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ANÁLISE INTERNACIONAL | Ligação para Taiwan: Trump põe a China em defensiva

Juan ChingoParis | @JuanChingoFT

quarta-feira 7 de dezembro de 2016 | Edição do dia

Ao menos de modo oficial, este contato é o primeiro entre um presidente estadunidense e um líder taiwanês desde que Washington trocou suas relações com a ilha pelo China continental em 1979, que já então começava a ganhar peso no cenário internacional. Oito anos antes, a República Popular da China (RPC), dirigida desde Pequim pelo Partido Comunista, havia substituído a China nas Nações Unidas, representada pela então ditadura do Kuomitang que governava Taiwan desde o vôo do General Chiang Kai-shek à ilha depois de ter sido derrotado pelas guerrilhas comunistas dirigidas por Mao Zedong na guerra civil (1945-49).

A política de “uma China”.

O giro diplomático foi estabelecido pelo ex-presidente Richard Nixon e o secretário de Estado Henry Kessinger. A viagem de Nixon a Pequim em 1972 coincidiu com um momento decisivo da decadência histórica do imperialismo estadunidense – o final da convertibilidade dólar-ouro de agosto de 1971, que havia sido o eixo de ordem econômica posterior à segunda guerra mundial. Por sua vez, militar e geopoliticamente, a guerra do Vietnam continuava e havia debilitado as capacidades militares dos EUA o suficiente para que ficasse confuso saber se a América do Norte poderia resistir eventualmente a uma potencial ação militar soviética na Europa.

Do lado Chinês, as debilidades do modelo econômico do “socialismo de um só país” se faziam cada vez mais evidentes, agravadas por sua vez pelo cataclismo e o traumatismo que havia significado para o regime a chamada “revolução cultural”. Desde o ponto de vista militar e geopolítico, no ano de 1969, os chineses travam uma importante batalha com os russos no rio Ussuri, ao longo da fronteira entre Sibéria e China. As relações sino-soviéticas haviam esmaecido nos anos 60, e a China estava preocupada com um ataque soviético, incluindo um ataque nuclear. E a coincidência das necessidades de ambos que se sentissem as bases para esta aproximação. Ao reconhecer a Pequim e retirar o apoio de Taipei (capital de Taiwan), o governo de Nixon conseguiu a colaboração do regime do Partido Comunista Chinês nos esforços de Washington para minar a União Soviética. A aliança de fato da China com Washington foi o prelúdio do processo de restauração capitalista, que se acelerou depois do colapso da União Soviética em 1991, levando a uma inversão imperialista massiva e à transformação da China, sobre a base de mão-de-obra super barata, no maior centro de fabricação manufatureira do mundo.

A reclamação da China sobre Taiwan é, e tem sido durante muito tempo, a questão mais delicada nas relações entre Estados Unidos e China e foi o principal obstáculo para reunir-se com Pequim antes da viagem de Nixon. As negociações sobre como tratar o assunto foram o trabalho dos presidentes – Nixon e Cárter -, dos secretários de Estado – Kissinger e Cyrus Vance – assim como do assessor de segurança nacional Brzezinski -. Estas relações foram se baseando em uma complexa relação. Algo que foi encarnado no documento para a normalização de relações em 1979, no qual se acordaram certas condições que a China estabelecia para a dita normalização. Desde então, em todos os aspectos da relação dos Estados Unidos com Taiwan, seja pelas vendas de arma, as reuniões de alto nível, os contatos entre militares, as visitas de altos funcionários, o trânsito nos EUA por parte de líderes de Taiwan, há uma longa história sobre o que os Estados Unidos podem fazer, em consonância com seu compromisso de relação “não oficial” com Taiwan. A ação de Trump rompe com esta longa história de usos e costumes diplomáticos entre as duas potências.

A forte mensagem de Trump a Pequim

Desde a última sexta-feira vários artigos em meios de comunicação especulam que a incrível ação de Trump se deve a um erro de principiante. Porém, um artigo de fontes seguras publicado no Washington Post de domingo refuta esta versão ingênua semelhante a um arriscado passo. Segundo o diário norteamericano foi mais “o produto de meses de silenciosos preparativos e deliberações entre os assessores de Trump sobre a nova estratégia de compromisso com Taiwan”, que reflete “a opinião dos assessores de linha dura incentivando a Trump a tomar uma linha de entrada mais dura com respeito à China”.

O mesmo Trump deixou claro no domingo pelo Twitter que estava em jogo mais que uma chamada telefônica: “China nos perguntou se estaria tudo bem em desvalorizar sua moeda (o que torna difícil a competição para nossas empresas), taxar fortemente nossos produtos que vão para seu país (os EUA não o fazem) ou construir um complexo militar massivo em meio ao Mar da China Meridional? Não acredito! É evidente que estamos diante de um gesto deliberado.

Como já dissemos, a presidência de Trump implica em uma política mais agressiva com respeito a Pequim: um dos principais objetivos de Trump é reestruturar a relação entre os estados Unidos e China. Ao fazer a ligação, Trump sinalizou à China que está preparado para atuar unilateralmente se os chineses não estão dispostos a renegociar a relação e todos os itens estão sobre a mesa de negociação. Intencionalmente, Trump selecionou um tema de alta visibilidade e baixo conteúdo – Taiwan – para demonstrar sua indiferença diante dos entendimentos anteriores.

Para os EUA a questão de Taiwan nunca foi central: a aceitação da política de “uma China” jamais mudou a realidade fundamental das relações entre EUA e Taiwan, apenas deu cobertura aos chineses em um contexto geopolítico que há tempos desapareceu (com o fim da Guerra Fria, a implosão da União Soviética, etc.)
Isso põe a China em uma posição difícil: no marco dos limites de seu modelo econômico, a China necessita de acesso aos mercados norteamericanos para não sofrer uma grande queda econômica em meio a uma transição incerta. Para a China, a relação comercial com os Estados Unidos é de interesse estratégico. Ao mesmo tempo, Xi Jimping deve manter uma posição de força neste tema sensível para a China, não só em nível interno mas também em nível regional, onde busca projetar seu poder.

A jogada provocadora e imprevisível de Trump colocando em risco o que Nixon havia construído, é uma mensagem dura e inesperada para Pequim, que a obriga a negociar em condições desfavoráveis. Mostrando com este gesto que está disposto a deixar para trás a política de seus antecessores de só adotar posições porém sem modificar nada substancial em relação à China, Trump deixa Pequim na defensiva, invertendo os términos da relação e inquietando à burocracia do Partido Comunista que de agora em diante começa a perguntar-se até onde está preparado para ir Trump.




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