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ENTREVISTA TIÃO CARVALHO | Festa do Boi: entrevista com Tião Carvalho

No dia 18 de outubro aconteceu a Festa do Boi do Morro do Querosene, em São Paulo, em que se fechou o ciclo anual da festa com a morte do boi. Entrevistamos Tião Carvalho para o Esquerda Diário e na conversa falamos sobre sua trajetória desde o Maranhão até São Paulo, os quase 30 anos do grupo Cupuaçu, a Festa do Boi e sobre a música popular.

segunda-feira 19 de outubro de 2015 | 22:09

No dia 18 de outubro aconteceu a Festa do Boi do Morro do Querosene, em São Paulo, em que se fechou o ciclo anual da festa com a morte do boi. Entrevistamos Tião Carvalho para o Esquerda Diário e na conversa falamos sobre sua trajetória desde o Maranhão até São Paulo, os quase 30 anos do grupo Cupuaçu, a Festa do Boi e sobre a música popular.

ED: Tião, fala um pouco pra gente sobre a sua trajetória.

Tião Carvalho: Meu nome é Tião Carvalho, nasci no interior do Maranhão, na cidade de Cururupu. A partir dos meus 8 anos de idade fui morar na capital, São Luís, e onde eu vim participar de vários grupos nesse meio tempo. Desde grupo de teatro, grupo de dança, grupo de cultura popular, grupo de bumba-meu-boi, boi da madre deus, grupo de escola de samba, grupo de capoeira. Ali começa um pouco toda essa minha vertente artística. Começa ali em São Luís, na capital, onde eu vivi até meus 24 anos e de lá eu sai pra ir ao Rio de Janeiro.

Recebi um convite de um grupo (grupo de teatro Vento Forte) pra ir ao Rio de Janeiro pra de lá viajar com esse grupo ao exterior, né. A gente viajou para os Estados Unidos e passou 40 dias fazendo o circuito universitário.

E de lá do Rio de Janeiro fizemos algumas viagens internacionais, passei um ano no Rio, e de lá esse grupo mudou para São Paulo e eu vim junto. E até então eu estou em São Paulo.

Eu cheguei aqui em São Paulo na virada da década de 1970 pra 1980. No início dos anos 1980 eu já estava aqui e a partir daí eu começo a minha trajetória em São Paulo. Junto com meus alunos de dança a gente criou esse grupo, que se chama Cupuaçu. Que é um grupo que trabalha e que se propõe a trabalhar com pesquisa de danças brasileiras, de cultura brasileira e de cultura tradicional. E através também do grupo surgiu a festa (Festa do Boi no Morro do Querosene), que hoje a gente pode chamar de tradicional, né, porque ela tem 25 anos. E o grupo em si vai fazer 30 anos no ano que vem.

O grupo propõe a se trabalhar com cultura tradicional e é um caminho que nós encontramos pra ir trabalhando as pessoas com essa questão política, social e, claro, cultural. É um pouco essa forma da gente estar cuidando do Brasil, cuidando das nossas tradições, cuidando de nós mesmos. Essa é um pouco a visão que a gente tem enquanto grupo. Eu sou educador também, trabalho com escolas. Tem uma escola aqui que eu já trabalho a 30 anos que se chama Tearte, que trabalha com crianças de 0 a 7 anos, que é uma escola que não deixa de ser uma escola pra nós professores também.

E daí eu saio trabalhando essa cultura tanto aqui na cidade de São Paulo, na extensão do estado, fora de São Paulo e as vezes fora do Brasil. Um pouco essa linguagem aí. Eu sou músico, cantor, tenho dois CDs solo gravados, alguns CDs gravados com bandas, mas tudo voltado pra essa questão aí das tradições brasileiras.

ED: Como acontece a festa do boi durante o ano e durante os dias festivos?

Tião Carvalho: Então, o que acontece é o seguinte. Ela não tinha esse formato, era um pouco mais aleatória. A festa é do bumba-meu-boi e o bumba-meu-boi ele tradicionalmente é dançado durante os festejos juninos, né. Festejo de junho, festejo de São João e tal. É uma festa junina. Então, a princípio a gente tinha essa intenção aí. Mas depois com o tempo, ou melhor, quando a gente começava a ensaiar a partir do sábado de aleluia, aliás, a partir do término da quaresma... a gente resolveu fazer três festas. E esse primeiro ensaio aí já virou festa, que seria no sábado de aleluia, né, quando acaba a quaresma.

Ela também acontece próxima ao dia de São João, não necessariamente no dia porque geralmente esse dia cai durante a semana e tal e a gente não faz a festa, faz sempre no sábado que antecede o dia de São João.

E aí, no caso, essa última que foi agora (18 de outubro). É a última festa que é a morte do boi. Que a gente chama de morte do boi e que termina todo esse ciclo. Então, na lógica é onde vai terminar essa última festa e o boi vai renascer no ano seguinte já no sábado de aleluia.

Então, é um pouco isso. No fundo ele é preparado pra dançar pra São João nesse tempo. Aqui vem o preparo até São João e depois que ele brincou no dia de São João (no caso vamos pensar: cumpriu a promessa) e aí a gente escolhe uma data... No nosso caso, a gente escolhe uma data durante a primavera pra fazer essa última festa pra se fechar o ciclo.

Aí, durante o dia, a festa é do boi mas a gente procura chamar outros grupos que tem a ver com essa linguagem que a gente fala, né. Ou seja, voltado à cultura popular mas não necessariamente. Quero dizer, quem a gente acha que tenha consistência, que não seja tão descartável, tão voltado à mídia, que corre paralelo à mídia igual a gente.

Então, a gente procura fazer isso aí, ocupar esses espaços vazios e também com outras pessoas, outros grupos que não estão na mídia, fazendo outro caminho, paralelo. Não necessariamente cultura popular tradicional brasileira, mas sei lá, pode vir uma orquestra e tal.

ED: Tem uma outra discussão, que eu acho que parte daí também, quando você fala em chamar uma orquestra, né? Ontem na festa eu estava ouvindo um som instrumental que trazia elementos da música popular, assim como faz Hermeto Pascoal, Egberto Gismonti, tem outros músicos também. Que faz essa mistura do popular com o que é reconhecido também como erudito. E o que você acha dessa divisão entre o erudito e o popular? É um problema? Pelo o que eu já vi ela é utilizada pra dizer que a cultura que o povo faz não é boa, né? Tem que passar pelo crivo da academia.

Tião Carvalho:
O que eu acho é que não é problema. Se for problema não deveria ser. Não devia ser porque todo mundo vai fazer a música e a arte que você sabe fazer. Entendeu? O problema é a forma como nós raciocinamos em relação a isso e também a relação, sim, com o poder do capital e da mídia, né? Que a mídia tem um poder muito grande. Então ela termina ali valorizando um e desvalorizando outro e botando em evidência também o que é mais viável de vender, mais descartável,...
A televisão de uma determinada forma ela vai também meio que selecionando. Principalmente essa televisão nossa aqui do Brasil que se posiciona contra a cultura tradicional. Ela vai colocando em evidência tudo isso aí mais descartável, mais rápido, os programas de TV. Então, é isso aí que a coisa pega.

E, as vezes, os próprios órgãos governamentais vão lidando com esses valores. As universidades também, né? Mas ela [a divisão entre erudito e popular] em si não seria um problema. Acho que a forma nossa de raciocinar em relação a essas ambas culturas é que as vezes a gente se perde em atrapalhada, viu. E coloca peso aqui e divisão. E as vezes essa divisão é até financeira mesmo. Acho que é isso.

E enquanto as outras culturas, eu acho super legal mesmo. Eu gosto muito de música erudita, gosto de jazz, gosto de muitas coisas que eu não tenho o habito de fazer, né, enquanto músico, mas, de assistir, de ver, eu gosto muito. Tudo o que é bom a tendência é as pessoas gostarem. O povo, de uma certa forma, gosta do que é legal. Agora, muitas das vezes o povo é carente de escutar coisas boas na TV, no rádio e tal.


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