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POLÍTICA | FHC: o sociólogo envergonhado tenta ’racionalizar’ o golpe

Comentando o desfecho do processo de impeachment, Fernando Henrique dá razão à "doutora" Janaína Paschoal, e tenta ser a ala razoável do golpismo

Edison UrbanoSão Paulo

terça-feira 6 de setembro de 2016 | Edição do dia

Em sua coluna semanal no Estadão de domingo, FHC tenta usar uma vez mais da sua combinação peculiar de uma retórica sagaz, com tom moderado, e uma política de “reação inteligente”.

Só que, dessa vez, o elitismo do “príncipe dos sociológos” dificilmente poderia escapar da vergonha intelectual e moral de tentar emprestar legitimidade ao obscurantismo golpista.

Nas cortes antigas, não era rara a figura do “conselheiro” que, abusando de frases feitas e afetando ares de "pensador", sabia sempre encontrar a cada momento a frase sábia a confirmar aquilo que o ego do seu amo já havia decidido... ou às vezes até apenas o seu estômago, ou outros órgãos menos nobres.

Estaremos sendo injustos com Fernando Henrique? “Deus” nos livre de ofender a sagrada vaidade de nosso ex-presidente... Mas vejamos alguns trechos de seu artigo: “Em sua emotiva, mas racional argumentação, a doutora Janaína Paschoal sumarizou com pertinência o desrespeito às normas constitucionais.”. Bom, talvez emotiva seja apenas um eufemismo para tratar de uma argumentação “direitista e histérica”, mas afinal FHC sempre foi mesmo um lorde, não é verdade?

E a palavra “racional” na frase, talvez seja um erro de digitação... sim, com certeza o primeiro “ir-” não saiu e deixou o resto assim pendurado, não sejamos tão precipitados, já que nosso ex-presidente é um sábio, e nem todos os teclados são tão sensíveis quanto o seu nervo democrático.

Deixando a fatídica Janaína de lado, (para não falar do "doutor" Helio Bicudo, desacreditado até por cada um dos três filhos) e indo ao que interessa, a opinião sobre Dilma e seu impeachment. FHC escreve: “(...) ela foi incapaz de manter as rédeas do governo e deixou evaporar as condições de governabilidade. Juntou-se a isso o crime de responsabilidade.”

Ou seja, eis o modo FHC de reconhecer que os motivos foram os dois primeiros . E envergonhadamente adicionar, como “complemento”, a suposta razão “constitucional”. Em outras palavras: juntou-se o “crime”, detectado pela inefável Janaína, aos argumentos “não-criminosos” que foram a verdadeira causa de sua deposição; causa esta também sempre apenas “suposta”, mas não por isso menos efetiva.

Seguindo a mesma linha de pensamento, FHC ironiza: “Uma pessoa eleita por 54 milhões de votos é derrubada, sendo inocente, como repisou a defesa petista? (...) O impeachment (...) não tem necessariamente consequências capituladas no Código Penal. Foi jogando com este último aspecto que a presidente Dilma apelou retoricamente para sua “inocência” (não roubei, não tenho conta no exterior, etc.).”

Ou seja, não adianta Dilma se pintar inocente dos crimes comuns, que o cidadão sabe identificar pelo nome, ou mesmo dos que não sabe identificar, mas que estão no tal código penal. Isso não faz dela inocente, pois pode ser acusada de um tipo de “crime” muito peculiar, que ataca não o cidadão comum, mas apenas o interesse de uma classe muito particular de pessoas: os todo-poderosos detentores do capital, especialmente se forem estrangeiros. Aspecto totalmente ausente da crítica que os petistas fizeram ao golpe.

E é bem aqui que começa outro aspecto da questão, por demais interessante. É que a violência contra o povo trabalhador levada a cabo com esse golpe institucional, tem não uma, mas ao menos duas dimensões fundamentais.

E o petismo buscou salientar, – de maneira muito incompleta, aliás–, apenas uma delas: o golpe à democracia formal: o “golpe” contra os 54 milhões de votos, ou então o “golpe” contra alguém que “não roubou”. Essas defesas eram “incompletas”, entre outras coisas porque o PT nunca disse que o próprio impeachment é um mecanismo antidemocrático, que sequestra a vontade de milhões de sufrágios em nome da autoridade de um punhado de parlamentares desacreditados, incluído entre outros mecanismos de igual natureza em nossa “Constituição cidadã” (que ao menos para nós não é nada “sagrada”, questão que apenas honra nossos verdadeiros princípios democráticos e socialistas). Debate este que fica para outro momento.

O que queremos ressaltar aqui é que, por trás da discussão de se “houve ou não crime de responsabilidade”, está algo bem mais profundo. A questão extremamente elementar, e encoberta pelos mil véus da demagogia capitalista, compartilhada tanto pelos golpistas quanto pelo PT e seus apoiadores: essa “lei” sobre o crime de responsabilidade, na verdade trata da chamada Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), uma lei que deveria servir de índice do quanto somos um país ajoelhado diante do imperialismo, com uma "elite"que se formou com o chicote na mão contra o povo. É a chancela de que o interesse do capital imperialista – chamem de “investidores internacionais”, de “detentores da dívida pública” ou qualquer outras dessas palavras enganosas que a mídia costuma usar – é a sanção de que o interesses deles, é sagrado; e o interesse do povo trabalhador... não existe para a nossa “democracia”. Esse assunto também é grande demais para prosseguir aqui e agora, mas voltaremos a ele em breve, em outro artigo. De todo modo, vale reter na memória que foi uma mera "tecnicalidade" lateral, na aplicação dessa lei, que serviu de argumento ao impeachment. E lembrar também que o PT nem sequer tentou alertar o povo do conteúdo dessa lei; pelo contrário, concorda com ela.

O artigo de FHC, como de costume e sobretudo quando escreve ao calor de acontecimentos importantes, tem diversas camadas, por assim dizer. O intelectual uspiano, eterno “candidato a condutor” de uma burguesia paulista progressista que nunca existiu e nunca existirá, acostumou-se a escrever em níveis distintos, para contemplar um arco de valores e interesses que só se harmonizam em sua mente. Nessa tentativa, não raro fornece linhas políticas que apontam para a conciliação temporária de interesses, como possivelmente analisaremos em breve, aproveitando as pistas do mesmo artigo. As alas mais “lúcidas” da burguesia, assim como as direções mais conciliadoras do proletariado, às vezes tiram algum proveito desse tipo de conselho.

Mas no seu todo, eles vão sempre a favor da perpetuação da dominação burguesa, e da escravidão da classe trabalhadora. Que, na hora "H", FHC tenha que descer do pedestal e emprestar dignidade a uma charlatã como a “doutora Janaína Paschoal”, não deixa de conter ironia bastante para arrancar em muitos um sorriso amargo. E, de novo, quem ainda irá se surpreender?




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