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OPINIÃO | “Ler faz bem”: o que a prefeitura de Santo André quer ensinar a seus alunos?

O que nos ensinam os livros da escola? Você já parou para pensar em todas as mensagens que os materiais didáticos podem atribuir ao processo de aprendizagem dos alunos, em especial as crianças?

quarta-feira 11 de julho de 2018 | Edição do dia

Neste artigo pretendemos refletir o que está por trás desses materiais, e que afeta diretamente a subjetividade dos alunos desde cedo, e garantindo assim a manutenção do capitalismo por suas mazelas , a pobreza e a exploração da classe trabalhadora em todas as suas formas.

Recentemente em Santo André foi distribuído em toda rede municipal um material intitulado “Ler faz bem?”, que em sua formulação é bem débil e que apresenta conceitos sexistas e até mesmo racistas em suas consignas e imagens.

Não é de hoje que a escola atua como um dos instrumentos do Estado, e nada mais faz do que reproduzir o mais do mesmo, uma vez que os governantes, via de regra, sempre são representantes da classe dominante. Karl Marx nos coloca que o pensamento dominante é aquele pertencente à classe dominante e completa: “A classe que dispõe dos meios da produção material dispõe também dos meios da produção intelectual, de tal modo que o pensamento daqueles aos quais são negados os meios de produção intelectual está submetido também a classe dominante”*. Ou seja, a burguesia não somente domina os meios de produção material e intelectual, como também, o que pensamos e a maneira como pensamos, e ainda mais, que tais pensamentos, ideias, valores, são comuns a todos e verdadeiramente universais. Valendo-se disso, o Estado, que atualmente representa a classe dominante, por meio das secretarias de educação garante assim, a manutenção dos aspectos e conceitos que contribuem muito para a ideologia dominante.

A escola está inserida no capitalismo, e por esse motivo traz consigo uma ideologia que está a favor de poucos, mas que prescreve formas de como se deve pensar, agir e sentir diante da sociedade.

Como sujeitos históricos sociais, políticos e culturais aprendemos durante toda nossa vida por meio das relações que vamos estabelecendo com quem nos rodeia. E, a escola nos aparece como nosso primeiro lócus socializador, e é de onde vamos começar a construir, através das relações no nosso imaginário, conceitos sobre nossa localização social, nossa identidade e a partir disso vamos dando forma a nossos modos de viver em sociedade.

Sendo assim, esse material didático “Ler faz Bem” distribuído em toda rede municipal de Santo André, poderá incumbir e reforçar nas crianças velhos preconceitos ainda muito presentes na sociedade, devido ao conteúdo e as propostas de atividades presentes no material.

Em uma das páginas do livro tem-se uma citação de Gilberto Freyre, que embora seja um escritor brasileiro renomado, reforça o mito da existência da “democracia racial”, o qual, nos coloca que não existe racismo no Brasil, que o racismo acabou junto com a libertação do povo negro, e assim, transmite a ideia de um país miscigenado onde todas as raças são respeitadas. O mito da democracia racial, se torna uma ferramenta ideológica para a perpetuação do racismo, que coloca todos brasileiros num mesmo patamar, e que na realidade vivida se mostra totalmente o oposto.

Numa sociedade majoritariamente parda/negra como a brasileira, é importante observar ainda no material didático distribuído na rede que o mesmo tem o percentual de ilustrações de adultos e crianças brancas em 69%, muito diferente dos dados recolhidos na Pesquisa Nacional de Amostras (PNAD), que em 2015 apresentava um índice de 21,3% de homens brancos. Os livros das escolas andreenses, estão longe de representar os seus alunos, e até mesmo a população brasileira, se falarmos da figura feminina e negra, entre as 631 aparições humanas na coleção, apenas 3 são mulheres negras, e quando aparecem estão em lugar de submissão e situação de humilhação, o que reforça ideologicamente o lugar onde o negro deve estar na sociedade.

A escola que deveria cumprir um papel de impulsionar a formação de um sujeito integral, quando utiliza materiais como estes, neste sentido, contribui muito para o ideal de sujeito social pautado no perfil da classe dominante. Os alunos da rede pública, em sua grande maioria são negros, e não são representados no cotidiano escolar de uma forma positiva.

Outro ponto interessante apresentado no livro é o processo de branqueamento de figuras importantes para a sociedade brasileira, no caso Machado de Assis, grande escritor brasileiro que é negro, no livro (Para ler e entender os grandes autores, pg.8) aparece com traços finos e branco, bem diferente das reais imagens do autor, conforme abaixo:

Fonte da imagem

Iniciamos falando sobre o papel da ideologia no modo de viver, agir e sentir. O que podemos esperar que as crianças e jovens que estão tendo acesso a esses materiais na rede municipal construam em seu imaginário de mundo? Ora, tudo aquilo que a ideologia burguesa quer: o domínio de homens brancos na sociedade, e da perpetuação da condição de inferioridade dos negros, e pior de tudo acreditando que não existe racismo no Brasil.

A ideologia assim, como sabiamente disse Marx, entra em todos os âmbitos da vida dos sujeitos, e a escola é fundamental para garantir essa condição, quando vemos materiais desse nível sendo distribuídos em toda uma rede municipal escolar, e analisamos as condições que esse processo tem sido feito em Santo André, percebemos claramente a quem ele atende: a uma minoria que quer impor suas ideias a maioria, os filhos da classe trabalhadora.

Essa reflexão sobre livros didáticos, que para muitos pode passar despercebida, traz consigo uma mensagem que é muito profunda, sobre a importância daquilo que queremos ensinar aos nossos alunos, e do que a classe dominante quer que eles aprendam. Como dizem: “as imagens falam por si só“.

*Marx, Karl, 1818-1883. A ideologia alemã / Karl Marx e Friedrich Engels - São Paulo: Martins Fontes, 1998, pág. 48.




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