vaga e na maioria das vezes confusa sobre a maneira como um Partido político deve proceder em relação às atividades literárias/artísticas; seja entre seus membros, seja fora dos limites da organização. Este é um problema que merece atenção por obvias razões históricas. Com a crise da direção da classe trabalhadora, a opinião pública e os intelectuais de aluguel propagam a seguinte ideia: para todas as pessoas de esquerda, a literatura/arte estaria subordinada ao Partido. Mais uma caricatura às nossas custas? Pois é, guerra é guerra inclusive na vida cultural. Existiria diferença entre a literatura partidária de uma causa e a literatura instrumentalizada por um órgão centralizado de poder? Esta é uma pergunta atual porque ela diz respeito não apenas às questões literárias mas ao conjunto da vida cultural do movimento dos trabalhadores.

Geralmente militantes de esquerda são alvos da Direita raivosa porque tomam partido frente aos problemas da realidade. Em termos literários, um romance ou uma peça de teatro são partidários quando o autor posiciona-se diante de um fato social apresentado em sua obra. Como poderia ser diferente? Além da neutralidade não existir, um escritor é partidário perante a realidade objetiva : a tomada de posição num texto está em intima conexão com o acontecimento apresentado/narrado. O caráter partidário de uma obra literária( em que a forma expressa livremente o conteúdo histórico) não fere as leis da criação artística. Feita esta premissa, vamos dissociar agora o que a Direita procura confundir: o artista partidário(assim como o professor, o jornalista e o cientista) não é, sob o ponto de vista revolucionário, o funcionário que tem seu trabalho deformado/subordinado ao Partido político. A literatura, assim como a ciência, a filosofia e a cultura como um todo, não podem se desenvolver sob a tutela de nenhum Partido. Portanto, tanto um autor que milita numa dada organização política quanto um autor que não milita em nenhuma, precisam conceber seus trabalhos literários como objetos independente, como objetos que não se sujeitam ao controle externo. Tomar posição diante dos fatos é o dever de todo artista, de todo intelectual. Posicionar-se não é manipular ou estar submetido a um Partido.

Não é raro encontrarmos dentro da esquerda brasileira um horizonte cultural muito estreito, sobretudo entre aqueles que não se desvencilharam da metodologia Stalinista. A estreiteza não está na vinculação de uma atividade cultural com uma dada organização de esquerda: questões artísticas podem estar sim associadas/serem promovidas pelo Partido/organização. É papel das organizações políticas de esquerda propiciarem encontros/espaços para a discussão e a produção artística. Tais iniciativas são imprescindíveis para a formação cultural e a educação estética da juventude. Isto está muito longe de representar a interferência burocrática sobre a criação artística. O problema surge quando um Partido não compreende as especificidades da literatura e logo procura controlar/ subestimar a dinâmica da cultura: a Esquerda não pode tentar controlar a cultura, necessariamente plural, mas sim compreende-la e lutar politicamente por suas tendências progressistas; ou seja, o Partido pode agir sobre a cultura mas a cultura não cabe nos limites do Partido(portanto, a arte não pode ser dirigida). No atual momento, é de extrema importância que a perspectiva cultural no interior do movimento dos trabalhadores, aponte para a interdependência entre o debate artístico feito dentro e fora dos limites de uma organização política.

As mais variadas organizações políticas devem promover encontros, discussões, a fim de reunir pessoas de diferentes correntes da Esquerda, propiciando o desenvolvimento do debate e deixando que o pau coma. Não se trata de um sentimento infantil, no qual as diferenças políticas seriam colocadas de lado: esta é uma necessidade dialética do movimento cultural para que a teoria e a produção literária/artística adquiram maior projeção, contemplando inclusive artistas e jovens que mesmo sem serem marxistas, podem trazer uma contribuição enorme para o debate estético da Esquerda. Sem abrir mão de suas orientações partidárias, militantes devem estar abertos para debaterem entre si e até mesmo entre críticos honestos do marxismo. Certa feita, uma senhora que participou da LIBELU(Liberdade e Luta) nos anos 70, me disse: “Apesar do clima barra pesada da ditadura militar, tudo quanto era gente de esquerda, se reunia para discutir literatura, música, cinema, teatro, pintura etc. Sim, o tempo fechava entre nós e os stalinistas. Mas do ponto de vista cultural era ótimo; e os estudantes e trabalhadores saíam ganhando com a disputa teórica “.

A tradição trotskista, que zela pela independência revolucionária da arte, apresenta-se como alternativa que corrige a tendência burocrática controladora da vida cultural. Ter a cuca aberta é necessário: alinhar-se politicamente a uma organização e logo lutar pela sua hegemonia, não entra em contradição com o livre debate cultural.




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