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ENTREVISTA | “Estudar comunicação na UERJ é também para divulgar e apoiar as lutas, divulgar o que a grande mídia oculta”

terça-feira 2 de junho de 2015 | 00:01

O Esquerda Diário entrevistou Daniel Botelho, estudante de comunicação social da UERJ. Daniel é parte da gestão “IntegraCacos” do CACOS, centro acadêmico deste curso. Esta entidade estudantil divulgou recentemente alguns vídeos sobre as mobilizações na UERJ e seu entorno. Um deles viralizou alcançando até o momento 100mil visualizações, até o portal G1 reproduziu este vídeo que desmascara a reitoria, mostrando os absurdos que a reitoria cometeu naquela noite.

Veja aqui o vídeo.

Este vídeo é parte de uma série que o CACOS tem feito, em um outro entrevistam moradores da favela metrô mangueira removida pela prefeitura e que motivou uma manifestação dos estudantes em apoio esta manifestação foi reprimida primeiro pela polícia e depois pela universidade que com pedras, cassetetes, bombas e jatos d’água impediu que estudantes e manifestantes se refugiassem na universidade.

Esquerda Diário: De onde surgiu a ideia de fazer estes vídeos?

Daniel: Em uma reunião de mobilização de nosso curso debatíamos o que nós como estudantes de comunicação poderíamos fazer para contribuir na mobilização, aí estudantes propuseram que além dos debates, reuniões de mobilização, oficinas de cartazes que nós contribuíssemos com divulgação, com cobertura das manifestações, que nos organizássemos coletivamente para fazer esta contribuição, assim que nosso centro acadêmico e os estudantes do curso começaram a assumir essa ideia.

Esquerda Diário: Como você vê a crise que a UERJ está passando?

Daniel: A UERJ vem sendo uma das maiores vítimas do processo/projeto de sucateamento da Educação Pública no país. O ataque à UERJ é, ao mesmo tempo, um ataque à população negra e pobre do Estado do Rio de Janeiro, visto que somos a Universidade mais popular do país, pioneira na implementação das cotas, e que através do movimento estudantil, especialmente, nutre relações com as camadas mais carentes do nosso Estado, como visto na última quinta-feira, quando uma Assembleia Estudantil foi adiada para que estudantes apoiassem os moradores da favela Metrô-Mangueira na luta contra mais uma remoção absurda de Eduardo Paes.

Na semana em que estouram os casos de corrupção na FIFA, penso ser absolutamente simbólico que a população pobre do Rio de Janeiro, que sustenta mas não frequenta a Universidade (graças aos filtros sociais), seja brutalmente impedida de adentrar a Universidade. Se por um lado os quadrilheiros europeus engravatados da FIFA ocupam, em tenebrosas e obscuras transações, um espaço público universitário, como fizeram em 2013 e 2014, por outro lado, trabalhadores, pobres e negros são expulsos de suas casas, próximas ao Maracanã de 1 bilhão de reais, e enfrentam a truculência de um governo representante do capital privado, fantoche do empresariado.

Desde quando entrei na Universidade, em 2013, assisto a um processo acelerado de degradação do espaço universitário. Os atrasos de pagamento não são uma novidade, auxiliares de serviços gerais, copeiros, seguranças, carpinteiros, técnico-administrativos convivem com a irregularidade de seus pagamentos há muito tempo, assim como os estudantes bolsistas. Precarização da estrutura, turmas sem professor, problemas de segurança, desrespeito aos trabalhadores... Problemas demais, que servem como resposta ao amantes da objetividade que nos perguntam, deslegitimando as mobilizações, “Pararam? Mas quais são suas pautas?”: frequentem a UERJ por 5 minutos. As reivindicações estão gritando sob nossos olhos.

A Faculdade de Comunicação Social, obviamente, não foge desse processo de precarização. Nesses dois anos de UERJ, enfrentei laboratórios sucateados, salas de aula precarizadas, turmas sem professor. Essa precarização, especialmente dos laboratórios, dificulta o processo de formação do comunicador, visto que este necessita pôr em prática tudo aquilo que aprende na teoria.

Esquerda diário: Conte como foi sua experiência naquela quinta-feira que a polícia e a reitoria atacaram estudantes.

Daniel: Sim, voltando à quinta-feira, digo que aquelas cenas não sairão da minha cabeça, e temo pela integridade física de estudantes daqui pra frente. Vi seguranças com porretes gigantescos, agentes lançando pedras sobre estudantes, homens da segurança agredindo física e verbalmente mulheres, dentre outras arbitrariedades, como o sumiço de um estudante da Geografia, provocado pela segurança da faculdade. A segurança, que cinicamente diz que gostaria de preservar a integridade física daqueles que estavam dentro do prédio, alertava, em tom de ameaça, que a Universidade deveria ser completamente evacuada em 30 minutos, pois o CHOQUE entraria nas dependências do prédio. O movimento estudantil da UERJ está sendo criminalizado por reitor, Governo e imprensa.

Esquerda Diário: Voltando ao vídeo que vocês produziram como foi a repercussão dele na faculdade?

Daniel: O CACOS esteve dentro da Universidade durante o ocorrido, sofrendo agressões e ameaças pelos seguranças, principalmente por estar filmando tudo o que acontecia. Produzimos enquanto CACOS (Samuel Costa e Nathália Dias merecem os créditos) um belíssimo material, que apresenta os fatos da forma como aconteceram. Ou seja, alunos que superaram a precarização da Universidade, enfrentaram a agressividade dos seguranças, e produziram um material diferenciado, que já teve mais de 100mil visualizações, e 2500 compartilhamentos.

E o que faz boa parte do Corpo Docente da FCS? Parabeniza os estudantes pelo material, ainda mais considerando o ambiente altamente hostil, em que estudantes que filmavam eram ameaçados? Clamam pela liberdade de expressão e manifestam-se contra a agressividade dos seguranças, como tantas vezes fizeram quando profissionais da Globo (amparados por uma grande empresa), por exemplo, foram agredidos? Repudiam as agressões ao corpo discente, cada vez mais perseguido pela reitoria, que certamente marcará os rostos de todas e todos que estão divulgando seu autoritarismo? Não. Parte considerável do Corpo Docente (não todos, destaque-se) criticam a abordagem do vídeo, defendem a “imparcialidade jornalística”, desprezando um material que é, sobretudo, um grito contra tudo aquilo que sofremos na pele.
Me incomoda bastante saber que alguns professores sejam tão passivos com relação aos desmandos de reitoria e governo, tão passivos com relação aos problemas dos terceirizados, e que acabem contribuindo para a crescente perseguição aos estudantes da UERJ. Gostaríamos de ouvir um “Parabéns! Muito bom. E fiquem tranquilos porque estamos com vocês”. Ouvimos um “Veja bem...”

Esquerda Diário: Esta experiência de usar o conhecimento, a profissão que estão aprendendo para divulgar a verdade em uma luta é algo muito positivo e que está ajudando neste conflito na UERJ, mostrando que a reitoria e a grande imprensa mentem sobre quem seriam os agressores. O que você que os estudantes na UERJ, no Rio, poderiam aprender desta experiência?

Daniel: Os estudantes poderia aprender desta iniciativa que a partir da mobilização por cursos que nossas questões acabam ganhando força e se cada curso utilizasse suas forças aprendidas, mesmo que a universidade não oferecesse a estrutura adequada. Mas mesmo assim se cada estudante, se mobilizasse, usasse suas ferramentas sairíamos mais fortes. A comunicação nossa principal ajuda é divulgação. E hoje estudar comunicação na UERJ ou em outras universidades é também para divulgar as lutas, usar nosso conhecimento para divulgar o que não é divulgado, o que a grande mídia oculta ou distorce. Acho que os estudantes, centros acadêmicos poderiam fazer isso não só na comunicação, mas em todos cursos. Usar nossos conhecimentos para contribuir nas lutas.




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