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CRISE DO PETRÓLEO | Geopolítica do petróleo: Trump ameaça o Irã em meio à pandemia

Nas últimas semanas, o preço do petróleo havia despencado e esta semana chegou a valores negativos. Trump ameaçou o Irã e isso bastou para produzir uma recuperação. No entanto, os efeitos são de curto alcance. Deixam exposto o retorno de Trump à política do "America First" em meio à pandemia e à crise, sendo um sinal das rivalidades e da competição entre as potências no próximo período.

Claudia CinattiBuenos Aires | @ClaudiaCinatti

sábado 25 de abril de 2020 | Edição do dia

O que o Twitter tem a ver com os preços do petróleo? Ninguém melhor que Donald Trump para responder a esta pergunta. Nas últimas semanas, o preço do petróleo caiu. A notícia mais impactante foi a queda até valores negativos nos mercados futuros dos Estados Unidos, no início desta semana, o que derrubou o valor das ações das empresas de energia que, como se isso não bastasse, já estão fortemente endividadas.

Não é segredo que o petróleo é tão sensível às recessões e quedas econômicas quanto às crises geopolíticas. É por isso que, quando a mancha venenosa ameaçou se espalhar, Trump apareceu e ameaçou - claro que por Twitter - destruir qualquer embarcação iraniana que se aproximasse da frota que os Estados Unidos estacionaram no Golfo. Este "aviso" foi uma resposta a supostos incidentes menores entre a Guarda Revolucionária Iraniana e navios estadunidenses que ocorreram na semana anterior. A mensagem bélica do presidente norte-americano foi suficiente para a recuperação ilusiva nos preços do petróleo. Embora os números ainda sejam modestos, sair da zona negativa trouxe alívio aos mercados.

É quase protocolar que o aumento das tensões no Oriente Médio, que a essa altura é equivalente às tensões entre os Estados Unidos e o Irã, tenha como efeito imediato o aumento do preço do petróleo diante de uma potencial interrupção da oferta com a consequente escassez. Para dissipar qualquer dúvida sobre o objetivo da ameaça contra o Irã, Trump quase simultaneamente garantiu que nunca permitirá que "a grande indústria norte-americana de petróleo e gás" caia, o que vale então uma provocação geopolítica de baixo risco.

Trump fez sua mágica, mas a maioria dos analistas concorda que os efeitos benéficos dessa alfinetada tática provavelmente desaparecerão mais cedo ou mais tarde.

Devido ao apagão econômico sem precedentes devido à crise do coronavírus, que há quase dois meses mantém mais de um terço da humanidade em confinamento mais ou menos estrito, a demanda por petróleo caiu e é improvável que retorne aos níveis anteriores. O mundo está literalmente inundado de petróleo que ninguém está querendo no momento e que está prestes a causar o colapso das capacidades de armazenamento. Portanto, os preços caíram em território negativo. Essa queda na demanda se combina de maneira infeliz com a superprodução de petróleo resultante da guerra de preços entre a Arábia Saudita e a Rússia, no início de março, que terminou com uma trégua frágil.

Se espera que os países produtores, membros da OPEP e seus aliados, cortem em 10% a produção no início de maio, mas aqueles que estudam o mercado de petróleo coincidem em concordar que está longe de ser suficiente para compensar a queda no consumo. Em suma, o futuro do petróleo é tão incerto quanto o da economia pós-pandemia.

Além desse efeito de curto prazo, a ameaça de Trump contra o Irã tem uma dimensão eleitoral e fala sobre como o imperialismo norte-americano pretende enfrentar seu declínio hegemônico, acelerado pelo coronavírus.

Mesmo antes da pandemia, Trump contava com a economia para vencer a reeleição em novembro. Ele tinha confiança em relação a Joe Biden, um típico representante do establishment democrata que baseara sua campanha no "retorno à normalidade" neoliberal. Mas o coronavírus liquidou em dois meses com os empregos criados desde a crise de 2008. Segundo dados do Departamento do Trabalho, na segunda semana de abril, 4,4 milhões de trabalhadores haviam se inscrito no seguro-desemprego. É a quinta semana consecutiva que o novo número de desempregados está na casa dos milhões. O número total de desempregados já atingiu 26,5 milhões. Em novembro, alguns analistas estimam que poderiam exceder 40 milhões.

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Junto disso, Trump respondeu tarde e mal à chegada do coronavírus. Primeiro, militou no lado negacionista. Mais tarde, ele se tornou o porta-estandarte da rápida abertura da economia a ponto de liderar os protestos de setores de extrema-direita que estão se mobilizando contra as medidas sanitárias. E mesmo querendo responsabilizar os governadores - especialmente os democratas - sua presidência inevitavelmente carregará os milhares de mortos deixados pela Covid-19.

Com uma recessão de duração indeterminada, recorde de desemprego e, por enquanto, ostentando o título pouco honrável de epicentro da pandemia, Trump mudou o chip da campanha e voltou ao "America First" recarregado. Está em plena construção do inimigo, uma condição elementar para a política. No plano doméstico, o alvo móvel desta semana são os imigrantes. Externamente, Trump está aumentando a retórica anti-China, responsabilizando o governo de Xi Jinping pela disseminação mundial do vírus (que ele continua chamando de "vírus chinês"). Além de reforçar as sanções contra Cuba, Venezuela e Irã.

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Essas ameaças contra o Irã significam que uma guerra no Oriente Médio já está se formando? Essa é a mesma pergunta que o mundo se fez desde que Trump retirou os Estados Unidos do acordo nuclear com o Irã, patrocinado por Obama, pelas Nações Unidas e pelas potências européias, e escolheu o caminho da "pressão extrema" para conseguir pelo menos mais concessões do regime iraniano, sem deixar de lado o objetivo de ouro da "mudança de regime".

Em princípio, a resposta é mais uma vez que não parece provável. Segundo o Pentágono, o tweet de Trump não era uma ordem explícita para atacar ninguém. Como esperado, o regime iraniano respondeu com um desafio. Ele reforçou a retórica antiestadunidense e lançou o primeiro satélite militar em órbita. É claro que isso é um jogo de imagens, porque o coquetel de sanções impostas pelos Estados Unidos e a pandemia do coronavírus estão causando estragos no país persa. Por suas relações comerciais quase exclusivas com a China, devido ao embargo, o Irã importou o coronavírus mais cedo, o que já teria deixado pelo menos 5.000 mortos. E viu bloqueado pela Casa Branca um empréstimo que o país havia solicitado ao FMI para adquirir equipamentos médicos.

Mas apenas porque a probabilidade de uma guerra é baixa não significa que ela não exista. As águas perigosas do Golfo Pérsico, onde convivem navios de guerra dos Estados Unidos e de outras potências, com navios comerciais de diferentes países, oferecem oportunidades para erros de cálculo.

A crise do coronavírus acelerou a decadência hegemônica dos Estados Unidos. E isso é aproveitado por seus rivais, em particular a China, que no meio de uma pandemia faz ostentação de “soft power” e brinca por um tempo na hegemonia, fornecendo suprimentos médicos para a Europa e América Latina. Trump responde aumentando a presença militar no Mar do Sul da China. São indícios de que as rivalidades e a competição entre potências estarão na ordem do dia no mundo pós-pandemia.




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