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OPINIÃO | Faria Lima muda discurso sobre a COVID, mas sua preocupação não é com as vidas

300mil mortos depois, mais de 500 banqueiros, investidores e economistas assinaram uma carta endereçada a Guedes, ao STF e aos presidentes do Congresso Nacional orientando uma nova abordagem na pandemia. Há críticas novas, mas poucas mudanças efetivas traçadas, escancarando como não se trata de uma preocupação com as vidas, mas um realinhamento político que procuramos deixar algumas indicações.

Leandro LanfrediRio de Janeiro | @leandrolanfrdi

segunda-feira 22 de março de 2021 | Edição do dia

Foto: Germano Lüders

A carta foi publicada ontem à noite. Nela há críticas pela falta de atenção ao distanciamento social, a necessidade de vacinação mais abrangente rapidamente, entre outras medidas, e exigem uma resposta unitária e que essa seja dada ou pelo governo federal ou pelo consórcio de governadores, claramente servindo de indicação ao STF – que pautará isso em breve – de qual o posicionamento de parte das finanças.

Na carta dizem com todas as letras que a resposta à pandemia dada pelo governo federal dificultará a retomada econômica e esta é a verdadeira preocupação dos signatários: seus lucros e a possibilidade de luta de classes, coisa que até o FMI alerta vendo o nível de descalabro catastrófico da gestão da pandemia em nosso continente, e particularmente em nossas paragens.

A carta é recheada de hipocrisias, tais como a crítica à dupla jornada das mães, vinda de gente que sempre defendeu a Lei de Responsabilidade Fiscal, a reforma trabalhista, o teto de gastos e tantas outras medidas que levam a cortes nos gastos sociais e fazem aumentar o trabalho (não-remunerado) das mulheres, recaindo sobre elas o peso de parte expressiva do trabalho de reprodução social. A carta não oferece nenhuma crítica a governadores, mostrando qual o alinhamento político dos signatários, e isentando de corresponsabilidade Doria, Castro, Leite, etc, do crescente número de mortos em seus estados. Em resumo gostariam que a linha nacional fosse basicamente a de Leite ou Doria e sua demagogia “científica” mas que na prática coloca os trabalhadores a se exporem ao vírus de modo idêntico ao de Bolsonaro. Evidentemente não há preocupações com gastos públicos com saúde e assistência social, com quebra das patentes para produzir medicamentos e vacinas, nem falar reconversão industrial. 300 mil mortos depois o discurso mudou, mas o lucro segue sendo a prioridade.

Além do lucro a preocupação se localiza em meio a uma crescente preocupação nacional e internacional com a possibilidade de luta de classes no país, o que aí sim colocaria em risco seus lucros. Essa preocupação já se expressou na decisão de Fachin em anular os julgamentos de Lula em Curitiba e transferi-los a Brasília, reabilitando, pelo menos até agora, seus direitos políticos. Para parcela do clube do milhão e do bilhão Lula não é um bicho-papão, sabem como ele entregou lucros recordes aos banqueiros, como nunca mexeu em nada da “herança” de FHC, e, como ficou patente em seu discurso não agiria diferente perante o legado do golpe institucional.

A carta foi assinada por parte da fina flor das finanças tucanas e de Temer, incluindo Pedro Malan, Edmar Bacha, Pérsio Árida, Pedro Parente, Ilan Goldfajn. Ela também inclui os CEOs da Itaú e da Credit Suisse Brasil. Duas coisas são dignas de chamar atenção: em primeiro lugar que a carta não é endereçada a Bolsonaro e, em segundo lugar nela não constam figuras de proeminência na atualidade em outros pesos pesados das finanças, tais como o Bradesco, Santander, Safra e XP Investimentos.

Não endereçar a Bolsonaro indica que se não partiram abertamente à oposição e defesa da retirada do presidente para colocar o também super-reacionário Mourão, no mínimo já trabalham que não há como mudar a linha do governo federal sem enfraquece-lo, fortalecendo governadores, STF, Centrão. Trata-se de, com desculpas da pandemia e da economia publicar um manifesto em prol do “golpismo institucional” (em detrimento do golpismo bolsonarista e parcelas da forças armadas que sigam alinhadas ali).

A ausência de algumas assinaturas relevantes pode indicar duas coisas: a) divisão entre eles, ou b) que parcelas das finanças não queiram publicamente se associar a esse tipo de movimentação política, preferindo manter mais portas abertas com Bolsonaro jogando um jogo mais “à la centrão”. Pode haver as duas coisas nas ausências. Novos fatos ajudarão a compreender as ausências e o nível de fissura ou ruptura das finanças com o governo Bolsonaro.

Algo já podemos “precificar” para usar o jargão desses signatários: quando as finanças recalibram sua política, mostrando fissuras ou rupturas com quem tanto lucraram, como andam fazendo com Bolsonaro e Guedes, há movimentos por baixo muito maiores. Esses senhores, na fase imperialista do capitalismo, detêm a contabilidade, expectativa de vida, detalhes pessoais de cada cidadão e empresa, sabem farejar que há o potencial de algo novo. Aguardar 2022 é justamente fazer o jogo hipócrita desses senhores, deixar que cada dia sejam contabilizados mais mortos, que cada dia a saúde pública esteja mais degradada, que cada dia os trabalhadores percam mais direitos, mas que surja a esperança de deixar tudo isso intacto (e perdoado como diz Lula) desde que o discurso mude. Precisamos de algo muito maior que mudanças de discurso e isso só pode acontecer contra os banqueiros e, superando todos aqueles que queiram conciliar com eles, só assim salvaremos vidas, empregos, direitos.




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