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Karina Buhr, Selvática, provocadora, mulher

O sotaque recifense de Karina Buhr invade seu terceiro disco, “Selvática”, sobre uma base psicodélica que já denuncia de quem se trata essa obra. Karina Buhr tem uma personalidade musical sua e facilmente identificável; primeiro ponto positivo dessa cantora, que em meio a tanto mais do mesmo na indústria musical, consegue ser única.

Gabriela FarrabrásSão Paulo | @gabriela_eagle

sábado 10 de outubro de 2015 | 13:06

“selváticas, elas não necessitam nenhum elogio, ela transgride sua orientação
(...)
não ferirás nenhum corpo por ser feminino com faca ou murro ou graveto
(...)
no final ideal não terás domínio sobre mulher alguma”

  •  trechos de “Selvática”, de Karina Buhr –

    Karina Buhr já passou pela banda Eddie, Comadre Fulorzinha, tocou com diversos artistas, e agora chega ao seu terceiro disco solo. Depois de “Longe de Onde” e “Eu menti pra você”, “Selvática” já era esperado com expectativa. Quando a capa do seu disco, que trazia uma foto belíssima de Karina empunhando um punhal e com os seios de fora – imagem que foi censurada pelo facebook, por não estar dentro dos padrões aceitos, onde o corpo da mulher pode ser hiperssexualizado, mas onde a mulher não tem o direito de fazer com seu corpo aquilo que bem quiser, inclusive tendo a liberdade de mostrá-lo sem sofrer sanções – foi tido como certeza, que a cantora lançaria mais uma vez uma obra provocadora.

    “Selvática”, o disco

    Nas onze faixas do novo disco Karina Buhr destrincha principalmente críticas à sociedade patriarcal e machista, onde feminicidios são naturalizados e muitas vezes romantizados. Mas há também a crítica a especulação imobiliária que pensa a cidade apenas para o lucro dos poderosos, que se põem na posição de donos das cidades, e não para a comunidade que viverá nela. Tudo isso colocado entre letras muito bem trabalhadas, uma sonoridade única; enfim, uma arte política.

    A primeira canção do disco que veio ao conhecimento do público foi a “Eu sou um monstro”, onde a cantora canta contra a apatia que se deseja da mulher e o papel de princesa que ela deve cumprir. Foi a primeira mostra de que esse disco seria mais uma vez uma Karina Buhr metendo o pé na porta e gritando contra o que se espera de uma mulher e se colocando por fora do estereótipo de cantora de MPB de vestido cumprido e pés descalços cantando sobre amor. É mais uma vez a afirmação de uma cantora com uma presença de palco extraordinária que se bate contra o microfone em suas apresentações.

    A quarta canção do álbum, “Pic Nic”, traz uma letra construída com ordens dadas para que um churrasco seja feito, mas subvertendo a lógica, onde essas ordens deveriam ser dadas por um homem a uma mulher, elas são dadas para um “ele”. Nessa letra também é invocado a dupla jornada da mulher, onde ela trabalha fora para conseguir um salário, cuida da casa, dos filho e provê toda uma vida para o seu marido.

    Na seguinte música, “Esôfago”, Karina Buhr narra um feminicidio, mas não só isso, canta também a naturalização, a romantização desses assassinatos, e a culpabilização da vitima: ““Eu não posso te deixar, querida minha, te levarei junto”, disse o assassino, o aplauso do público”.

    A cantora segue para a punk “Cerca de prédio”, que trata da especulação imobiliária. Essa música nos remete a luta do movimento “Ocupe Estelita” do qual Karina faz parte – sobre o qual valeria um texto exclusivo.

    O movimento Ocupe Estelita, pela prórpia palavra deles é um movimento, que “luta há três anos contra um modelo de desenvolvimento urbano guiado apenas por interesses econômicos, que destrói a identidade de nossa cidade e promove uma ideia ultrapassada de progresso e modernização”, se “contra o urbanismo segregador e suas conseqüências hostis para a cidade.” Lutando por uma cidade mais inclusiva e que seja formada para o povo e não para entrincheirar a pequena-burguesia em prédios, que são inteiras cidades, deixando do lado de fora de suas cercas tudo aquilo que não é de interesse delas; a real cidade constituída por trabalhadores.

    A música “Alcunha de ladrão” narra a história de alguém que mendiga e rouba movido pela fome, que dói no estômago. A fome leva o homem a ganhar a alcunha de ladrão, que roubando e pedindo para ter o que comer tem como seu principal medo a polícia, e tem todos os seus sonhos e desejos passados apagados.

    O disco se encerra com “Selvática”, onde Karina Buhr chama de “selváticas” as mulheres. A canção é como um feitiço de bruxa – brincando com a acusação de bruxaria, que muitas mulheres sofreram e pelas quais foram queimadas em “inquisições de fogueiras”, como traz um dos versos, por não agirem sob a passividade com que a sociedade ordenava que elas agissem -, que traz os desejos que devem vir a se realizar, em uma nova sociedade em que mulheres não serão mortas por serem mulheres e serão verdadeiramente livres.

    “Selvática” é mais um disco de Karina Buhr que merece especial atenção no cenário musical atual e merece também a presença nos shows da cantora para ver essa obra se transformar em espetáculo sobre a grandiosa atuação dessa cantora; para se ver uma mulher se afirmando como tal, contra os conselhos patriarcais de como deve agir e ser.




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