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POLÍTICA BOLÍVIA | Justiça ou vingança? A prisão dos golpistas na Bolívia

As detenções de ex-integrantes do governo golpista da Bolívia – entre eles Jeanine Áñez, que ocupou a presidência – foram determinadas há cerca de duas semanas pelo governo do MAS, agora no comando do país. Acusados de perseguição política pela direita que compõe o bloco golpista, o presidente Arce declarou que “não se trata de vingança, mas sim de justiça”. Essa justiça é em nome dos trabalhadores?

Zuca FalcãoProfessora da rede pública de MG

quarta-feira 24 de março de 2021 | Edição do dia

Áñez sendo levada para o presídio feminino de La Paz. Foto: Ricardo Carvallo Terán - ABI

O governo de Luis Arce Catacora, que ganhou a presidência da Bolívia em outubro de 2020, em uma eleição que foi adiada em quase um ano após o golpe cívico-militar religioso em outubro de 2019, determinou em 11 de março a prisão de Áñez, 5 ex-ministros de seu governo e 4 altos comandantes militares, todos por responsabilidade no processo denominado “golpe de Estado”.

Jeanine foi apreendida sob a “acusação de sedição e terrorismo” dois dias depois, em 13 de março, na cidade de Trinidad no departamento de Beni, escondida embaixo de uma cama. Também foram presos dois de seus ex-ministros e alguns comandantes militares. As prisões são preventivas, por quatro meses.

As consequências do golpe para os trabalhadores e o povo pobre da Bolívia, pra além dos ataques a direitos trabalhistas, privatizações e o fortalecimento do reacionário empresariado agroindustrial, são marcadas pela violência e repressão àqueles que manifestavam oposição ao governo golpista, onde foi fundamental o papel da polícia e das Forças Armadas, e que encontra uma representação emblemática nos massacres de Sacaba e Senkata, que seguem impunes até hoje impulsionando os familiares das vítimas a seguirem se mobilizando e lutando por justiça.

Para que o governo do MAS pudesse falar em justiça, teria que partir da lógica de reverter os efeitos do golpe na vida dos trabalhadores. Teria que começar revertendo os ataques desferidos a toque de caixa pelo governo golpista, devolver o que foi tirado destes trabalhadores para ser entregue à burguesia nacional e ao imperialismo, e principalmente, fazer com que os responsáveis por toda a violência e repressão, sobretudo pelas vítimas dos massacres, fossem julgados e punidos. Mas ao contrário, a principal figura do golpe, Fernando Camacho, segue livre organizando o ódio e o reacionarismo dos grupos de direita e paramilitares, e agora no posto de governador do departamento de Santa Cruz.

Arce e seu partido demonstram assim que a intenção nem de longe é a de fazer justiça. Os mandatos de prisão foram ordenados após o resultado das eleições municipais de 7 de março desse ano, onde os resultados apurados dias depois revelaram um partido debilitado, que apesar da expressiva votação na eleição à presidência no ano passado, perdeu importantes prefeituras e governos departamentais, que foram assumidos por integrantes do bloco golpista. A partir disso, as prisões foram usadas como forma de negociar com a direita e tentar garantir uma governabilidade, respondendo ao avanço dos golpistas por vias institucionais com esta demonstração de poder de barganha, numa forma de “sujeitá-los”.

O que o governo de Arce conseguiu até então foi um acirramento da polarização política que se instalou a partir do golpe, e que se expressa nas declarações de vários representantes da oposição de direita. O ex-candidato à presidência Carlos Mesa afirmou estar ocorrendo um processo de perseguição política pior que nas ditaduras e chamou uma reorganização do movimento dos “pititas” (que constituiu a base social do golpismo). Camacho por sua vez realizou um “cabildo” (espécie de reunião pública tradicional da direita) ameaçando organizar um grande movimento nas ruas caso as detenções não fossem revertidas, o que virou um acordo entre os comitês cívicos dos 9 departamentos do país.

E essa tensão política tende a sofrer uma escalada tanto pelas ameaças dos cabildos, quanto pela reação de setores de ultra direita compostos pela polícia e Forças Armadas que demonstram não estar minimamente dispostos a negociar e exigem impunidade. Enquanto isso o MAS discute no parlamento uma mudança de regras para indiciar a Jeanine pelos massacres, o que pode desatar em ações dos movimentos cívicos que até agora se limitaram a reuniões.

Mais essa negociação não será tranqüila para o MAS, pois se de um lado a direita reage e exige a impunidade, por outro, amplos setores populares, encabeçados pelos familiares das vítimas da violência estatal durante o golpe que lutam por justiça, começam a se reagrupar para responder às ameaças da direita, de forma a impedir um novo golpe. Apesar do discurso, a “justiça” do MAS vai em direção da busca por um fortalecimento para se manter ativo dentro do podre regime boliviano e não de favorecer os trabalhadores e muito menos dar resposta aos massacres.

Ou seja, nem justiça nem vingança. O governo reformista de Arce Catacora que cada vez mais demonstra não ter posto fim ao golpe e suas consequências, e que mantém a mesma estrutura repressiva que possibilitou o golpe e executou os massacres, revela sua intenção de seguir como nos 14 anos do governo de Evo Morales: fazendo acordos para se manter no poder às custas do sangue dos trabalhadores bolivianos.

Leia também: García Linera: Confissões e disparates de um NEPman




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