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ANÁLISE | Governo Bolsonaro em estado febril

Nesta quarta-feira de panelaços o número oficial de casos reconhecidos pelo Governo Federal saltou em 137, para um total de 428. Considerando as notificações estaduais, mais rápidas, já são pelo menos 529. E já está evidente a profundidade da subnotificação de casos. São Paulo conta quatro mortos por Coronavírus reconhecidos oficialmente, crescem os rumores de que outros casos estariam sendo computados como doenças preexistentes. Com dois ministros contaminados, a febre que atinge o governo Bolsonaro pode ser mais que um resfriado.

quinta-feira 19 de março de 2020 | Edição do dia

Uma situação de crise grave como a que se aproxima, cujos os efeitos poderão ser comparáveis aos de uma guerra, como já acontece na Europa, é aproveitada pelos governos para fortalecer o seu poder e avançar em medidas autoritárias e de militarização da sociedade. Na China, depois de tentar ocultar a epidemia o governo girou todo o aparelho burocrático do Estado para impor de cima uma solução – que ainda está por se ver se não vai levar ao ressurgimento da epidemia. Macron na França, por exemplo, está fortalecendo suas posições apelando à unidade da nação para enfrentar a guerra contra o inimigo invisível. Trump, depois de uma primeira resposta negacionista, girou 180 graus e anunciou um pacote trilionário para enfrentar a epidemia.

O sentimento de emergência leva as pessoas a aceitarem, num primeiro momento, as ações repressivas e autoritárias do Estado, que começa a controlar toda a vida. Por exemplo, a pandemia pode fazer parecer plausível uma medida como a autorização para prender quem não cumprir quarentena, como ocorre em distintos países. É preciso ver que isso acontece sem que o Estado sequer garanta condições para que os contaminados possam se alimentar adequadamente e também pagar suas contas, No caso do Brasil é evidente que os R$200 para os trabalhadores informais anunciados por Guedes é um valor que não permite que ninguém garanta o pagamento de contas de água, luz e compre comida. Bolsonaro, aquele que defende AI-5 e outras barbaridades autoritárias, vinha de um caminho negacionista mas, agora, toda a resposta de seu governo coloca os militares em primeiro plano. Ele, apoiado pelos seus pastores, começou negando a gravidade da situação – um resfriado, dizia. Continuou fazendo pouco caso da situação mesmo vendo as medidas tomadas na Europa - “histeria propagada pela mídia”. Assim, ao invés de coordenar o esforço estatal, apelando a um sentimento de unidade em volta de si para combater a epidemia, escolheu um caminho mais arriscado. Declarou guerra ao Congresso e não ao vírus, convocando e mantendo o ato do dia 15. Mesmo ontem, ao convocar conferência de imprensa para se relocalizar frente a crise, não se saiu melhor. A mensagem que fica é: o presidente (e o ministro da economia) não conseguem nem vestir uma máscara, falaram, falaram e não ofereceram um respirador ou um leito a mais. O nível de estupidez que um governo pode atingir foi atualizado.

A aposta de Bolsonaro foi arriscada. Se a epidemia vem e passa como um resfriado, seu governo se fortaleceria contra o Congresso, o STF e a mídia. Os militares, com um pé em cada canoa e atuando como o poder moderador e autoritário dessa disputa, guardam prudente silêncio, ao mesmo tempo que vão assumindo maior protagonismo e postos de controle e mando, para poder angariar benefícios em qualquer cenário. Porém, se a epidemia segue a dinâmica que está tendo na Itália e outros países, ou com cenários ainda piores que podem se dar no Brasil, nos colocando em algum lugar entre Itália e Irã na gravidade da epidemia, seu governo sairia profundamente debilitado e desmoralizado.

Os fatores de poder se movimentam. Os governadores, especialmente Witzel e Dória, tomam o protagonismo das medidas de isolamento social e da disputa com o governo federal – nos lembrando, ao fazer isso, da fragilidade estrutural do pacto federativo. Maia se reposiciona na disputa, enquanto Alcolumbre acometido pelo vírus perde capacidade de liderança. E, dentro do governo, assume protagonismo o ministro Mandetta, com o apoio e mesmo o controle silencioso dos militares, que vão avançando em controlar o executivo, tendo agora Braga Neto para chefiá-los e o contra-almirante no controle da ANVISA como sombra do ministro da saúde. Assim, aprofundam a dimensão do seu poder moderador e, na prática, liderando de maneira eficiente – senão o combate ao vírus – pelo menos o avanço das medidas bonapartistas do Estado, se elevam, no alto do seu silêncio, acima das disputas cada vez mais ácidas entre governo e congresso, governo e mídia, governo e governadores.

A jogada de Bolsonaro não é arriscada somente para si. Além de colaborar em palavras e atos com a disseminação do vírus, ao abrir guerra contra o Congresso em meio a epidemia, dificulta a criação de consenso por parte dos militares, de Mandetta, do Congresso e dos governadores em torno das medias de isolamento social e outras que têm guardadas para implementar conforme avance a epidemia.

O panelaço de ontem à noite é um alerta de que a insatisfação já é alta antes mesmos das medidas mais drásticas de quarentena se colocarem, o que não deve demorar muito pela velocidade de propagação que a epidemia está tendo. É um alerta também as situações de desabastecimento que países imperialistas sofreram pois apontam dificuldades ainda maiores para a população brasileira. Isso tudo ainda antes do vírus se alastrar pelas favelas brasileiras, situação de incalculável risco para a parcela mais vulnerável da população. O governo Bolsonaro, que até agora lidera somente a estupidez, vai se isolando e se debilitando. Dentro do gabinete ministerial os bolsonaristas se debilitam enquanto os militares e os pragmáticos reforçam seu poder, deixando a Bolsonaro o direito de espernear. Talvez ainda esteja em tempo de Bolsonaro mudar essa situação, pois as reservas de reacionarismo em largas parcelas da população, que tendem a apoiar o governo se este se mostra minimamente à altura, não se dissiparam totalmente, mesmo com as importantes mostras de perda de apoio nas classes médias, que se ouviu com as panelas e gritos nesta semana.

O Estado e da burguesia se preparam para o pior e desde já clamam pela "unidade nacional" em torno das medidas autoritárias dos governos. Destas medidas não se sabe a eficiência real no combate ao vírus, algumas delas levam a alongar a curva de atendimentos médicos no primeiro momento da crise e facilitam a aplicação das reformas neoliberais e flexibilização trabalhista mesmo durante a pandemia. Se Bolsonaro segue governando como um palhaço frente à expansão da epidemia, duas medidas começariam a ser cogitadas nas cúpulas do Estado e da classe dominante: 1) o cancelamento da chapa presidencial, que se efetivado a partir de janeiro de 2021 levaria muito provavelmente Maia à presidência através de eleições indiretas; 2) ou o afastamento de Bolsonaro, que levaria Mourão e os militares a ocupar diretamente a presidência. Certamente as cúpulas militares trabalham com um terceiro cenário: que Bolsonaro modere sua verborragia ensandecida e cada vez menos crível, e deixe que o gabinete de crise liderado por Braga Netto e Mandetta atuem. Se atuam bem, teriam o presidente em suas mãos e passariam a liderar as tratativas com o Congresso. Ainda, apesar de Olavo de Carvalho opinar que Bolsonaro já não tem força para reagir, queremos deixar essa porta aberta como uma quarta hipótese cada vez mais improvável: que Bolsonaro se relocalize e reverta o atual isolamento, contendo as hordas de terraplanistas que negam a epidemia.

Mas há múltiplos fatores que atuam na contramão dessa quarta hipótese. Inclusive seus filhos, como Eduardo Bolsonaro abrindo um conflito diplomático com a China, que respondeu agressivamente, acendendo vários sinais de alerta à burguesia. Tudo que a burguesia menos quer é melindrar o maior comprador de produtos brasileiros em um cenário de já grande recessão. O cenário econômico atual mostra uma maior contradição para a linha tão alinhada a Trump que o governo Bolsonaro vinha trilhando, abrindo também desde o ângulo internacional novas fontes de “febre” para o governo.

Nesse cenário, as parlamentares Sâmia Bomfim, Fernanda Melchiona e David Miranda, todos da corrente interna MES do PSOL, já se movimentam no sentido do impeachment. O PT flerta com essa ideia sem se decidir ou sair da paralisia – talvez imposta pelo resguardo de 14 dias que Lula tem que guardar após sua chegada da Itália, e que cumpre zelosamente como principal ato silencioso para se diferenciar do presidente que rompeu ilegalmente a própria quarentena. Mas acontece que um governo Mourão não nos interessa, e só ajudaria as elites nacionais e cerrarem fileiras para controlar ditatorialmente todo o combate ao vírus nos tempos difíceis que se avizinham. É por isso que diante do próprio Coronavírus e também em resposta à crise política, os trabalhadores precisam desenvolver uma política independente.

Nossa perspectiva é essa. Chamamos toda a classe trabalhadora e a juventude a tomar para si a liderança em garantir todas medidas de segurança e higiene para si, seus companheiros de trabalho, famílias e bairros. Isso significa tomar para si o combate à epidemia, que vai atingir principalmente os mais pobres e os negros, como sempre nesse país, os que já sofrem de piores condições de moradia, jornadas mais extenuantes de trabalho e, portanto, têm um metabolismo mais debilitado. A classe trabalhadora e povo brasileiro têm diante de si um sistema de saúde precarizado e privatizado pelos capitalistas, que querem garantir que todos recursos nacionais terminem nas mãos de banqueiros e imperialistas. Cabe a nós assumirmos o protagonismo do combate nos bairros e locais de trabalho, para garantir higiene e segurança, garantir teste para todos, garantir afastamento imediato das pessoas em populações de risco, e conforme as possibilidades colocar as capacidades de produção a serviço da população, produzindo álcool gel, respiradores, alimentos e itens de primeira necessidade e não os lucros dos patrões.

Diante de tamanha catástrofe apontada pelos cientistas e pelos próprios capitalistas, é preciso que todos os esforços e toda a capacidade produtiva da sociedade estejam empregados no combate à epidemia. Porém, os capitalistas que visam somente os próprios lucros vêm demonstrando sua incapacidade de garantir isso. Apenas a classe trabalhadora pode assumir verdadeiramente tal enfrentamento e levar à frente, com suas próprias mãos, tais medidas. É preciso coordenar, junto com a população, o funcionamento dos bancos, dos transportes, da produção de combustíveis, do comércio, dos equipamentos de saúde e da produção para que todos os recursos sejam postos para que vençamos essa guerra com o mínimo de baixas. Os sindicatos, organizações de bairro, entidades estudantis e parlamentares de esquerda deveriam liderar esse esforço operário e popular, ao invés simplesmente apoiar e dar aval as ações do núcleo “racional” do governo, um núcleo que não cai em terraplanismo mas mesmo assim não moveu um dedo para garantir respiradores, testes, leitos.

Na medida em que avance a epidemia estaremos cada vez mais entre duas alternativas: ou aceitaremos medidas autoritárias e de eficácia duvidosa que já estão sendo colocadas em prática pelo núcleo “racional” do governo, que rejeita orientações médicas e acadêmicas de promover urgentemente testes a todos e defende a privatização da saúde. Ou avançamos nós mesmos para o protagonismo da situação, com medidas de controle operário que permitam direcionar os recursos necessários para onde eles têm que ir, preservando ao máximo a vida dos trabalhadores que serão fundamentais para garantir os serviços mínimos necessários a toda população. Que a elite política esteja dividida e em pé de guerra pelas ações negacionistas do bolsonarismo, abre uma brecha que podemos aproveitar para assumir o protagonismo. Para salvar vidas a classe trabalhadora precisa tomar em suas mãos o destino da proteção de cada um a exposição e garantia de que as possibilidades de produção sirvam para salvar vidas e não lucros.




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