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Luta de classes na França | Greve da refinaria de Grandpuits: exemplo de auto-organização dos trabalhadores

Contra o fechamento de uma importante refinaria da petrolífera Total, que acarretaria na extinção de pelo menos 700 empregos, os refinadores levam a frente uma greve exemplar. Baseada na organização dos próprios trabalhadores, com decisões tomadas democraticamente em assembleias de grevistas e eleição de delegados revogáveis, na conformação de comissões de mulheres - verdadeiros fóruns de discussão sobre os rumos da luta, desde onde se apoia a luta dos trabalhadores, onde as companheiras podem tornar-se sujeitos da greve - além de diversos organismos de Frente Única Operária com outras fábricas, trabalhadores de outros ramos, e mesmo estudantes e movimentos sociais, trata-se de um verdadeiro exemplo de luta operária contra os ataques capitalistas!

quarta-feira 3 de fevereiro de 2021 | Edição do dia

A greve na refinaria de Grandpuits, em Seine-et-Marne, na região metropolitana de Paris teve início no dia 4 de janeiro, contra a gigante petrolífera Total, que pretende fechar a planta, e implementar um grande corte de pessoal, ameaçando extinguir 700 empregos direitos (sua grande maioria de terceirizados) além de toda a economia da região, ameaçando o futuro de centenas, talvez milhares de famílias.

Sob a desculpa esfarrapada de “corte de gastos” a petrolífera demite em massa, realoca trabalhadores a força para longe de suas casas, e precariza as condições de trabalho dos que ficam, ameaçando a segurança do trabalho e do meio ambiente da região, enquanto distribui a seus acionistas os gordos cheques de auxílio do governo (que totalizam bilhões de euros) além de seu lucro bruto em 2020, que em si já foi de mais de 2 bilhões de euros. Ao mesmo tempo, este que é uma das maiores poluidoras do mundo, responsável por incontáveis desastres naturais, entre derramamentos, incêndios que liberam fumaça tóxica etc., e que nesse exato momento desmata reservas naturais na África para a construção de oleodutos tenta alegar que o fechamento da refinaria seria parte de uma “transição ecológica”. Mentira! Todo o processo, desde o fechamento da refinaria, as demissões, a precarização de seu quadro de funcionários fazem parte de uma cruel reestruturação voltada exclusivamente para baixar seus custos jogando em cima dos trabalhadores de todo o mundo o fardo da fome e da destruição ambiental, enquanto enchem seus bolsos.

A consciência das consequências desastrosas das ações da Total está na origem da decisão dos trabalhadores de entrar em greve, e sua determinação de não abrir mão de nenhum direito! Com até 90% dos trabalhadores em greve, estes instalaram um piquete nas portas da refinaria, e se reúnem regularmente em assembleia geral para decidir democraticamente suas ações, palavras de ordem e os caminhos da greve. Trata-se de algo que permite aos grevistas progressivamente tomarem plenamente o controle da greve em suas mãos. Além dessas assembleias gerais, que decidem soberanamente sobre o curso da greve, são eleitos delegados por setor, que executam as decisões das assembleias e apresentam, nelas, suas proposições para os rumos a serem tomados.

Leia mais: Na França, trabalhadores de refinaria levam a frente greve exemplar contra demissões

Os organismos de auto-organização e o controle dos trabalhadores sobre sua luta

Um traço definitivo do processo de greve na refinaria de Grandpuits é o sentido comum de que, nas palavras de um dos trabalhadores, “aqui, a greve pertence aos grevistas”. É um fato perfeitamente refletido nas assembleias gerais dos grevistas, onde congregam-se para falar, além dos representantes sindicais, também os delegados de greve eleitos, e os próprios trabalhadores, sem falar nos apoiadores de diversos ramos de trabalho e movimentos sociais que se somam à luta. O sindicato, integrado por nossos camaradas na Corrente Comunista Revolucionária (organização irmão do MRT na França) e ligado à central sindical CGT cumpre um papel de promover na categoria a organização desde baixo, ao nível do chão da fábrica, e viabilizar a democracia dos grevistas, um forte exemplo para os trabalhadores brasileiros, cuja tradição de auto-organização é (não por acaso) frequentemente enterrada por corrente sindicais burocráticas, como as ligadas ao petismo (a CUT e a CTB, dirigidas pelo PT e PCdoB, por exemplo), que centralizam as decisões sobre as lutas, e a toda chance entregam os grevistas em acordos com os patrões.

“É uma questão fundamental de como se pensar a greve.” Explica Adrien Cornet, trabalhador da refinaria, delegado sindical pela CGT e militante da CCR. “Nós, na CGT, nos comprometemos com a assembleia geral dos grevistas e nos submeter a qualquer decisão que ela tome, não é a CGT que decide tudo a canetadas. Não é a CGT que faz a greve, são os grevistas, sindicalizados ou não, que estão sem salário desde 4 de janeiro, então eles é que decidem.”

Todas as decisões da greve são tomadas na assembleia geral, que é totalmente soberana, isto é, não subordinada a qualquer outro instrumento. O comitê de greve, formado por delegados eleitos e revogáveis, se reúne a cada dois dias para tomar decisões sobre aspectos do dia a dia do piquete e para organizar e transmitir informações, além de viabilizar a comunicação entre os diferentes setores da refinaria em greve e levar informes e propostas à assembleia geral.

Com isso, os mesmo os trabalhadores não sindicalizados, tal como os membros sem mandato do sindicato, podem tomar a palavra e pronunciarem-se sobre os rumos da greve e construírem, juntos, os rumos da luta.

As mulheres na luta: a comissão de mulheres e a construção de uma luta não só pelo emprego, mas pelo futuro

A grande maioria dos trabalhadores da refinaria são homens. Mesmo assim, isso não impede a mobilização das mulheres como parte essencial do conflito. Bem cedo no conflito – que agora já se aproxima de completar um mês – um grupo lançado por duas companheiras de grevistas começou a se constituir para sustentá-los e acompanhar a luta.

Não era concebível para mim ficar lá sem fazer nada enquanto nossos companheiros estão no front

Explica Amélie, uma das criadoras do grupo, em entrevista ao coletivo feminista socialista Pão e Rosas. Ela explica como a ideia de organizar as companheiras dos refinadores surgiu há algumas semanas, e que “o objetivo é de gerir principalmente a logística da alimentação [dos piquetes], mas também em entrar em contato com comerciantes, familiares e todos que possam nos ajudar a trazer lenha para manter essa chama acesa. Essa chama é a esperança de todos. Ela deve ficar acessa para manter a moral e os corações aquecidos”

Essas mulheres da classe trabalhadora compreendem que não se trata, somente, de uma luta pelos 700 empregos e por condições seguras de trabalho, é uma luta pelo futuro, que a Total que, a todo custo, destruir. “Esta foi uma palavra de ordem que surgiu dois, três dias após o começo da greve” explica Adrien, em uma entrevista na qual conta sobre o papel das mulheres na luta, “não estamos aqui pelo dinheiro, estamos aqui por nossos filhos, pela juventude desse país, dessa região, de Seine-et-Marne, que amanhã estarão, também, procurando emprego.”

A cada dia, novas mulheres de refinadores se unem ao grupo que, apenas uma semana após o início da greve, já reunia 30 mulheres. Ele permite a realização de atividades através das quais as mulheres e suas famílias podem ser, também, parte da luta! Elas discutem cotidianamente, se organizam e apoiam “porque apoiá-los também significa gerir o trabalho e as preocupações que ele gera em casa.” explica Amélie.

A união dos trabalhadores com outros setores, movimentos sociais e estudantes – perspectivas de Frente Única e solidariedade com os grevistas

Outro aspecto importante do conflito de Grandpuits é a consciência, por parte dos próprios grevistas, de que sua luta não está isolada do conjunto de sua classe. Como posto antes, sabem que não é uma luta só pelo trabalho, mas pelo futuro. É nesse contexto que buscam conectar a luta contra as demissões na refinaria com a resistência a ataques em outros setores.

Delegações de grevistas já visitaram vários outros pontos de greve e lutas contra demissões e a comissão de greve trabalha em campanha constante para coordenar as lutas dos trabalhadores nacionalmente. Desde a CCR e do Révolution Permanente, publicação irmã do Esquerda Diário, batalhamos por um plano de lutas nacional, e pelo apoio mútuo entre as lutas em curso, através das variadas categorias, para que nenhuma fique isolada.

Igualmente, a greve de Grandpuits serve de grande referência e ponto de apoio para trabalhadores de todo o país, mostrando que outra saída é possível, além de curvar-se aos ataques dos patrões. Delegações operárias são presenças comuns no piquete da refinaria, que já recebeu trabalhadores da gigante da logística Géodis, dos correios, da educação, da energia, da montadora PSA Mulhouse, da Citroen, e da Neuhauser, em Moselle, estas últimas que recentemente passaram por processos de luta contra demissões. Além deles, trabalhadores dos metrôs e trens urbanos de Paris, e RATP e a SNCF, que no ano passado protagonizaram uma greve de impacto nacional contra a reforma da previdência naquele país, paralisando a capital e convergindo com a juventude e com coletes amarelos para resistir contundentemente aos ataques do governo e da patronal também estiveram presentes, prestando homenagens aos conflito e contribuindo com o fundo de greve.

Sua greve é decisiva, se fazem com que a direção da Total recue, é certo que haverá uma explosão no país, isso restaurará a moral de todos, em um momento em que querem que nos curvemos e calemos nossas bocas

Disse Anasse Kazib, trabalhador ferroviário e delegado sindical da central SUD, uma das grandes figuras da greve dos transportes do ano passado, em sua intervenção na assembleia geral dos refinadores.

Delegações de outras plantas da Total também foram recebidas no local, vindas de Donges, Flandres, Feyzin e da Normandia – esta última a maior do país. Muitos deles já passaram por processos de reestruturações, que deixaram centenas de demitidos e precarizaram gravemente as condições de trabalho dos que sobraram, e apoiam entusiasticamente a greve.

“A sua greve é a demonstração de que mesmo frente à Total, somos capazes de organizar lutas longas e duras. Isso nos permite ter exemplos a seguir, porque o que se passa agora é como com os mineiros [britânicos] frente a Thatcher” discursa Alexis, da CGT da planta da Normadia. “A Total quer acabar com os empregos. Vocês deram o tom, agora devemos somar. Em Feyzin, chamamos greve a partir do dia 3 [de fevereiro] e lhes enviaremos dinheiro para que possam resistir” acrescente Seb, da planta de Feyzin.

E os aliados da greve se estendem além do mundo do trabalho! Enquanto a Total tenta disfarçar seus planos de demissões como “ecologicamente responsáveis”, várias organizações ambientalistas, entre os quais o Greenpeace, Extinction Rébellion e os grupos franceses Les Amis de la Terre e o coletivo Plus jamais ça se colocam ao lado dos trabalhadores no conflito, participando das assembleias, falando em defesa dos empregos e contra a falsa ecologia dos barões do petróleo. “Estamos aqui para apoiá-los. Devemos parar de opor o fim do mundo ao fim do mês. A Total e o governo, ambos são responsáveis pela destruição do clima e do meio ambiente; são responsáveis pela tragédia social. Devemos, portanto, lutar juntos, porque para as futuras gerações, é necessário um planeta viável e emprego” discursou François, militante do Greenpeace, na assembleia geral, no fim de janeiro.

Adrien Cornet sublinha, igualmente, a importância do apoio da juventude, desde o início do conflito: “foram os jovens que pintaram de sede da Total de verde! [1] São eles que estão do nosso lado nas ruas, para recolher 1000, 2000 € para o fundo de greve. Eles estão aqui por nós, porque compreendem que lutamos por seu futuro.”

É nesse clima de muito forte solidariedade que recobre os grevistas que a assembleia geral em Grandpuits votou, mais uma vez, pelo prosseguimento da greve.

Trata-se de um grande exemplo de como, além de barrar os ataques da patronal, o conflito age para conformar uma Frente Única, agrupando desde a base, e pela mais ampla liberdade de debate, com total soberania da democracia operária, organizações operárias e sociais para barrar o conjunto dos ataques e dos planos de miséria do governo e dos patrões, que enchem seus bolsos com super lucros enquanto demitem e precarizam com a desculpa da “crise”. Uma verdadeira inspiração aos trabalhadores e lutadores que aspiram retomar seus métodos e organismos de luta, e não se contentar com a miséria do possível, aceitando calados planos de demissão e corte de salário, como pregam as burocracias sindicais.


[1Em referência a um ato na frente da sede executiva da petrolífera, para denunciar a hipocrisia de seu discurso “ecológico”, na França conhecido como “greenwashing”





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