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SEMANÁRIO

Gênero e degradação ambiental em face à violência contra os povos originários

Cristina Santos

Luiza Eineck

Gênero e degradação ambiental em face à violência contra os povos originários

Cristina Santos

Luiza Eineck

Os povos originários estão sob ataque. Nas últimas semanas, as notícias de violência contra indígenas do povo Yanomami nos encheram de revolta. Em junho do ano passado, a notícia de que uma criança Yanomami de apenas 1 ano de idade havia morrido por inanição, ou seja, morreu por não possuir o mínimo de alimento que a nutrisse para manter as atividades vitais básicas, já nos mostrava a urgência de uma luta organizada.

Recentemente, uma criança Yanomami de 12 anos foi estuprada até a morte por garimpeiros no Norte Roraima e uma criança de apenas 3 anos jogada no Rio; uma outra jovem indígena da etnia Wapichana, que estava desaparecida desde o dia 23 de abril também em Roraima, foi encontrada morta.

Os últimos anos sob o governo Bolsonaro significaram grandes ataques aos direitos dos povos indígenas e ao meio ambiente. De outubro de 2018 até fim de 2021, a área destruída pelo garimpo ilegal dobrou de tamanho e ultrapassou os 3200 hectares - área com equivalência aproximada a quase 4500 campos de futebol -, as notícias de violência se tornaram frenquentes, principalmente contra as mulheres e crianças, expressando a face mais podre desse sistema capitalista patriarcal e racista.

Não é demais dizer que Bolsonaro - que reúne misoginia, xenofobia, racismo na sua figura nojenta - chegou a ir pessoalmente inaugurar uma ponte em maio de 2021 que facilitava o acesso de garimpeiros à terras Yanomamis. Em fevereiro deste ano, decretou a legalidade da “mineração artesanal”, uma nítida manobra para facilitar o garimpo. Em 2018, o Instituto Socioambiental publicava este artigo de Amanda Audi do The Intercept colocando justamente o “interesse” pessoal de Bolsonaro nessa atividade, que para ele “é um vício, está no sangue”, em referência ao passado garimpeiro de seu pai, Percy Geraldo Bolsonaro.

Vale ressaltar que, quando falamos aqui de garimpo ilegal, não estamos nos referindo a uma atividade “artesanal” individual, como pode ser a ideia no imaginário de muitas pessoas e que Bolsonaro, a extrema-direita e o agronegócio adoram reproduzir. O garimpo atualmente praticado na Amazônia se sofisticou, com maquinaria pesada e, junto com isso, armamento. Soma-se ainda o possível vínculo com o crime organizado, como denuncia o recente relatório “Yanomami Sob Ataque”. É nítido que se trata de uma atividade com grande investimento de grupos econômicos, que contam com o aval do aparato repressivo do Estado e do governo Bolsonaro. Muitos desses empreendimentos utilizam mão-de-obra semi-escrava, como denunciado em novembro do ano passado no caso da fazenda Rio Preto no Pará, onde 15 trabalhadores, incluindo uma pessoa com deficiência, foram resgatados de um garimpo onde trabalhavam em situação análoga à escravidão.

Inclusive, vale se notar que vários desses interesses e investimentos no garimpo ilegal estão diretamente ligados ao imperialismo, como vimos essa semana com a reunião de Elon Musk, o homem mais rico do mundo, com Bolsonaro; supostamente para tratar de um “monitoramento” da região amazônica que já existe, ou seja, nenhum interesse aí pode vir em defesa da floresta e de seus habitantes. Musk tem interesse direto em minerais de terras raras, altamente demandadas na produção de tecnologias 5G e que se encontram em terras indígenas. Além dele, monopólios financiadores e grupos econômicos como o Santa Elina, dirigido por Paulo de Brito Filho, cujas empresas fizeram mais de 250 pedidos de mineração e pressionam pela votação da PL 191, que afetam essas terras. Há também vários países, que pressionam pela liberação do garimpo e pela mesma PL, como Canadá, EUA de Biden, Austrália, Inglaterra, e países que compõem a União Europeia, escancarando ainda mais a demagogia verde feita por esses imperialismos sedentos de lucros.

Em meio a essa extrema degradação, são os povos indígenas as principais vítimas. Episódios grotescos como os que colocamos no início deste artigo não são acontecimentos isolados. É comum que garimpeiros abusem sexualmente de mulheres e adolescentes indígenas em troca de comida; ou as embriaguem para praticar abusos. Fatos que mostram que a misoginia e o machismo transpassam povos e localização geográfica e que, em meio à floresta, são as mulheres e meninas as principais vítimas da degeneração capitalista expressa no garimpo ilegal, que por sua vez é amparado por seus defensores no governo federal, neste caso, o próprio presidente da república.

Segundo Darcy Ribeiro, estima-se que antes do processo de colonização, a população indígena na América era maior que 100 milhões de pessoas. Em meados de 1800 os indígenas já tinham sido reduzidos a 10 milhões. Além da mortalidade por guerras fruto da colonização, os indígenas morreram pelas conhecidas doenças vindas com os colonizadores, que significou o maior genocídio da história da humanidade até aquele momento. Quanto à pandemia de Coronavírus no Brasil, entre os indígenas a contaminação chegou a ser 150% maior que a média nacional, matando inclusive o último ancião vivo do povo Juma, que já havia sido vítima da violência do Estado durante a última ditadura civil militar brasileira.

O Relatório Figueiredo é exemplo do nível que a burguesia e o Estado capitalista podem chegar para garantir sua dominação de classe. O Relatório produzido em 1967 revelou documentalmente os crimes de genocídio contra os povos indígenas do Brasil durante a ditadura, incluindo assassinatos em massa, tortura, inclusive à crianças, guerra bacteriológica e química, escravidão, abuso sexual e roubo de terras. E também aponta crimes realizados pelo SPI (Serviço de Proteção ao Índio) - antecessor da FUNAI - que incluem esses citados.

O fim da ditadura militar marcado pela transição pactuada com os militares e Constituição tutelada dá luz a um regime político, a dita redemocratização, que já nasce degradado com esse DNA e que não resolveu as demandas mais profundas dos povos indígenas, assim como não é de seu interesse resolvê-las. Mesmo partindo desse histórico de massacre e genocídio, os povos originários do nosso país travaram grandes batalhas por sua liberdade e pelo direito à terra, e atualmente, vêm protagonizando importantes lutas contra o governo de extrema direita de Bolsonaro, Mourão, e que continua cheio de militares.

A maciça invasão garimpeira estimulada pelos militares durante a implantação do Projeto Calha Norte no governo Sarney representou um marco no incremento da violência contra os povos originários, em especial os Yanomamis. É preciso lembrar ainda que,entre os anos de 1987 e 1989 - ou seja, durante a transição para a “democracia” - os militares impediam o acesso de antropólogos e pesquisadores aos territórios Yanomamis, ao mesmo tempo em que facilitavam o acesso aos garimpeiros. Uma amostra que a saída pactuada da ditadura civil-militar e as consequências expressas no regime que se conformou dessa saída nos dão pistas para entender que com a extrema direita não pode haver pacto. As vias para derrotar a extrema direita bolsonarista atualmente vão de encontro ao enfrentamento com esse regime político e as instituições que a sustentam, como é o STF e o Congresso Nacional.

Em setembro de 2021, os indígenas reuniram cerca de 200 povos em Brasília para lutar nas ruas contra o reacionário Marco Temporal, segundo o qual um povo só pode reivindicar uma terra se a estava ocupando no momento da promulgação da Constituição Federal de 1988, uma medida que exclui os séculos atravessados de luta desses povos por suas terras anteriores a essa data e que seria votado pelo STF, o judiciário golpista e inimigo dos povos originários. Neste momento, uma marcha de mulheres indígenas reuniu 10.000 indígenas nas ruas, com uma demanda central: por território e contra essa reacionária tese. Naquele momento, a luta dos povos indígenas conseguiu frear o avanço do Marco Temporal, que porém segue em tramitação.

No artigo “Mulher indígena: resistência em tempo de retrocesso de direito”, a autora Valdenia Brito Monteiro relaciona a violência contra as mulheres indígenas a partir do avanço do agronegócio e das políticas de ataque do atual governo. Ela coloca que dentro da comunidade aldeada, a mulher indígena é a responsável, por exemplo, pela alimentação; à medida que o rio está poluído pelo garimpo e que se expulsam os povos originários de suas terras, ela tem sua posição social vulnerabilizada. Daí se vê, que as recentes denúncias de abusos de garimpeiros à mulheres e meninas indígenas estão relacionadas com a própria depreciação das relações sociais na aldeia no marco da relação predatória capitalista.

Mas também é preciso destacar, que a forma como a questão da nacionalidade e da soberania aparecem na constituição brasileira já deixava brechas para a não efetivação de direitos elementares aos povos originários ao admitir no artigo 5º, inciso LXXI que:

“conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania;”

O mandado de injunção passa a ser o próprio reconhecimento de brechas na Constituição que podem dar passos à inconstitucionalidade, uma manobra que não pode impressionar, visto que essa constituição foi, como dissemos, tutelada pelos militares.

Porém, a ampliação do entendimento da reacionária figura já citada do “Marco Temporal” feita pela advocacia-geral da União em 2017 no governo Temer, representa um salto de qualidade. Essa tese muito defendida por ruralistas contribui para dar sustentação à parte importante da agenda do golpe institucional de reprimarização da economia. O PT com seus mais de 13 anos no comando do país, marcados por alianças com ruralistas e com o agronegócio, hoje base dura de Bolsonaro, fortalecendo como “nunca antes na história desse país” a bancada do boi e da bala, em nome de uma suposta “governabilidade”, também possui grande cota de responsabilidade.

Os ataques aos povos indígenas e a ausência de demarcação de terras após o golpe institucional de 2016 e aprofundados por Bolsonaro foram imprescindíveis. Porém, vale se dizer que desde a “redemocratização”, os governos Lula e Dilma foram os que menos demarcaram territórios indígenas no país, uma política que deveria estar como uma das hierarquias de um governo que se diz minimamente responsável com as demandas dos povos originários. Foi durante seus anos no governo federal que ocorreram as catástrofes massacrantes da construção das usinas de Belo Monte e Altamira. O Rio Grande do Norte, governado por Fátima Bezerra (PT), é o único estado que não tem nenhum centímetro de terra demarcada. Na Bahia, o Quilombo Quingoma sofre ataques da prefeitura de Moema Gramacho e do governo de Rui Costa, do PT, em prol de empresários, contra a titulação de seu território. Para as mulheres da classe trabalhadora, não foi diferente, mais de 40 milhões de novos postos de trabalho precários e terceirizados onde as mulheres deixam sua saúde e suas vidas foram criados para as mulheres negras e indígenas urbanas, que os ocuparam majoritariamente. Aliaram-se às bancada evangélica negando o direito ao aborto.

E agora, Lula e o PT se colocam salvadores da pátria, porém se aliam a Alckmin e apelam justamente aos atores do regime como o STF e o Congresso para que resolvam os problemas e enfrentem Bolsonaro, semeando ilusão na classe trabalhadora, na população pobre e nos povos indígenas de que esses setores podem defender alguma de nossas demandas, mas na realidade são eles que estão aplicando város ataques com Bolsonaro.

Um fato curioso que reforça essa política de conciliação é que Ricardo Salles, o ex-Ministro do meio ambiente de Bolsonaro colocado no cargo à medida das necessidades dos ruralistas, que naquela famosa reunião ministerial de 2020 sugeriu ao governo se aproveitar da situação pandêmica para “passar a boiada”, foi apadrinhado na política por ninguém mais ninguém menos do que Geraldo Alckmin, atual vice de Lula. Esse ateliê de costura de acordões com nossos inimigos que fazem Lula e o PT só reafirma como o reformismo não passa de uma utopia para combater a extrema-direita. Não serão alianças com estes setores, ou meras saídas institucionais e eleitorais que poderão dar uma resposta aos graves problemas que enfrentam hoje os povos originários e o conjunto dos explorados e oprimidos. E, sim a luta e organização independente nas ruas da classe trabalhadora em aliança com o conjunto dos setores oprimidos.

Apontamentos sobre gênero

Temos que partir de que no Brasil há mais de trezentos povos indígenas com características muito diversas entre si, logo, falar de opressão de gênero referindo-nos às mulheres indígenas requer cuidados. Nos referimos aqui em como o casamento entre capital e patriarcado também chegam em conjunto com a degeneração capitalista também aos povos originários.

Começamos este artigo abordando alguns episódios grotescos que aconteceram no último período e que tiveram como vítimas meninas e mulheres indígenas. Vemos se refletir no atual relatório "Yanomami sobre ataque" a cotidianidade desta violência, em que a transcrição de frases de garimpeiros denota o nível da opressão machista que recai sobre as indígenas:

“Se você tiver uma filha e a der para mim, eu vou fazer aterrizar uma grande quantidade de comida que você irá comer! Você se alimentará!"

Ainda segundo o relatório, para a maioria das mulheres indígenas, os garimpeiros representam uma terrível ameaça. O registro abaixo foi feito por uma pesquisadora indígena que não teve o nome publicado, a partir de uma entrevista com uma mulher Yanomami:

“Quando as pessoas disseram que eles se aproximavam, eu fiquei com medo. Por isso, desde que ouço falar dos garimpeiros, eu vivo com angústia.”

“De fato, as pessoas agora pensam: ‘Depois que os garimpeiros que cobiçam o ouro estragaram as vaginas das mulheres, fizeram elas adoecer’. Por isso, agora, as mulheres estão acabando, por causa da letalidade dessa doença. É tanto assim que, em 2020, três moças, que tinham apenas por volta de 13 anos, morreram.”

Estes casos de violência contra os povos originários e em especial contra as mulheres, precisam ser denunciados como responsabilidade do governo federal, que vem tentando abrir caminho para o avanço do garimpo em terras indígenas, além de reproduzir constantemente discursos machistas e misóginos; mas essas práticas já eram comuns em lugares com presença militar, de agentes do Estado e exploração ilegal das terras indígenas, como relata a Antropóloga Angela Célia Sacchi, autora de estudos sobre gênero e povos originários, em artigo publicado na Revista Anthropológicas em 2003:

“O exame do contato entre povos indígenas e sociedade nacional permite refletir sobre a convivência, nem sempre pacífica, entre os modelos tradicionais de gênero e a reestruturação de novos papéis para homens e mulheres. Dentre as consequências do contato interétnico, verifica-se os relacionamentos sexuais das mulheres indígenas com homens brancos – na sua ida às cidades e nos lugares em que há a presença militar, do Estado e de trabalho ilegal em terras indígenas - que repercutem, muitas vezes, na ocorrência da violência sexual e/ou abandono da mãe com o filho.”

O trecho acima expressa como o Estado burguês cumpre um papel de correia de transmissão da opressão para dentro das comunidades indígenas e como essa opressão estruturante do sistema capitalista permeia todos os âmbitos da sociedade. Outro elemento que é bastante denunciado pelas organizações de mulheres indígenas é em relação a como a entrada do consumo de álcool nas comunidades é um fator que aumenta a violência contra as mulheres e destrói as famílias, não muito distante do que representa o alcoolismo dentro das famílias operárias nas cidades. Na maioria das vezes, esses itens entram nas comunidades pelas mãos de garimpeiros ou através dos próprios agentes do Estado.

É contrastante esse rastro de violência contra indígenas - especialmente contra mulheres e meninas - que se expressa a partir do contato com o Estado (presença militar), ou estado paralelo no caso de um garimpo ilegal que acontece sob as asas desse mesmo Estado, quando vemos como a luta das indígenas aparece sempre vinculada à defesa da terra, do território, de forma indissociável da luta de seus companheiros homens e dos outros povos, um exemplo de unidade e solidariedade, visto que essa é uma luta histórica de todo o povo indígena. Demandas de combate às expressões do machismo e da misoginia também surgem - como se vê pelas pautas do II Encontro de Mulheres Indígenas da Amazônia brasileira de 2003, e na II Marcha Nacional de Mulheres Indígenas em 2021, onde tiveram destaque o combate à violência, aos estupros e à prostituição - mas aparecem muito mais como expressões da própria degeneração capitalista.

Para entendermos essa degeneração capitalista e seus contornos nas relações sociais e principalmente no que diz respeito à opressão contra as mulheres, retomamos Engels em 1884 em sua obra “A origem da família, da propriedade privada e do Estado”, que discorre que embora a opressão de gênero (patriarcado) seja anterior ao desenvolvimento do capitalismo, ela está intrinsecamente relacionada ao surgimento da propriedade privada e da primeira divisão sexual do trabalho, que muda qualitativamente a forma que se organizava o trabalho em relação ao caçadores coletores, nos quais a maior tendência era de equidade entre os sexos5. Com a possibilidade de acúmulo individual, surge o problema da herança, que vai ser a base para a introdução da monogamia e da subordinação da mulher à família. Embora essas sejam observações que datam de antes do modo de produção capitalista, com a introdução do mesmo adquirem-se traços particulares. O capitalismo converteu o patriarcado em um aliado indispensável para a exploração e a manutenção do status quo de dominação da burguesia, através da opressão.

O surgimento do capitalismo não só aumentou a exploração e a opressão que o antecediam, também aprofundou os antagonismos ao reforçar o embate entre duas classes fundamentais, a burguesia e a classe operária. Isso faz com que se atualize a análise de Marx, de que a luta de classes é o motor da história.

Esse resgate de Engels é atualíssimo para pensarmos a situação das mulheres no Brasil, assim como as mulheres indígenas que aqui tratamos, e as respostas de fundo que podemos dar a essa situação. Muitas mulheres trabalhadoras brasileiras são indígenas roubadas de sua própria história, várias dessas mulheres sequer têm o mínimo direito de serem reconhecidas pela identidade indígena. Apesar das diferentes culturas e tradições que permeiam os mais de 300 povos indígenas em nosso país, as trabalhadoras e as indígenas têm muito em comum. Com fome, o desemprego, o aumento da inflação, que reflete as consequências da guerra na Ucrânia, vemos também o aumento pela carestia de vida nas cidades, pela poluição dos rios e o desmatamento nas aldeias, o saque de terras, a crise climáticas, entre outros, são as mulheres que são em sua maioria responsáveis pela alimentação se tornam mais vulneráveis e padecem em ver suas famílias e comunidades passando fome e sendo assassinadas. Com o imperialismo e o agronegócio predatórios, são elas também que mais sofrem as consequências da violência estrutural desse sistema.

Qual o programa poderia responder às demandas dos povos originários e das mulheres?

Frente a tudo isso, precisamos de respostas à altura do nível de miséria e violência que o capitalismo impõem com a carestia de vida, os ataques da extrema-direita, para assim combater de fato o genocídio aos povos indígenas, parar a catástrofe ambiental e enfrentar a espoliação imperialista. Marx e Engels apontam no Manifesto Comunista sobre a contradição essencial do capitalismo, que para se produzir precisa produzir consigo os seus próprios coveiros - a classe trabalhadora -, nesse sentido, coloca também sob responsabilidade estratégica dessa classe libertar não só a si mesma, mas o conjunto dos explorados e oprimidos. Assim, é preciso construir uma forte aliança com os povos originários em defesa do meio ambiente, desde os sindicatos e organizações operárias, com o objetivo comum de organizar a sociedade sob novas bases a partir de uma planificação racional da economia mundial ou, como diria Marx, mediante “a introdução da razão na esfera das relações econômicas”. Se a relação da sociedade com o resto da natureza é mediada pela produção, é revolucionando a produção que o metabolismo pode ser racionalmente regulado com a natureza. É por isso que a classe trabalhadora, a única classe genuinamente produtora na sociedade, é que pode atuar como articuladora de uma aliança social capaz de ativar o "freio de emergência" diante do desastre ao qual o capitalismo está nos levando, e construir as bases de uma sociedade que avance para o fim de todo tipo de opressão e exploração, uma sociedade comunista.

Porém o capitalismo, o patriarcado e seus governos não vão cair sozinhos, nós vamos ter que derrubá-los. E para que essa luta contra o sistema triunfe, precisamos de uma organização independente da classe trabalhadora, junto aos povos indígenas, mulheres, negros LGBTQIAP+ e juventude, que defenda um programa político e uma estratégia de luta para conquistar governos dos trabalhadores e povos oprimidos em ruptura com o capitalismo. Contra aqueles que dizem que essa perspectiva é utópica, defendemos que, pelo contrário, é a mais realista: sem planejar racionalmente a economia e acabar com a dinâmica ecodestrutiva do capitalismo que está nos levando à catástrofe, e não levar até o final uma luta consequente contra todas as formas de opressão e exploração não seremos capazes de parar o ecocídio em todos os seus âmbitos.

Isso será conquistado apenas através da luta de classes. Vemos que hoje no Brasil, as burocracias sindicais da CUT e da CTB, PT e PCdoB, e movimentos sociais e pelas lideranças políticas reformistas, fazem tudo ao seu alcance para evitar que os movimentos de luta se desenvolvam, batalhando conscientemente para que não haja um plano de luta, nem unidade entre esses setores para um combate consequente à extrema-direita de Bolsonaro e militares e os ataques que aplicam junto do regime.
O PT com sua eterna política de conciliação e de gerir o capitalismo brasileiro construído sobre o sangue e o roubo das terras indígenas, atua nesse sentido, o PSOL agora federado com a ecocapitalista REDE financiada pela Natura e pelo sangue indígena do extrativismo dessa empresa, sucumbe também à essa estratégia.

Demandas como a reforma agrária radical também não podem ser levadas a frente pelo reformismo e pela conciliação de classes. Precisamos da classe trabalhadora em cena com luta e organização que se enfrente com os lucros capitalistas e arranque a reforma agrária radical para os pequenos camponeses e a demarcação imediata das terras dos povos indígenas, derrubando de uma vez por todas o reacionário Marco Temporal, nos enfrentando com a espoliação imperialista e batalhando pela expulsão dessas empresas de nosso país, assim como pelo confisco de seus bens e desapropriação sob o controle dos trabalhadores de todo o complexo industrial agroalimentar e exportador. Batalhamos também pelo direito à autodeterminação de todos os povos indígenas, e lutamos contra todos os ataques em tramitação e a revogação integral de todos os ataques aprovados contra esses povos.

Referências:

Relatório Yanomami Sob Ataque (2022) https://socioambiental.medium.com/yanomami-sob-ataque-bd9df62ebd1.

KOPENAWA, Davi; ALBERT, Bruce A queda do céu: palavras de um xamã yanomami - 1ª ed. - São Paulo: Companhia das Letras, 2015.

SACCH, Angela. Mulheres indígenas e participação política: a discussão de gênero nas organizações de mulheres indígenas. Revista ANTHROPOLÓGICAS, ano 7, v. 14, p. 95-110, 2003.

3 CASTRO, Eduardo Viveiros de. O Recado da Mata, Prefácio ao livro A Queda do Céu, Companhia das Letras, 2015.

4 Entende-se como branco todo aquele que não e indígena

5 https://arqueologiaeprehistoria.com/2015/05/16/havia-igualdade-entre-os-primeiros-homens-e-mulheres-dizem-os-cientistas/].


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Cristina Santos

Recife | @crisantosss
Professora e militante do grupo Pão e Rosas.

Luiza Eineck

Estudante de Serviço Social na UnB
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