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LITERATURA | Homens gostam de rosas?

terça-feira 4 de fevereiro de 2020 | Edição do dia

Hoje mais cedo, encontrei um homem segurando um buquê de flores. Automaticamente, imaginei ele entregando as rosas vermelhas para a sua namorada, e ela ficando radiante com o presente.

Porque sempre que vemos um homem segurando um buquê de flores, supomos que ele é quem presenteará alguém com ele, e não que foi ele quem o recebeu de presente?

Ao perceber isso, me obriguei a ser desconstruído e imaginei que fora ele quem recebeu o presente, mas em minha fantasia ele só poderia ter recebido de um outro homem, seu namorado no caso.

E aí eu me toquei que duas coisas eram inconcebíveis para mim: 1) imaginar uma mulher sendo quem presenteia alguém; 2) um homem hétero sendo alguém que goste de flores.

Por trás do véu de tais acontecimentos, encontram-se diversos juízos de valores, os quais são constitutivos das relações de poder da nossa sociedade em questão. Ao vivermos em uma sociedade capitalista, tudo está permeado pelas dinâmicas de classe, exploração e pela ideologia dominante, a burguesa. Ao passo que não há nada no nosso sexo biológico, ou no fato de apresentarmos no nosso DNA o gene XX ao invés de XY, que influencie na preferência ou não por flores.

Todavia, tais afirmações continuam como frases soltas e não está clara a relação entre a nossa sociedade voltada para o trabalho, e as motivações, ainda confusas, por apreço, ou não, às rosas.

Para tal empreitada, precisamos retroceder na história e voltar as nossas atenções para a antiguidade, mais especificamente para o início da propriedade privada. Com o desenvolvimento das forças produtivas, as sociedades antigas começaram a produzir excedentes, e com isso uma disputa por tais objetos e os seus meios de produção começaram a raiar na aurora da humanidade. Como esses excedentes eram, muitas vezes, produtos do gênero agrícola, a terra passou a ser o principal meio de produção. Portanto, a terra passou a ser disputada. Uma vez disputada, era preciso garantir que ela continuasse nas mãos da família que a conquistou. Conquista essa, na maioria das vezes, na base do sangue dos seus irmãos. E assim a ideia da propriedade privada dos meios de produção surge, e para sustenta-lá a noção de herança também nasce. Todavia, com a finalidade de garantir a perpetuação das propriedades, a monogamia feminina é instituída, pois só assim o homem poderia ter certeza de que o filho seria dele, uma vez que saber quem é a mãe era a única coisa visível. Logo, as relações econômicas dessas organizações sociais começaram a estruturar comportamentos para os indivíduos machos da espécie humana, e para as fêmeas. Assim, a partir de tais comportamentos, uma noção de gênero constitui-se. O conceito ideológico burguês de homem começa a ser forjado na ideia do Provedor, daquele que rege as relações familiares, mas também que possui desejos que podem ser sanados fora do seio familiar, como, por exemplo, no seio de uma outra mulher, pois, como eu disse, somente a poligamia feminina era um empecilho para identificar a origem da prole. Assim como as mulheres são postas em um papel passivo, submisso, dependente e frágil.

Mas em que tais histórias dos nossos antepassados possuem relação com o caso das rosas? Em tudo! Os juízos de valores que constroem as nossas suposições hoje, são fruto das relações econômicas nas quais estamos submetidos.

Quando o capitalismo surge, ele se apropria do patriarcado estrutural e o utiliza como forma de fragmentar a classe trabalhadora, colocar as mulheres em uma posição de trabalhadoras não remuneradas, e mantém os conceitos de propriedade e herança, ainda que na classe trabalhadora somente a propriedade individual exista. Assim, é muito natural que seja inconcebível para mim que uma mulher seja a provedora da relação, além do que a fragilidade masculina também não pode ser socialmente constatada.

E assim fronteiras muito bem delimitadas entre o masculino e o feminino são impostas, de modo que nos tornamos socialmente limitados, individualmente insuficiente e sensualmente sufocados. Vivemos em um mundo em que homens presenteiam mulheres com algo que eles mesmo repudiam.




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