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Giorgio Romano: "Petróleo e gás são estratégicos, recursos de poder durante muito tempo ainda" (parte 1)

Daphnae Helena

Giorgio Romano: "Petróleo e gás são estratégicos, recursos de poder durante muito tempo ainda" (parte 1)

Daphnae Helena

Após a reacionária invasão russa na Ucrânia, cuja resposta da OTAN e seus países fazem com que seja a classe trabalhadora sobretudo a pagar, o petróleo está no centro da geopolítica mundial. O Ideias de Esquerda entrevistou Giorgio Romano, Professor Associado na Universidade Federal do ABC (UFABC). Atua principalmente nos seguintes temas: Economia Política Internacional, Geopolítica da Energia, China, Política Externa Brasileira, Integração e Economia Brasileira Contemporânea. Esta entrevista ao Ideias de Esquerda foi concedida a Daphnae Helena, mestranda em Desenvolvimento Econômico pelo Instituto de Economia da Unicamp e entrevistadora do IdE. Confira a primeira parte.

Ideias de Esquerda: Estamos assistindo à maior alta do preço do petróleo desde o choque de 1973. Quais você avalia que serão os principais impactos da Guerra da Ucrânia na geopolítica do petróleo?

Primeiro, eu acredito que a melhor comparação seja com 1979, o segundo choque do petróleo. O primeiro choque do petróleo de 1973 era estrutural, porque esse produto vinha de patamares muito baixos que tinha a ver com a estrutura de dominação do Oriente Médio, com extração para financiar e possibilitar a reconstrução de uma Europa nos moldes do capitalismo estadunidense e garantir petróleo, também, para o Japão. Durante essa época, os Estados Unidos tinham o seu próprio petróleo, mas a questão era controlar essa expansão do capitalismo. Era, então, uma exploração total do produto com preços absolutamente baixíssimos e políticas ligadas a quem ia se opor, como, em 1953, o Irã tinha o Mossadegh com os golpes. Em 1973, tem uma coisa estrutural que muda, porque aí os países começaram a se organizar, impondo limites à força do imperialismo. Então esse preço não ia nunca mais cair aos níveis que tinha na década de 1950 e 1960.

Em 1979, ou seja, o segundo choque do petróleo, não é estrutural, é conjuntural. Ele está ligado a uma Guerra, a uma revolução, que foi a Revolução do Irã e, em seguida, à Guerra do Irã e Iraque. Então, é um período curto que não muda, estruturalmente, o controle político da oferta e da demanda. Tem um choque forte, porque o Irã, maior aliado dos Estados Unidos, grande produtor de petróleo, de repente cai fora da coalizão com os EUA e se torna uma das principais forças anti-hegemônicas. E, em seguida, tem a Guerra Irã-Iraque que num primeiro momento complica o fornecimento do petróleo. Uma vez superado o impacto conjuntural, as coisas se normalizaram, porque tanto Irã quanto Iraque precisavam sobreviver, então eles começaram a vender petróleo de novo, inclusive para financiar a guerra deles, de um contra o outro, e com esse dinheiro comprar as armas no Ocidente.

Então, quando a gente fala hoje sobre o impacto no preço do petróleo, temos que entender que isso é conjuntural e isso está ligado à Guerra. Quando a Guerra terminar, os preços voltam rapidinho. Por exemplo, agora o preço do petróleo estava em 130 dólares por barril -sendo um barril equivalente a 159 litros-, mas quando chegou a notícia de que os Emirados Árabes iam aumentar a sua produção e haveria uma reunião entre Sergey Lavrov, ministro das Relações Exteriores da Rússia, e seu colega ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, imediatamente o preço despencou para 113 dólares/barril, foi a maior queda em um dia desde muito tempo. Então, o mercado aposta que haverá, em algum momento, o fim da Guerra e aí começará rapidamente a volta aos patamares anteriores. Então, não há mudanças estruturais nesse aspecto. Mas é complexo, porque o preço do petróleo já estava muito alto, em relação ao que as pessoas imaginavam.

Quando começaram os ataques à Dilma em 2013-2015, o pessoal adorava falar que o Pré-Sal estava errado, que era megalomania do Lula, que era uma invenção para poder roubar, que o petróleo nunca mais seria estratégico. Você pode ler, está tudo escrito e registrado. Diziam que o petróleo iria ficar 20 dólares por barril, que jamais iria superar 100 dólares. E ouvi isso dos grandes especialistas lá no Instituto Fernando Henrique Cardoso, pelo ex-presidente da ANP (Agência Nacional do Petróleo). Eles tinham essa visão do mundo e isso era alimentado por ambientalistas que acham que a transição energética é simplesmente apertar um botão e a gente entra no mundo maravilhoso sem combustíveis fósseis. Então, antes da Guerra, num mundo de incertezas sobre o ritmo de transição, você já tinha uma pressão, inclusive da opinião pública, dos acionistas, da política, de diminuir os investimentos em petróleo e gás. As empresas petrolíferas estão se programando para serem empresas de energia, com exceção da Petrobrás. Aquelas que possuem uma visão do futuro estão investindo em hidrogênio, em energia eólica e em energia solar. Ou seja, estão ampliando o seu horizonte e estão diminuindo seus investimentos em áreas de pouca produtividade e com riscos nos próximos tempos. Elas estão mais focadas no curto e médio prazo, do que no longo prazo, como era antigamente. No curto e médio prazo, elas apostam em áreas com alta produtividade e certa estabilidade política, o Pré-sal é um exemplo disso. Todas elas apostam no Pré-sal, todas elas estão aqui porque o Pré-sal tem um custo de produção barato, de 5 dólares por barril, e há uma estabilidade política no Brasil porque as eleições vêm e vão e nem o Bolsonaro conseguiu atrapalhar isso. Ou seja, há uma estabilidade política e o mercado está vendo isso. Nos outros países, por exemplo, você tem guerras civis, isso não acontece no Brasil. O investidor olha sempre em comparação com outros países, ele não olha o ideal daquilo que seria a democracia, a estabilidade, ou o que quer que seja, nem para quem serve a estabilidade, não importa que tem 20 milhões de pessoas com fome no Brasil. A questão é que tem estabilidade no país em relação aos investimentos.

Bom, então a gente estava numa situação de uma baixa expansão da oferta de petróleo. Os investidores e, por tabela, as empresas privadas petrolíferas, ou seja, a Shell, Exxon, BP, Total, têm uma expansão limitada, com uma produção do que eles acham que será necessário, mas nada muito além. Isso significa que, se tiver alguma interrupção, isso imediatamente é um problema. Você não tem gordura, não tem muita flexibilidade porque teve a pandemia e, na verdade, ocorreu falta de investimento em petróleo e gás. Essa é a verdade crua e nua. Mas lá em Glasgow, eles querem ainda ir além, acham que tem que parar os investimentos. Esse pessoal acha que é só apertar o botão, parar de investir e aí está tudo bem. Acham que se você parar de investir em petróleo e gás, o mundo maravilhoso chega. Mas é o contrário, vai chegar o caos e quem paga o pato são os mais humildes e os mais pobres.

Então, nós estávamos num patamar mais elevado do que as pessoas imaginavam, porque estávamos saindo da pandemia, estávamos com problemas na elasticidade da oferta, que é a capacidade da oferta reagir ao aumento da demanda. Com isso, o preço do petróleo já estava em 80 dólares por barril e aí veio a Guerra da Ucrânia. Então, o Putin escolheu um momento bom, ele sabe exatamente que momento ele escolheu, foi um momento que o Biden estava fraco, que o Zelenski estava fraco, que a Europa estava dividida, que tinha brigas entre a OTAN e os Estados Unidos por causa da saída do Cabul, era o momento perfeito, só que ele errou porque as coisas não foram como ele imaginou.

Mas em relação ao petróleo, essa Guerra já está demorando muito, tanto para o próprio Putin quanto para os investidores. Os investidores querem que isso termine rápido para voltar a previsão, a estabilidade, etc. Embora haja gente que faz muito lucro também, como os especuladores. Numa primeira rodada de sanções, logo depois da invasão, os investidores analisaram e viram que não fazia nem cócegas, então não tinha problema. Se não dá cócegas para a Rússia, também não tem impacto sobre a economia mundial. Tanto que no dia seguinte você pode ver que está tudo normalizado. Mas quando a coisa permanece e o Zelenski, ao invés de fugir do país como achava o Putin, ele permanece e, ao invés de ser uma pessoa fraca, ele se torna um grande herói que as principais forças políticas estão em torno do Zelenski. Isso cria constrangimentos enormes para os governantes na Europa porque a opinião pública europeia está comparando a Guerra com Davi contra Golias, apoiando a resistência ucraniana. E como os países europeus não vão mandar tropas, eles decidiram estrangular a economia russa. É o que sobra. Mas muito do que é falado é só para inglês ver porque na prática não tem impacto, mas algumas coisas geram impactos. Contudo, existe um limite, e esse limite é o petróleo, gás e carvão. A Europa poderia acabar amanhã com a Guerra se eles parassem de comprar gás, petróleo e carvão russo. Se isso ocorresse, a Rússia não teria como financiar a Guerra, porque metade do orçamento federal da Rússia vem desses recursos. Ou seja, se a Europa quisesse, poderia acabar com a Guerra amanhã. Só que se a Europa fizer isso, eles vão ficar no frio e aí poderia parar tudo, não só a calefação, mas para tudo porque a dependência é gigantesca da Rússia.

Essa dependência não é um fenômeno da natureza, ela é uma escolha, uma escolha da Alemanha e de outros países. Eles avaliaram que Putin era um cara durão, mas que ele pensa na Rússia, que daria para negociar nesse espaço Euroasiático e com isso se tornar menos dependente dos Estados Unidos. Então foi uma decisão política, as pessoas se esquecem disso, de que foi uma decisão política da Merkel, por isso Nord Stream 2. Só que o Putin resolveu fazer coisas que ninguém esperava, ninguém esperava isso, eu acho que ele está numa fase decadente. Porque entrar em Donbass é uma coisa, mas bombardear Kiev? Não dá para virar a página, depois disso nunca mais a relação será a mesma. Depois de 2008, a invasão da Geórgia, depois da anexação da Crimeia, em 2014, rapidinho a página virou. Para você ter uma ideia, em 2015 a Merkel deu aval ao Nord Stream 2, um ano depois da anexação. Ou seja, já estava tudo bem, porque tem interesses e coisas superiores a essas briguinhas. Donbass ia virar o que eles chamam de “frozen conflict’’, ou seja, você mata lá, a Rússia dá um pouco de armas, a OTAN dá um pouco de armas do outro lado e fica lá, não sai da região e as pessoas esquecem. Quem falava em Donbass? Nem o Putin exigia mais nada na prática.

E tem uma posição oportunista, não só os investidores, mas também o Biden. Ele estava fraco e aí veio a Ucrânia. No primeiro momento ele achava "puts faltava só essa", depois ele [Biden] enxergou uma possibilidade de lucrar com isso. Como lucrar? Bom, você viu o discurso para a União, o discurso anual do presidente para o congresso, ele dedicou um terço do tempo para a Ucrânia. Isso significa Republicanos e Democratas juntos aplaudindo. Ele conseguiu juntar Republicanos e Democratas e ele na liderança. Isso era o que faltava, capacidade de liderança. E com a Ucrânia, o Putin deu essa oportunidade para ele. Então, Biden é evidente que não quer nada de tropas porque ninguém é louco, nada de tropas, isso está claro. E essa coisa de "vamos dar armas”, mas como as armas entram? Caças não entram, então o diabo está nos detalhes. É você anunciar que vai tirar a Rússia do SWIFT, mas a situação é totalmente complexa, você não pode simplesmente tirar totalmente porque senão você não tem como pagar pelo petróleo, gás e carvão.

Então, para você ter uma ideia, os Estados Unidos com o petróleo do xisto, o petróleo não convencional, eles se tornaram, milagrosamente, mas aconteceu, em pouco tempo, de novo, o maior produtor de gás e petróleo do mundo. Eles não precisam mais do Oriente Médio, por isso que eles estão se retirando, eles não precisam mais, é uma reviravolta total. Quando em 2003 o Bush invadiu o Iraque, os Estados Unidos eram dependentes de importação de petróleo para 70% do seu consumo, então imagina, eles estavam em pânico, precisavam invadir, mas agora não, agora podem se retirar do Oriente Médio. Isso pelo consumo interno, mas eles ainda querem ficar lá para exatamente controlar a oferta para quem compra. Quem compra? A China, quem compra petróleo do Oriente Médio agora é a China e a Europa também.

Então, com isso os Estados Unidos importam muito pouco e do pouco que eles importam um pouquinho é da Rússia. O que eles importam é só 3%, ou seja, um pouco mais de 200 barris por dia, é nada, eles conseguem comprar isso em qualquer lugar. Então é fácil fazer um gol lá, aquele discurso de “está vendo, nós sim, somos líderes do Free World”. Aliás, essa é uma terminologia típica da Guerra Fria, o Free World. Eles não falam em defesa do capitalismo, eles falam em defesa de um mundo livre, “the free world”. Mas então, eles [Estados Unidos] anunciaram, anteontem, que não iam mais comprar petróleo da Rússia, nem gás – mas eles já não compram gás da Rússia e carvão também acho que eles não devem comprar da Rússia, mas petróleo sim. Só que esse petróleo é de uma qualidade específica, a quantidade é irrelevante, mas a qualidade é importante porque ele é um petróleo pesado e que vai em alguns mixes para a refinaria. Porque a refinaria usa vários tipos de petróleo para fazer e produzir o mix de derivados desejados, de diesel, de nafta, de querosene, de gasolina. Então, você precisa substituir, mas não por qualquer petróleo, o petróleo da Rússia vai para refinarias dos Estados Unidos que precisam desse petróleo específico, que não pode ser substituído pelo petróleo do Pré-Sal, por exemplo. E aí a ironia da história é: quais são os dois países que produzem exatamente esse petróleo pesado? A Venezuela e o Irã. Então, os EUA mandaram um representante para a Venezuela falar “Gente, vamos esquecer Guaidó? Não me lembro mais quem é Guaidó... Vamos lá Maduro, me dê o seu petróleo”. Para você ver como as coisas são, como a geopolítica do petróleo funciona.

Bom, o risco é que você vai ter uma pressão da opinião pública, o Zelenski está provocando o tempo todo, de que temos que dar um basta a essa Guerra, temos que parar de ser egoístas, temos que nos sacrificar -ficar um tempo sem petróleo e gás e carvão-, ou seja, reativar as minas de carvão que estavam fechadas na Europa, tem algumas coisas na Itália, por exemplo, tem um pouco gás na Holanda que estava fechado e dá para reabrir de novo. Na Holanda, estava fechada porque causava terremotos, mas aí então tudo bem, um pouquinho de terremoto é menor, é melhor isso. Mas isso não é realista, entendeu? Tem alguns países que dependem menos da Rússia, por exemplo o Reino Unido porque eles pegam muito da Noruega. Quem depende muito é a Alemanha, Itália, Áustria e os países da Europa do leste e Bulgária, cerca de 90%. Mas o risco é que se a guerra continuar, a pressão de tomar medidas mais radicais, que serão medidas que podem ter efeitos colaterais gigantescos, aumenta. Aí os especuladores com o preço do petróleo no mercado futuro, ficam especulando como vai ser no mercado futuro e aí preço vai lá pra cima.

Então quem pode dar a solução? A Arábia Saudita e os outros países da Península Arábica, eles têm capacidade de aumentar rapidamente a produção. A produção de gás, não, não tem jeito. O Catar e os EUA são os dois que podem produzir gás liquefeito e já estão quase no limite, então para substituir o gás da Rússia seria um dos dois. Não tem onde tirar, a Argélia está no limite, tem esse pouquinho de gás que dá pra tirar da Holanda. A Argélia é gasoduto também, mas para a Espanha, a Espanha está tranquila porque pega gás da Argélia e não tem problema. Agora, petróleo, você consegue, talvez não resolver, mas aliviar, se os países da Península Arábica, principalmente a Arabia Saudita decidir jogar o peso todo e abrir as torneiras, seria o chamado swing producer, ela conseguiria rapidinho aumentar a produção com 1 milhão de barris por dia. É o único país no mundo que consegue fazer isso, porque mesmo os Estados Unidos com esse petróleo não convencional, eles conseguem ainda aumentar, mas já está bastante alta a utilização da capacidade. E aí a questão é a seguinte... Onde está Serguei Lavrov? Está no Oriente Médio, está na Arábia Saudita, está visitando os Emirados Árabes e visitando o Catar. Lembrando que a União Soviética sempre operava em paralelo à Opep e não junto com a Opep, aproveitando as tensões que a Opep criava para ocupar mercados. É assim que a Rússia operou. Mas agora, a Rússia de Putin se aliou à Opep, o famoso Opep+. Porque tem gente que diz que o petróleo não é mais estratégico, então a Opep não representa mais nada, é bobagem. Tem gente que fala isso há 20 anos, mas a Opep não representa nada se estão divididos, se os EUA conseguem dividir a Opep, eles não valem nada, mas se a Opep se une, eles têm uma força. Se eles se unem junto com a Rússia, eles mandam. A Opep + é muito poderosa. Então o Lavrov vai lá dizer “eu sei que vocês estão sendo muito pressionados pelo Biden e pelos europeus, mas lembrem que nós criamos uma amizade, que essa Guerra vai terminar e se vocês agora tem os interesses dos europeus e americanos, no dia seguinte eles não estão lá para ajudar vocês”. E com isso o Sergey Lavrov pode ter algum sucesso, embora a pressão gigantesca para que esses países comecem a aumentar a produção. Porque, por exemplo, a Arábia Saudita se sente muito mal tratada pelos Estados Unidos porque em Glasgow eles eram os patinhos feios, os poluidores, os atrasados, os produtores do século XX. E o Trump era ainda pior, falava a Arabia Saudita a única coisa que vocês podem fazer para sobreviver é comprar nossos armamentos, o Trump falou assim “se eu tirar a tomada, o regime da Arabia saudita cai”, falou com todas as letras. E o Biden não foi muito mais agradável com eles. Então agora, com a Guerra, os EUA falam “Catar por favor”, “Arábia saudita, você lembra das décadas das amizades…” Mas esses países da Península Arábica, eles pensam “vocês queriam enganar o mundo dizendo que petróleo e gás não era mais importante, que agora era a transição, que não era mais estratégico, mas vamos ver agora que estamos numa posição muito boa”. Ou seja, esses países também sentem sua força de novo. Tem muita psicologia aqui também, uma psicologia baseada em que agora os fatos estão claros, petróleo e gás são estratégicos, são recursos de poder durante muito tempo ainda. O Putin sabia disso.

Outros tentaram nos enganar que não era assim, sobretudo no Brasil. Toda a lógica de dizer para abrir o Pré-sal para as empresas multinacionais era com a justificativa de acelerar [a exploração] porque senão daqui a pouco não vale mais nada, porque a Petrobras não importa mais. Então faz a Petrobras diminuir, transforma numa empresa descartável, que vende tudo, distribuição, petroquímica, etanol, tudo eles venderam. Faz dois meses que eu estava num debate na TV Jovem Pan, com um economista liberal e ele falava que isso era coisa dos anos 1950, isso era um delírio, que [o petróleo] era como qualquer produto, não era estratégico. Mas, tem uma lição que fica muito clara agora e nisso o Putin está certo. Porque falaram aqui que petróleo não era mais estratégico? Para poder pegar as reservas do Pré-sal. Os lucros da Petrobras vão para os acionistas privados e dois terços da Petrobras são acionistas privados. Não é 50% do Estado, é só um terço. Então, dois terços dos lucros astronômicos da Petrobrás vão para o capital privado, dos quais um terço está no exterior. Um terço está em Nova York tomando cafezinho e se enriquecendo pra burro com as riquezas naturais do Brasil. A mesma coisa com os fertilizantes, que agora preocupa o governo, agora a Ministra diz que foi um erro ter vendido, que é uma questão estratégica.

A ideia que existe é que o mundo tem uma hierarquia que tem poder e que você precisa então utilizar os recursos que você tem e não simplesmente considerar tudo uma mercadoria num mundo globalizado. Acho que isso é uma lição que o Brasil pode tirar disso. E o mundo vai entender que precisa investir em petróleo e gás, porque tem os que falam em investir para se tornar independente do petróleo e gás da Rússia, vamos investir em fontes renováveis, mas isso está sendo feito. Só que isso demora e o bolo está crescendo, o consumo de energia no mundo está crescendo, então mesmo que a parte do bolo que vai para o petróleo diminui, você ainda tem aumento nominal do consumo de petróleo, por um bom tempo ainda. Além disso, os postos de petróleo que estão produzindo hoje daqui há dez anos muitos deles estarão secos, então você precisa repor, para ter a mesma oferta de petróleo, a mesma oferta, você precisa fazer investimento novos. Por isso que eles estão fazendo investimentos no Pré-sal, quer dizer, essas empresas vêem essas coisas porque se você diminui agora você tem altos problemas depois, não é a falta de petróleo que vai gerar energia renovável. Vai ter uma grande discussão no mundo todo e na Europa depois da Guerra. Mas o preço, quando a Guerra terminar, eu acho que tende a baixar para o nível que estava lá em 80 dólares por barril, por aí.


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Daphnae Helena

Economista e mestranda em Desenvolvimento Econômico na Unicamp
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