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León Sedov: filho, amigo e lutador

Leon Trótski

León Sedov: filho, amigo e lutador

Leon Trótski

Em 16 de Fevereiro de 1938, faleceu León Sedov, terceiro filho de Trótski e o primeiro com Natália Sedova. Morreu em Paris, pouco antes da fundação da IV Internacional, internado com urgência em uma clínica levado por um espião da GPU que se fazia passar por seu amigo. Ali foi vítima de médicos que obedeciam a Stálin. Seu enterro em Paris foi acompanhado de manifestação. Reproduzimos abaixo carta de Trótski diante de seu falecimento.

20 de febrero de 1938

Enquanto escrevo estas linhas com a mãe de León Sedov ao meu lado, continuam chegando de distintos países os telegramas de condolências. E para nós cada telegrama suscita a mesma pergunta apavorante: "será possível que nossos amigos da França, Holanda, Inglaterra, dos Estados Unidos, do Canadá, da África do Sul e daqui do México aceitem como consumado o fato de que Sedov já não existe?". Cada telegrama é um novo sinal de que ele morreu, mas nós ainda não podemos acreditar. E não é somente porque foi nosso filho, fiel, abnegado, amante, mas, e sobre todas as coisas, porque ele, mais que ninguém na Terra, havia se tornado parte da nossa vida, entrelaçado com todas as suas raízes, nosso camarada partidário, nosso colaborador, nosso guardião, nosso conselheiro, nosso amigo.

Daquela geração mais velha, em cujas fileiras ingressamos, até o final do século passado, caminho à revolução, todos, sem exceção, foram varridos da face da Terra. Aquilo que as condenações a trabalhos forçados e os duros exílios czaristas, as penúrias da emigração, a Guerra Civil e a peste não conseguiram, Stalin conseguiu nos últimos anos, o pior açoite que jamais castigou a revolução. Depois de ter destruído a geração mais velha, destruiu também o maior setor da seguinte, ou seja, a geração que despertou em 1917 e que se acendeu nos vinte e quatro exércitos do front revolucionário. Também pisoteou e anulou o melhor da juventude, os contemporâneos de León. Ele mesmo sobreviveu por um milagre, devido a ter nos acompanhado no exílio e logo à Turquia. Durante os anos de nossa última emigração, fizemos novos amigos, muitos dos quais penetraram intimamente em nossas vidas, tornando-se praticamente membros da nossa família. Mas todos eles conhecemos pela primeira vez nos últimos anos, quando já a velhice estava à vista. León era o único que nos conheceu quando éramos jovens; ele tomou parte de nossas vidas desde o primeiríssimo momento de seu nascimento. Apesar de sua juventude, parecia nosso contemporâneo. Junto a nós, passou por nossa segunda emigração: Viena, Zurich, Paris, Barcelona, Nova Iorque, Amherst (um campo de concentração no Canadá) e finalmente Petrogrado.

Quando não era senão uma criança - estava quase completando doze anos - tinha, a seu modo, feito a transição consciente da Revolução de Fevereiro à de Outubro. Sua infância transcorreu entre altas tensões. Acrescentou um ano à sua idade para poder ingressar mais cedo ao Komsomol [Juventude Comunista], que naquele momento fervia com toda a paixão da juventude que despertava. Os jovens padeiros a quem ele levava a propaganda costumavam recompensá-lo com um crocante pão branco, e ele, feliz, levava-o para a casa sob o braço que se vislumbrava entre a manga puída de sua jaqueta. Aqueles eram anos fogosos e frios, de grandeza e de fome. Para não se diferenciar dos demais, León, por sua própria vontade, abandonou o Kremlin e foi compartilhar o dormitório dos estudantes proletários. Não quis viajar em nosso automóvel, negando-se a fazer uso desse privilégio dos burocratas. Porém, sim, participava ardentemente de todos os Sábados Vermelhos e outras "mobilizações de trabalho", varrendo a neve das ruas de Moscou, "liquidando" o analfabetismo, descarregando o pão e a lenha dos caminhões e, mais adiante, como estudante de engenharia, consertando as locomotivas. Se não chegou ao front da guerra foi apenas porque nem sequer agregar a ele dois ou ainda três anos à sua idade não teria lhe valido de nada, já que ainda não havia cumprido quinze anos quando a Guerra Civil acabou. Não obstante, me acompanhou várias vezes, recebendo as poderosas impressões do front, com plena consciência do por que dessa luta sangrenta.

Os últimos informes da imprensa falam da vida de León Sedov em Paris "nas condições mais modestas" (muito mais modestas, permitam-me agregar, do que as de um operário qualificado). Inclusive em Moscou, naqueles anos em que seu pai e sua mãe ocupavam altos postos, ele vivia em condições não melhores, e sim piores do que as dos últimos anos em Paris. Por acaso, era essa a regra entre a juventude da burocracia? De nenhum modo. Ainda então ele era uma exceção. Nessa criança que chegava à sua puberdade e adolescência, o sentido do dever e da proeza despertou muito cedo.

Em 1923, León se lançou em cheio ao trabalho da Oposição. Seria totalmente errôneo não ver isso mais do que a influência paterna. Depois de tudo, quando abandonei o cômodo departamento no Kremlin para ir a um quarto frio, degradado, onde se passava fome, fê-lo contra a nossa vontade, apesar de não termos oferecido resistência a essa sua decisão. O mesmo instinto que o obrigava a escolher os ônibus lotados de gente antes que os automóveis de luxo do Kremlin determinou sua orientação política. A plataforma da Oposição simplesmente deu uma expressão política a traços inerentes de seu caráter. León rompeu totalmente com aqueles de seus companheiros de estudos a quem seus pais burocratas arrancaram violentamente do "trotskismo" e se reuniu com seus amigos padeiros. Assim, aos 17 anos, começou sua vida totalmente consciente de revolucionário. Logo compreendeu a arte do trabalho conspirativo, as reuniões ilegais e a publicação e distribuição secretas dos documentos da Oposição. Rapidamente, o Komsomol desenvolveu seus próprios quadros de dirigentes da Oposição.

León tinha um grande talento para matemática. Nunca se cansava de ajudar muitos operários-estudantes que jamais haviam ido ao colégio secundário. Dedicou-se a esse trabalho com todas as suas energias, incentivando, dirigindo, desafiando os preguiçosos; o jovem professor sentia esse trabalho como um serviço a sua classe. Seus próprios estudos na Academia Superior Técnica se desenvolviam muito satisfatoriamente. Mas não ocupavam senão uma parte de sua jornada. A maior parte de seu tempo, suas forças e seu espírito dedicava à causa da revolução.

No inverno de 1927, quando começou o massacre policial da Oposição, León tinha alcançado os 22 anos. Naquele tempo, tinha tido um filho, e ele costumava levá-lo orgulhosamente ao Kremlin para nos mostrar. Sem um momento de vacilação, entretanto, León decidiu separar-se de seus estudos e de sua jovem família para compartilhar nosso destino na Ásia Central. Nisso, atuou não apenas como filho, mas sobretudo como um companheiro de ideias. Era essencial, a qualquer preço, garantir nosso contato com Moscou. Durante esse ano, seu trabalho em Alma Ata foi verdadeiramente incomparável. Chamávamo-lo nosso ministro de relações exteriores, ministro de polícia e ministro de comunicações. E no cumprimento de todas essas funções teve que depender de um aparato ilegal. Por encargo do centro da Oposição em Moscou, o camarada X, muito abnegado e de muita confiança, conseguiu uma carruagem e três cavalos e trabalhou como cocheiro independente entre Alma Ata e a cidade de Frunze (Pishpek), que naquele tempo era o fim da estrada de ferro. Sua tarefa era fazer chegar a cada duas semanas o correio secreto de Moscou e levar nossas cartas e manuscritos de volta a Frunze, onde o esperava um mensageiro de Moscou. Encontrá-lo não era coisa fácil. Às vezes, chegavam também correios especiais de Moscou. Alojávamo-nos em uma casa rodeada pelas instituições da GPU e pelos quartéis de seus agentes. O contato com o exterior estava inteiramente nas mãos de León. Costumava sair de casa tarde nas noites chuvosas ou quando nevava muito ou, esquivando-se da vigilância dos espiões, costumava esconder-se de dia na biblioteca para se encontrar com o mensageiro em um banheiro público ou entre as ervas daninhas espessas fora da cidade ou na feira oriental, onde os kirghizes se amontoavam com seus cavalos, seus burros e suas mercadorias. Sempre voltava entusiasmado e feliz, com um brilho conquistador nos olhos e a preciosa conquista debaixo de sua roupa. E assim, durante um ano, enganou todos os inimigos. Ainda mais, manteve suas relações mais "corretas", quase "amistosas" com esses inimigos que eram os "camaradas" de ontem, fazendo gala de um tato e disciplina extraordinários, protegendo-nos cuidadosamente de toda moléstia exterior.

Naquele tempo, a vida ideológica da Oposição fervia como um caldeirão. Era o ano do Sexto Congresso Mundial da Internacional Comunista. As encomendas de Moscou chegavam com dezenas de cartas, de artigos, de teses de camaradas conhecidos e desconhecidos. Durante os primeiros meses, antes da mudança brusca de conduta da GPU, recebemos muitas cartas pelo correio oficial, vindas dos diferentes lugares de exílio. Era necessário peneirar cuidadosamente esse material tão diverso. E foi nesse trabalho que tive a oportunidade de me dar conta, não sem surpresa, como, imperceptivelmente, esse menino tinha crescido, que podia julgar bem as pessoas (conhecia muito mais oposicionistas que eu), até que ponto se podia confiar em seu instinto revolucionário, que lhe permitia, sem nenhuma vacilação, distinguir o autêntico do falso, a substância da aparência. Os olhos da mãe, a que melhor conhecia nosso filho, brilhavam de orgulho durante nossas conversas.

Entre Abril e Outubro, recebemos aproximadamente mil cartas e documentos políticos e ao redor de 700 telegramas. Durante esse mesmo período, enviamos 550 telegramas e não menos de 800 cartas políticas, inclusive uma quantidade de trabalhos substanciais, tais como a crítica do Projeto do Programa da Internacional Comunista, e outros. Sem meu filho, não poderia ter realizado nem sequer a metade desse trabalho.

Uma colaboração tão íntima, entretanto, não significa que não houve entre nós disputas, ou inclusive choques muito fortes. Nem naquele momento, nem mais tarde, na emigração, e tenho que dizê-lo sinceramente, minhas relações com León tiveram um caráter de parceria e tranquilidade. A seus julgamentos categóricos, que às vezes eram desrespeitosos com os "velhos" da Oposição, não apenas eu opunha correções e reservas categóricas, como também tive com ele essa atitude pedante e exigente que havia adquirido em questões práticas. Devido a esses traços, que são talvez úteis e até indispensáveis no trabalho a grande escala, porém totalmente insuportáveis em uma relação pessoal, as pessoas mais próximas de mim frequentemente tiveram que passar por situações ruins. E já que entre todos os jovens o mais próximo era meu filho, foi ele que teve que passar por situações piores que os demais. A um observador superficial, até poderia ter lhe parecido que nossa relação estava impregnada de severidade e distância. Contudo, debaixo dessa superfície palpitava um profundo carinho mútuo, baseado em algo imensamente mais forte que os vínculos de sangue: a solidariedade de opiniões e julgamentos, de simpatias e antipatias, de alegrias e tristezas vividas em comum, das grandes esperanças que compartilhávamos. E esse carinho mútuo se acendia às vezes como um clarão e seu calor compensava mil vezes as pequenas fricções do trabalho diário.

E, assim, a quatro mil quilômetros de Moscou, a 250 quilômetros do trem mais próximo, passamos um ano difícil e inesquecível que permanece em nossa memória sob o signo de León, ou melhor Levik ou Levusiatka, como costumávamos chamá-lo.

Em janeiro de 1929, o Bureau Político decidiu me deportar da URSS, e nosso destino resultou ser a Turquia. Concedeu aos membros da minha família o direito de me acompanhar. E, outra vez, sem vacilar León decidiu compartilhar o exílio, separando-se para sempre de sua mulher e do filho a quem amava tanto.

Abria-se um novo capítulo em nossas vidas e suas primeiras folhas estavam quase em branco. Tínhamos que buscar novos contatos, novos conhecidos, novos amigos. E uma vez mais nosso filho foi tudo para nós: nosso vínculo com o mundo exterior, nosso guardião, nosso colaborador e secretário, como em Alma Ata, mas em uma escala incomparavelmente maior. No tumulto dos anos revolucionários, havia quase se esquecido por completo dos idiomas estrangeiros com quais tinha se familiarizado mais do que com russo. Fez-se necessário aprendê-los novamente. Começou nosso trabalho literário conjunto. Meus arquivos e minha biblioteca estavam totalmente nas mãos de León. Conhecia profundamente as obras de Marx, Engels e Lenin. Sabia muito de meus livros e manuscritos, da história do Partido e da Revolução e da história da falsificação termidoriana. No caos da biblioteca pública da Alma Ata, já havia estudado os arquivos do Pravda da época dos Sovietes, e reunido com infalível engenho as citações e referências necessárias. Nem uma só de minhas obras dos últimos dez anos teria sido possível sem esse material precioso e sem as investigações que León realizava nos arquivos e nas bibliotecas, primeiro na Turquia, mais tarde em Berlim e finalmente em Paris. Refiro-me de modo especial à História da Revolução Russa. Ainda que quantitativamente importante, sua colaboração não foi de modo algum de caráter "técnico". Sua seleção independente de fatos, citações, caracterizações, frequentemente determinava tanto o método como as conclusões de minha apresentação. A revolução traída contém muitas páginas que escrevi me baseando em várias linhas das cartas de meu filho e nas conversas dos periódicos soviéticos que ele me enviava e que não me eram acessíveis. Forneceu-me ainda mais material para a biografia de Lenin. Esse tipo de colaboração apenas foi possível porque nossa solidariedade ideológica tinha se feito carne em nós. O nome de meu filho, com justo direito, deve ir ao lado do meu em quase todos os livros que escrevi a partir de 1928.

Quando, no entanto, estava em Moscou, faltava um ano e meio para completar seu curso de engenharia. Sua mãe e eu insistimos para que voltasse para seus estudos abandonados enquanto estávamos no estrangeiro. Ao mesmo tempo, em Prinkipo tinha se formado com êxito um novo grupo de colaboradores intimamente relacionados com meu filho. León aceitou partir apenas por uma razão de peso: que na Alemanha poderia prestar à Oposição de Esquerda Internacional serviços valiosíssimos. Enquanto recomeçava seus estudos científicos em Berlim, León se lançava em cheio à atividade revolucionária. Logo se tornou o representante da seção russa no Secretariado Internacional. As cartas que naquela época escrevia à sua mãe e a mim demonstram com qual rapidez tinha se adaptado à atmosfera política da Alemanha e da Europa Ocidental, quão bem julgava as pessoas e media as diferenças e os inumeráveis conflitos daquele primeiro período de nosso movimento. Seu instinto revolucionário, enriquecido já por uma experiência séria, permitia a ele quase sempre encontrar por conta o caminho correto. Quantas vezes nos alegramos quando, ao abrir uma carta que acabava de chegar, encontrávamos nelas as mesmas ideias e conclusões às que eu acabava de dedicar minha atenção! E que felicidade profunda e serena a sua quando encontrava tal coincidência nas ideias! A coleção das cartas de León constituirá, sem dúvida, uma das fontes mais valiosas para o estudo da pré-história interna da Quarta Internacional.

Mas a questão russa seguia ocupando o centro de sua atenção. Quando ainda vivia em Prinkipo, tornou-se o editor de fato do Boletim da Oposição Russa desde que este começou a aparecer (a meados de 1928) e se fez cargo totalmente desse trabalho (princípios de 1931) ao chegar a Berlim, aonde se transladou imediatamente o Boletim vindo de Paris. A última carta que recebemos de León, escrita em 4 de Fevereiro de 1938, doze dias antes de sua morte, começa com as seguintes palavras: "Te envio as provas de impressão do Boletim, já que o próximo barco tardará em zarpar, e o Boletim estará impresso amanhã de manhã cedo". A publicação de cada número era um pequeno acontecimento em sua vida; um pequeno acontecimento que exigia grandes esforços: preparar o número, polir a matéria prima, corrigir cuidadosamente as provas de imprensa, manter uma pontual correspondência com amigos e colaboradores e, não menos importante, reunir os fundos para publicá-lo. Mas que orgulhoso ficava de cada número que "saiu bem"!

Durante os primeiros anos da emigração, mantinha uma volumosa correspondência com os oposicionistas da URSS. Mas em 1932 a GPU tinha destruído praticamente todos os nossos contatos. Fez-se necessário buscar novas informações pelos meios mais complicados. León estava sempre alerta, buscando avidamente canais de comunicação com a Rússia, perseguindo os turistas que regressavam, os estudantes soviéticos designados ao estrangeiro, ou funcionários simpatizantes nas representações estrangeiras. Com o fim de não comprometer seus informantes, passava horas percorrendo as ruas de Berlim e mais tarde as de Paris para despistar os espiões da GPU que o seguiam. Em todos esses anos, não houve nem um só caso de alguém que sofresse por causa da indiscrição, descuido ou imprudência por parte de León.

Nos arquivos da GPU, figurava com o apelido de "Sinok" ou "filhinho". Segundo o defunto Ignace Reiss, na Lubianca [oficina principal da GPU] disseram mais de uma vez: "O filhinho faz seu trabalho astutamente. Ao velho não seria tão fácil sem ele." Estava certo. Não teria sido fácil sem ele. Será muito difícil sem ele. E foi precisamente por isso que os agentes da GPU, infiltrando-se inclusive nas organizações da Oposição, rodearam León em uma espessa teia de aranha de espionagem, intrigas e complôs. Nos processos de Moscou, seu nome invariavelmente aparecia junto ao meu. Moscou estava buscando meios de se desfazer dele a todo custo!

Depois de Hitler subir ao poder, o Boletim da Oposição Russa tornou-se proscrito imediatamente. León permaneceu na Alemanha várias semanas levando a cabo um trabalho clandestino, escondendo-se da Gestapo em diferentes departamentos. Sua mãe e eu demos o sinal de alerta, insistindo em que se afastasse da Alemanha imediatamente. Na primavera de 1933, León finalmente decidiu abandonar o país que havia chegado a conhecer e amar, mudou-se para Paris e o Boletim seguiu. Aqui León outra vez reiniciou seus estudos. Teve que passar por um exame para colégio secundário francês, e logo, pela terceira vez, começar o primeiro ano na Faculdade de Física e Matemáticas da Sorbonne. Em Paris, vivia em condições muito difíceis, sempre escasso de dinheiro, ocupando-se dos estudos científicos na Universidade nos momentos perdidos, mas graças à sua capacidade excepcional os completou e obteve seu diploma. Em Paris, ainda mais do que em Berlim, dedicava seus principais esforços à revolução e para colaborar comigo em meus trabalhos literários. Durante os últimos anos, León começou a escrever mais sistematicamente para a imprensa da Quarta Internacional. Algumas indicações isoladas, especialmente as notas sobre suas recordações para minha autobiografia, fizeram-me suspeitar já em Prinkipo que tinha talento literário. Mas estava carregado de trabalho e, uma vez que tínhamos ideias e temas comuns, deixava para mim o trabalho literário. Se bem me recordo, em Turquia escreveu apenas um artigo importante: Stálin e o Exército Vermelho ou como se escreve a história; utilizou o pseudônimo de N. Markin, um marinheiro revolucionário a quem se havia ligado na infância, por laços de amizade que a admiração fazia mais profunda. Esse artigo foi incluído em meu livro A escola de falsificação de Stálin. Posteriormente, seus artigos começaram a aparecer cada vez mais frequentemente nas páginas do Boletim e nas outras publicações da Quarta Internacional, e sempre os escrevia pressionado pela necessidade, León escrevia unicamente quando tinha algo a dizer e sabia que não tinha ninguém que pudesse dizê-lo melhor. Durante a época de nossa vida em Noruega, pediram-me, vindo de vários lugares, uma análise do movimento stajanovista que, até certo ponto, tomou-nos de surpresa. Quando se fez evidente que minha prolongada enfermidade me impedia de cumprir essa tarefa, León me enviou o rascunho de um artigo escrito por ele sobre o stajanovismo, com uma carta muito modesta que o acompanhava. O trabalho me pareceu excelente, tanto pelo sério e exaustivo da análise, mas também pela frescura e clareza de sua exposição. Me lembro quão contente estava León com meu cálido elogio! Esse artigo foi publicado em vários idiomas e colocou o ponto de vista correto acerca dessa obra de arte "socialista" sob o chicote da burocracia. Dezenas de artigos posteriores não agregaram nada essencial a essa análise.

A principal obra literária de León foi O Livro Vermelho dos Processos de Moscou, dedicado ao Processo dos Dezesseis (Zinoviev, Kamenev, Smirnov e outros). Foi publicado em francês, russo e alemão. Naquele momento, minha esposa e eu estávamos presos na Noruega, atados de pés e mãos, alvo da difamação mais monstruosa. Há certas formas de paralisia que permitem que suas vítimas ouçam e compreendam tudo, mas não possam mover um só dedo para apartar o perigo mortal. O governo "socialista" norueguês nos submeteu precisamente a essa paralisia. Que dom tão valioso foi para nós, nessas circunstâncias, o livro de León, a primeira resposta devastadora aos falsificadores do Kremlin! As primeiras poucas páginas, lembro-me, pareceram-me sem brilho. Devia-se a que, nelas, apenas se tratava de reafirmar uma apreciação política, já feita anteriormente, sobre a situação geral da URSS. Mas, a partir do momento em que o autor se fez cargo de uma análise própria do processo, fiquei completamente absorto. Cada capítulo que lia me parecia melhor que o anterio. "Bem feito, Levusiatka", dizíamos minha mulher e eu. "Temos um defensor!" Como devem ter brilhado seus olhos quando lia nosso caloroso elogio! Vários diários, em particular o órgão central da socialdemocracia dinamarquesa, disseram com segurança, ao parecer, apesar das severas condições de minha prisão, que eu havia encontrado os meios de participar no trabalho que apareceu assinado por Sedov. "Sente-se a pena de Trótski…" Tudo isso não é se não uma… ficção. Neste livro, não há uma só linha minha. Muitos camaradas que tendiam a considerar Sedov simplesmente como o filho de Trótski - do mesmo modo que a Karl Liebknecht se considerava, há muito tempo, apenas como o filho de Wilhelm Liebknecht - puderam se convencer, embora não seja mais do que por esse livrinho, de que se tratava de uma figura não apenas independente, mas também destacada.

Assim como escrevia, León fazia tudo o mais, ou seja, a consciência, estudando, refletindo, revisando. Desconhecia a vaidade de "ser o autor". A declamação agitativa não o atraía. Ao mesmo tempo, cada linha que escrevia ardia com um fogo vivo, que brotava de seu autêntico temperamento revolucionário.

Esse temperamento foi formado e fortalecido pelos fatos da vida pessoal e familiar vinculados intimamente aos grandes fatos políticos de nossa época. Em 1905, sua mãe estava em uma prisão de Petrogrado esperando o filho. Um sopro de liberalismo a liberou em outono. Em fevereiro do ano seguinte, nasceu o filho. Naquele então, eu estava preso. Apenas pude ver meu filho pela primeira vez treze meses mais tarde, quando escapei da Sibéria. Suas primeiras impressões tinham o alento da primeira revolução russa cuja derrota nos levou à Áustria. A guerra que nos obrigou a irmos à Suíça golpeou a consciência do menino de oito anos. A seguinte grande lição para ele foi minha deportação da França. A bordo do barco, ele conversou, por senhas, com um foguista catalão acerca da revolução. A revolução significava para ele todo tipo de bondades, sobretudo o regresso à Rússia. Na viagem à América, perto de Halifax, o Levik de onze anos golpeou um oficial britânico com o punho. Sabia quem golpear; não aos marinheiros que me tiraram do barco, e sim um oficial que deu a ordem. No Canadá, durante minha prisão no campo de concentração, aprendeu a esconder as cartas que a polícia não havia lido, e a colocá-las, sem ser visto, na caixa de correio. Em Petrogrado, viu-se imediatamente submerso na atmosfera de provocação contra os bolcheviques. Na escola burguesa onde foi matriculado a princípio, os filhos dos liberais e social-revolucionários o golpearam porque era o filho do Trótski. Uma vez, veio ao Sindicato Madeireiro, onde trabalhava sua mãe, com a mão toda ensanguentada. Havia tido uma discussão política no colégio com o filho de Kerenski. Nas ruas, unia-se a todas as manifestações bolcheviques, buscava, por trás dos portões, refúgio das forças armadas do que foi então a Frente Popular (a coalizão de cadetes, social-revolucionários e mencheviques). Depois das Jornadas de Julho, pálido e fraco, visitou-me na prisão de Kerenski-Seretelli. Na casa de um coronel conhecido, durante a ceia, León e Serguei se lançaram, faca em mãos, contra um oficial que havia dito que os bolcheviques eram agentes do Kaiser. Deram uma resposta mais ou menos igual ao engenheiro Serebrovski, agora membro do Comitê Central stalinista, quando este tratou de assegurar-lhes que Lenin era… um espião alemão. Levik aprendeu cedo a apertar seus jovens dentes quando lia as difamações nos diários. Passou as Jornadas de Outubro em companhia do marinheiro Markin, que, em seus momentos livres, em um sótão, instruía-o na arte do tiro ao alvo.

Assim se formava um futuro combatente. Para ele, a revolução não era uma abstração. Oh, não! Impregnei todo seu ser. Daí sua atitude seria pelo dever revolucionário que começava com os Sábados Vermelhos e a ajuda escolar aos estudantes atrasados. É por isso que mais tarde se uniu com tanto fervor à luta contra a burocracia. No outono de 1927, León realizou um giro "oposicionista" pelos Urais em companhia de Mrajkovski e Beloborodov. Ao voltar, ambos falaram com um autêntico entusiasmo da conduta de León durante a luta dura e desesperada, de seus discursos intransigentes nas reuniões da juventude, de sua coragem física diante das bandas de matões da burocracia, da coragem moral que lhe permitia enfrentar a derrota mantendo no alto sua jovem cabeça. Quando regressou dos Urais, tendo amadurecido durante essas seis semanas, já haviam me expulsado do Partido. Foi necessário nos preparar para o Exílio. León não era imprudente nem fazia alusões de sua valentia. Era sábio, cauteloso e calculista. Mas sabia que o perigo era um elemento constitutivo tanto da revolução como da guerra. Cada vez que era preciso, e acontecia frequentemente, soube fazer frente ao perigo. Sua vida na França, onde a GPU tem amigos em quase todos os pisos do edifício governamental, era uma cadeia quase ininterrupta de perigos. Matadores profissionais seguiam seus passos. Viviam nos departamentos próximos ao seu. Roubavam suas cartas e seus arquivos e escutavam suas conversas telefônicas. Quando, depois de uma enfermidade, passou duas semanas às margens do Mediterrâneo - as únicas férias que teve em anos - os agentes da GPU se alojaram na mesma pensão.

Uma vez, fez os arranjos para viajar a Mulhausen a fim de se reunir com um advogado suíço a respeito de uma ação legal contra as difamações da imprensa stalinista; na estação, esperava-o toda uma gangue de agentes da GPU. Eram os mesmos que mais adiante mataram Ignace Reiss. León evitou uma morte segura apenas porque, na véspera de sua partida, adoeceu, teve muita febre e não pode sair de Paris. As autoridades judiciais da França e Suíça verificaram todos esses fatos. E quantos permanecem ainda sem esclarecer? Há três meses, seus amigos mais íntimos nos escreveram que León corria demasiado perigo em Paris e insistiam que deveria ir ao México. León contestou: o perigo é inegável, porém hoje Paris é um posto de batalha muito importante; seria um crime abandoná-lo. Não restava outra coisa que fazer, se não inclinar a cabeça diante desse argumento.

Era lógico que, quando no outono do ano passado uma série de agentes soviéticos estrangeiros começaram a romper com o Kremlin e a GPU, León estava relacionado a esses sucessos.

Certos amigos protestaram contra essa associação com aliados novos e "não privados": era possível que se apresentasse uma provocação. León respondeu que sem dúvidas corria esse risco, mas que não era possível desenvolver esse movimento se ficássemos à margem. Também dessa vez tivemos que aceitar León tal como a natureza e a situação política o formaram. Como autêntico revolucionário, dava-lhe valor à vida apenas na medida em que esta servia para a luta do proletariado pela liberação.

Em 16 de Fevereiro, apareceu um breve comunicado nos diários vespertinos do México; dizia que León Sedov havia morrido após uma operação cirúrgica. Absorto em um trabalho urgente, não vi esses jornais. Por iniciativa própria, Diego Rivera verificou e confirmou por rádio esse comunicado e veio me trazer a terrível notícia. Uma hora mais tarde, avisei à Natália que nosso filho havia morrido, no mesmo mês de Fevereiro em que, há 32 anos, ela me trazia na prisão a notícia de seu nascimento. Assim terminou para nós o dia 16 de Fevereiro, o mais sombrio de nossa vida pessoal.

Tínhamos esperado muitas coisas, quase qualquer coisa, mas não isso, porque não fazia muito que León havia nos escrito sobre sua intenção de conseguir trabalho como operário em uma fábrica. Simultaneamente, expressava a esperança de escrever a história da Oposição russa para um instituto científico. Enchia-se de planos. Apenas dois dias antes da notícia de sua morte recebemos uma carta sua, com data de 4 de Fevereiro, transbordando em coragem e vitalidade. Está aqui, diante de mim: "Estamos fazendo os preparativos", escrevia, "para o processo na Suíça, onde a situação é muito favorável tanto no que se refere à assim chamada ’opinião pública’ como às autoridades". Na continuação, enumera uma série de fatos e sintomas favoráveis. “En somme nous marquions des points.” A carta irradia confiança no futuro. De onde saiu então essa enfermidade maligna e essa morte repentina? Em doze dias? Para nós, um véu de mistério envolve toda essa questão. Esclarecer-se-á alguma vez? A primeira suposição, e a mais natural, é que o envenenaram. Para os agentes de Stálin, não constituía uma grande dificuldade chegar até León, sua roupa, sua comida. Podem os peritos, inclusive os que não estão travados por considerações "diplomáticas", chegar a conclusões definitivas no que se refere a esse aspecto? Paralelamente com a química bélica, a arte de envenenar alcançou, hoje em dia, um desenvolvimento extraordinário. Seguramente, os segredos dessa arte não são acessíveis para um mortal comum. Mas os envenenadores da GPU têm acesso a tudo. É perfeitamente possível imaginar um veneno que não possa ser detectado após a morte, nem mesmo com as análises mais cuidadosas. E quem vai garantir esse cuidado? Ou talvez o mataram sem recorrer à química? Esse homem jovem, profundamente sensível e terno teve que suportar demais. Os longos anos de uma campanha de mentiras contra seu pai e os melhores de seus camaradas mais velhos, a quem León estava acostumado a reverenciar e amar desde sua infância, haviam já sacudido seu organismo moral. A longa série de capitulações por parte dos membros da Oposição o golpeou com não menor dureza. Logo, em Berlim, minha filha mais velha se suicidou, a quem Stálin havia separado de sua família, de seu meio ambiente, e o fez com toda a perfídia, de puro revanchismo. León encontrou-se com o cadáver de sua irmã mais velha e com seu filho de seis anos, por quem teve que assumir responsabilidade. Decidiu tratar de se comunicar por telefone com seu irmão mais novo, Serguei, que estava em Moscou. Contrariamente ao que cabia esperar, conseguiu a comunicação telefônica, já seja porque a GPU estava momentaneamente desconcertada diante do suicídio de Zina, ou porque esperavam poder ouvir alguns segredos. Assim León pode transmitir-lhe, com sua própria voz, a trágica notícia. Assim foi a última conversa entre nossos dois rapazes, os irmãos condenados à morte, que se comunicavam por cima do corpo, quente ainda, de sua irmã. Quando nos escrevia sua odisseia, suas cartas eram lacônicas, magras e comedidas. Porém, em cada linha, sentia-se uma tensão moral insuportável.

León suportava as dificuldades e privações materiais sem queixas, com humor, como um verdadeiro proletário; porém, evidentemente, também elas deixaram sua marca. Os efeitos das constantes torturas morais resultaram infinitamente mais angustiantes. O Processo dos Dezesseis em Moscou, o caráter monstruoso das acusações, os testemunhos de pesadelo dos acusados, entre eles Smirnov e Mrajkovski, a quem León conhecia e amava tanto; a prisão inesperada de seu pai e sua mãe na Noruega, o período de quatro meses sem notícias, o roubo de seus arquivos; a forma misteriosa com que nos levaram a minha mulher e a mim ao México. O segundo Processo de Moscou, com suas acusações e confissões ainda mais delirantes, a desaparição de seu irmão Serguei, acusado de "envenenar operários"; o fuzilamento de infinitos homens que, ou haviam sido amigos ou seguiram sendo até o final; a perseguição e os atentados por parte da GPU na França, o assassinato de Reiss na Suíça, as mentiras, a baixeza, a perfídia, os estratagemas para encriminá-lo.

Não; "stalinismo" não era para León um abstrato conceito político, e sim uma série de golpes morais e feridas espirituais. Se os amos do Kremlin recorreram à química, ou se tudo o que haviam feito resultou suficiente, a conclusão é a mesma: foram eles que o mataram. Marcaram o dia de sua morte como uma celebração importante no calendário termidoriano.

Antes de matá-lo, fizeram todo o possível para difamar e atacar a imagem de nosso filho aos olhos de seus contemporâneos e da posterioridade. Caín Dshugasvili [Stálin] e seus verdugos trataram de fazer ver que era um agente do fascismo, um partidário secreto da restauração capitalista na URSS, o organizador do descarrilamento de trens e de assassinatos de operários. Os esforços dos sem-vergonha são vãos. As toneladas de sujeira termidoriana saltam contra essa jovem figura sem deixar uma só mancha. León era um ser profundamente humano, limpo, honesto, puro. Poderia relatar a história de sua vida (desgraçadamente tão breve) diante de qualquer assembleia da classe trabalhadora e relatá-la dia a dia, tal como, brevemente, relatei-a aqui. Não havia nada de que pudesse se envergonhar, nada que esconder. A nobreza moral era o traço distintivo de seu caráter. Porque era fiel a si mesmo, serviu à causa dos oprimidos sem vacilações. Das mãos da natureza e da história, saiu com um homem de têmpora heróica. Necessitamos de homens dessa envergadura para os tremendos acontecimentos que se aproximam. Se León tivesse vivido o suficiente como para participar desses fatos, teríamos conhecido suas verdadeiras dimensões. Mas não viveu. Nosso León, jovem, filho, lutador heróico, já não está!

Sua mãe, que havia sido íntima dele mais do que ninguém, e eu estamos vivendo estas horas terríveis relembrando sua imagem, traço por traço, sem poder crer que ele já não está, e chorando porque é impossível não acreditar. Como podemos nos acostumar à ideia de que nesta Terra já não existe esse cálido ser humano, ligado a nós por vínculos insolúveis de recordações em comum, de mútuo entendimento e de terno carinho? Ninguém nos conheceu e ninguém nos conhece, com nossas debilidades e nossos lados fortes, tão bem como ele nos conhecia. Era parte de nós, a parte jovem de nós. Por centenas de canais, nosso pensamento e nosso sentimento ia até ele em Paris. Junto com nosso rapaz, morreu o que restava de jovem em nós.

Adeus, León, adeus querido e incomparável amigo. Sua mãe e eu nunca pensamos, nunca esperamos que o destino nos fosse impor essa terrível tarefa de escrever seu obituário. Vivíamos firmemente convencidos de que muito tempo depois de que tivéssemos ido seria você o continuador de nossa causa comum. Mas não pudemos te proteger! Adeus, León. Deixamos sua recordação irrepreensível às gerações mais jovens dos operários do mundo. Com justiça, você viverá nos corações de todos aqueles que trabalham, sofrem e lutam por um mundo melhor. Jovens revolucionários de todos os países! Aceitem de nós a lembrança de nosso León, adotem-no como seu filho - é digno disso - e deixem que, a partir de agora, participe invisível de suas batalhas, já que o destino lhe negou a sorte de participar da sua vitória final!

México, 1938.


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