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MEMÓRIA ESTUDANTIL | Há 47 anos da morte de Edson Luís

terça-feira 31 de março de 2015 | 00:40

No final da tarde do dia 28 de março de 1968, o restaurante estudantil do Calabouço no Rio de Janeiro era palco de uma das primeiras ações truculentas e repressivas da Ditadura Civil-Militar no Brasil: o assassinato do secundarista Edson Luís de Lima Souto, de 18 anos. Além dele, morrera também outro estudante, Benedito Frazzão Dutra, horas depois de chegar ferido ao Hospital.

Edson Luís trouxera consigo do Pará, sua cidade natal, os sonhos de qualquer menino pobre. Para “vencer na vida” era preciso seguir os estudos, e aproveitar as chances que seus pais não tiveram. Mas viera consigo na bagagem, também, o ímpeto de juventude de não aceitar calado as injustiças pelas quais passavam os homens e mulheres estudantes e trabalhadores à sua volta. E, justamente por isso, Edson começara sua militância tão cedo, ainda enquanto secundarista.

É bem provável que naquela tarde os estudantes estivessem discutindo a continuidade de uma série de mobilizações que estavam em curso contra a subida do preço e as más condições de funcionamento do restaurante do Calabouço. Mal sabiam eles que seus algozes estavam a caminho para selar o início de um tumultuado período de enfrentamento, desaparições e mortes. Mesmo em 1968, antes do AI-5 (Ato Institucional nº5, que dava plenos poderes aos ditadores para condenar os “comunistas inimigos do Estado”), o clima que se instalava já era o de desconfiança e perigo, e se envolver com questões políticas naquele momento era de fato colocar sua vida em risco. Pode-se dizer que o espectro do comunismo rondava as mentes e os corações de estudantes e trabalhadores, que há 9 anos tinham visto a queda de Fulgêncio Batista e o processo que culminou com a “Revolução Cubana”. Obviamente não se pode deixar de lado o fato de que haviam divergências estratégicas entre a esquerda no Brasil e no mundo, e que o fator estratégico é fundamental para o triunfo de uma Revolução Proletária. De todo modo, o período era o de Guerra Fria e havia uma polarização ideológica entre os que eram a favor do socialismo e da revolução, e os que eram contra.

Esse era o momento histórico em que Edson Luís vivia, e desde muito jovem ele já havia escolhido de que lado iria ficar. O fato é que sua cruel e covarde morte havia sido a gota d’água e o grito preso na garganta não podia mais ser abafado. O ocorrido transformou-se num fato político, e cerca de 50 mil pessoas acompanharam o trajeto do corpo de Edson da Assembleia Legislativa do Rio, onde foi velado, até o cemitério João Batista, onde aconteceu o enterro. Segundo o jornalista Zuenir Ventura, “pode-se dizer que tudo começou ali - se é que se pode determinar o começo ou o fim de algum processo histórico. De qualquer maneira foi o primeiro acontecimento que sensibilizou a opinião pública para o movimento estudantil”. Norma Bengell, Nara Leão, Di Cavalcanti, Leon Hirzman, Nelson Motta, Joaquim Pedro de Andrade e Eduardo Escorel foram alguns dos que compareceram ao velório.

Relembrar a morte de Edson Luís é retomar uma realidade latente em nosso país, um dos mais violentos do mundo: a repressão e a violência policial que servem de braço armado a um Estado assassino, racista, machista, homofóbico e que criminaliza os que lutam. O processo de “democratização” do país na década de 1980 trouxe em alguns sentidos certas “liberdades individuais” como o direito ao voto e à livre organização política em sindicatos e partidos, mas não transformou estruturalmente as bases políticas, sociais e econômicas no Brasil, que em pesquisas recentes é o país em que mais se mata no mundo. Em 2014 São Paulo foi a cidade com o maior número de mortes do país, sendo que mais da metade dos homicídios são de pessoas entre 15 e 29 anos, e quase 80% dessas mortes são de jovens negros.

Não há democracia num país em que basta ser preto, pobre, mulher, homossexual ou trans para se estar na mira de uma arma de fogo. Quantos Amarildos, Douglas, Caíques, Cíceras, Cláudias, Eloás, Elisângelas, foram mortos injustamente pelo Estado sem que sequer ficássemos sabendo? Quantos desses crimes foram investigados tendo os responsáveis punidos? É preciso dar um basta a essa “democracia” burguesa que não serve a nós trabalhadores e trabalhadoras, jovens negros e negras, estudantes. Quando exigimos o fim da polícia exigimos antes de tudo o nosso direito à vida! Não temos boas condições de trabalho, não temos bons salários, nem saúde, educação e transporte de qualidade, muito menos direito ao nosso próprio corpo. Não podemos, ainda, gozar plenamente da beleza que é viver num mundo onde sejamos “socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres”.

Por isso, nesse aniversário de morte de Edson Luís, temos de fazer reviver o seu espírito de luta contra as injustiças de um mundo que é vivido e desfrutado de fato por muito poucos, às custas da exploração e miséria de muitos outros. A todos aqueles companheiros que nos deixaram, nós gritaremos: PRESENTE!

E se nos tiram tudo, até a vida, não temos que temer o que nos espera, pois não temos nada a perder, a não ser os nossos grilhões!




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