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DEBATE COM O PARTIDO OBRERO | Estratégia e tática, a propósito do voto em branco no segundo turno

No segundo turno, tanto Scioli como Macri representam duas variantes da política da burguesia e o imperialismo de aplicar o ajuste sobre os trabalhadores. Aos diferentes partidos que compõem a Frente de Esquerda chamamos a votar em branco ou nulo. Nesse marco, se coloca um debate fundamental com o Partido Obrero: a negativa de votar em candidatos burgueses é tática ou estratégia?

Matías MaielloBuenos Aires

quarta-feira 11 de novembro de 2015 | 00:15

A declaração do Comitê Nacional do Partido Obrero se propõe a colocar uma discussão sobre os fundamentos do voto em branco da Frente de Esquerda, que está longe de ser secundária. A mesma se relaciona com as polêmicas que viemos tendo em torno do programa e da estratégia para a Frente de Esquerda.

O PO aponta: “Contrariamente ao que indicam os preconceitos interessados, o Partido Obrero defende a tradição teórica e política do movimento operário classista, que faz uma distinção de hierarquias entre as expressões políticas da classe capitalista. Por exemplo, entre democracia e ditadura e entre diferentes governos democráticos e também diferentes classes de ditaduras. Sem comprometer nunca a independência política do movimento operário combativo, temos apoiado ’os inimigos de nossos inimigos’ em inumeráveis ocasiões, isto sempre com o propósito de restringir a capacidade de ação do inimigo principal e ampliar a do povo trabalhador. Em momentos críticos, por exemplo, temos chamado voto em Evo Morales, em 2005, depois de grandes insurreições indígenas, ou por Lula, em 1989, contra Collor de Mello, o representante da oligarquia no Brasil. ”

A questão que se abre aqui na campanha pelo voto em branco no segundo turno é a seguinte: trata-se apenas de uma declaração tática que somos obrigados a fazer, ou se recusar a votar em candidatos burgueses também detém um elemento estratégico que merece uma ampla luta política de natureza (preparatória) essencial?

Apoiar “os inimigos de nossos inimigos”?

O Comitê Nacional do PO esclarece, como vimos, que, embora desta vez eles não estão votando em nenhuma dessas variantes burguesas (Scioli-Macri), não descartam dar o seu apoio político em outros momentos críticos, citando como exemplos Lula (1989) e Evo Morales (2005). Antes de ir para esses casos, consideremos os fundamentos.

A justificativa de por que neste caso não é voto válido para nenhuma das alternativas burguesas e em outros seria, de acordo com o PO, é que no caso da dupla Scioli e Macri "em ambos os lados do balcão há um único bloco inimigo ". Então surge a pergunta: se não há um único bloco inimigo que vamos fazer?

A declaração do PO fala de "momentos críticos" para justificar um voto para um campo burguês contra outro. Mas a estratégia revolucionária, como o próprio nome indica, é projetada (ou deveria ser pensada) apenas para os "tempos críticos" e, nesses momentos, a burguesia sempre se divide; se trata de uma característica que define as situações revolucionárias ("momentos críticos" reais se houver).

Daqui se segue que, em situações críticas, há sempre dois (ou mais) blocos inimigos. Assim, de acordo com o PO, não teríamos outra escolha, senão a de optar por um deles, ou pelo menos deixar em aberto essa possibilidade. O resultado da adoção desta definição estratégica, como mostrado por toda a experiência das revoluções derrotadas do século XX, seria catastrófico.

Por exemplo, no caso da Bolívia, temos o contexto histórico da política do POR de Guillermo Lora, ex-aliado do Partido Trabalhista, que capitulou ao governo da conciliação de classe MNR após a revolução de 1952, com uma lógica semelhante à que o PO usou para votar em Evo em 2005, chamando a confiar na "ala esquerda do MNR," com base na teoria da frente anti-imperialista. A consequência óbvia foi abandonar toda a estratégia de independência da classe trabalhadora, e fomentar ilusões de acolhimento dos trabalhadores no governo nacionalista burguês que os levou (para além do POR, obviamente) para a derrota da revolução operária.

O PO trata de fundamentar essa lógica, dizendo que aos marxistas não é igual qualquer regime burguês ou qualquer governo. Desde já. Mas há uma cambalhota entre essa afirmação, e argumentar que os revolucionários devemos dar o nosso voto, que equivale a um apoio político a um setor burguês contra outro.
Isso significa que somos neutros ante, por exemplo, uma tentativa de golpe imperialista como na Venezuela em 2002 contra Chávez? Claro que não. Temos enfrentado aquele golpe e vamos fazê-lo novamente quando surgir uma situação. Mas, nem mesmo nesse caso demos, os revolucionários, o nosso apoio político para o governo de Chávez. Enfrentar o imperialismo não significa, como sugere o PO “apoiar os inimigos dos nossos inimigos" (no mesmo sentido que você poderia colocar os exemplos da Argentina em 55, ou da Espanha em 36, ou no Kornilov em 17 na Rússia). É aqui a diferença estratégica fundamental.

Sustentar que se pode apoiar politicamente o bloco burguês "sem nunca comprometer a independência política do movimento operário militante" é uma contradição, uma vez que, necessariamente, uma localização estratégica deste tipo deixa relegado a um nível tático, tanto independência de classe, como a consequente luta pela liderança (hegemonia) dos potenciais aliados entre os setores populares e as classes médias empobrecidas.

É ilustrativo ver como Trotsky levanta a questão de um "momento crítico" em relação à Frente Popular na França (1936), que foi composta pelas duas organizações laborais principais (o Partido Socialista e o Partido Comunista) e do Partido Radical (partido burguês representante colonial tradicional da pequena burguesia). Trotsky disse: "Com a Frente Popular, temos inimigos comuns. Por isso, nós estamos dispostos a combatê-los paralelamente aos grupos regulares do governo da Frente Popular, sem tomarmos a menor responsabilidade por esse governo, ou nos situarmos como "protetores" de Leon Blum [primeiro-ministro do governo da Frente Popular]. Consideramos este governo um mal menor em comparação com La Rocque [líder fascista]. Mas na luta contra o pior, não se deve proteger o mal menor. [...] quando dizemos que ainda não se tem chegado o momento para lutar contra o governo de Blum, não queremos dizer com isso que você tem que protegê-lo, mas apenas que deve atacá-lo por seus flancos. Seus flancos, são os radicais. "(Carta de Trotsky de 19 de julho de 1936)

Frente Única para a defensiva e a ofensiva

Justamente porque Trotsky pensa que a estratégia de "momentos críticos", que presume que "lutar contra o mal pior não proteger o mal menor". E, portanto, para o momento, procurar formas de desenvolver as organizações de frente única das massas, não na arena eleitoral, mas direto na luta de classes. É esta a posição estratégica que temos vindo a discutir com o PO.

Voltando ao exemplo da França nos anos 30, na época, Trotsky argumentou a necessidade de desenvolver "comitês de ação" da Frente Popular. O PO em um artigo há alguns meses, confundia esses comitês com comitês de campanha eleitoral da Frente Popular. Mas, para Trotsky, eles não tinham nada a ver com meros "comitês de campanha." Sobre suas tarefas, dizia Trotsky: "Em qualquer caso, o movimento de massas que agora atinge a barreira da Frente Popular não vai avançar sem comitês de ação. Tarefas como a criação de milícias de trabalhadores, o armamento dos trabalhadores, a preparação da greve geral, permanecerá no papel, se a própria massa não se envolver na luta, através dos seus organismos responsáveis. Apenas os comitês de ação resultantes da luta podem garantir uma verdadeira milícia, sem contar milhares, mas dezenas de milhares de combatentes. "(Aonde vai a França?)

Ou seja, em momentos críticos, em que há um bloco burguês unificado, para Trotsky não importa qualquer governo, mas, no entanto, a estratégia sempre passa pelo estabelecimento de uma força material independente da classe trabalhadora contra o "mal maior", mas também contra o "mal menor". Porque, do que se trata frente a ambos é do estabelecimento de um governo dos trabalhadores com base nos corpos de auto-organização dos trabalhadores e sua própria auto-defesa. O desenvolvimento da frente única defensiva é assim indissociavelmente ligado à preparação da ofensiva.

Os problemas do “campismo” e seus maus resultados

Longe da concepção estratégica que exemplificamos com Trotsky, e muito próximo ao que levou a grande parte da esquerda francesa em 2002 para o alinhamento atrás de Chirac "para que não ganhe Le Pen", diz o PO como um fundamento de apoio aos "inimigos dos nossos inimigos": “ a fim de restringir a capacidade de ação do principal inimigo e ampliar a do povo trabalhador".

A lógica que o PO se orgulha de ter aplicado "inúmeras vezes" tem um de seus exemplos mais nítidos em sua chamada a votar no Syriza, uma coalizão de centro-esquerda, sem ligação orgânica com o movimento sindical nas eleições gregas de 2012. Tão convencido estava o PO, que fez este apelo contra a sua organização-irmã na Grécia (EEK). Ainda bem que seus companheiros gregos não deram ouvidos! Até 2015, o PO continuou semeando ilusões de que o Syriza poderia ser chamado de um "governo de esquerda" que, supostamente, evoluiria, nada mais e nada menos, do que a um "governo dos trabalhadores". Os resultados são evidentes: nem bem assumiu o Syriza, não se fez um "governo de esquerda", mas se aliou à direita nacionalista grega (ANEL) e agora está aplicando o ajuste ditado pela Troika. O "inimigo principal" pula em uma perna, já que encontrou um governo minimamente de prestígio para fazer o ajuste, enquanto "o povo trabalhador" não só não "expandiu sua capacidade de ação", mas também está sofrendo as consequências.

Outra das "numerosas ocasiões" que, ao contrário da do Syriza, o PO menciona explicitamente em declarações é o voto que concedeu a Evo Morales em 2005. Trata-se de um governo com tons "frente-populistas", de colaboração de classe com setores burgueses. Nesse caso, a "capacidade de ação do inimigo principal" foi restringida em primeiro lugar pela enorme luta de massas que comoveu o país entre 2000 e 2005, e que teve como feito mais importante o levante insurrecional de 2003. No marco dessa correlação de forças, Evo abriu uma série de concessões (entre as quais esteve o outorgamento de reconhecimento constitucional aos povos originários) a partir de apropriar-se de uma parte da renda hidrocarbonífera e mineral, e buscou retirar as massas das ruas. Dessa forma, permaneceram sem resolução grandes problemas estruturais que estavam no coração dos levantes (propriedade de terras, associação com transnacionais, precarização do trabalho e baixos salários).

Sobre essa base, a partir de 2009 Evo encara uma aproximação estratégica com a direita. Surpreendido pelos resultados, após seu apoio político a Evo em 2005, o PO dá um giro de 180 graus em 2009, parece ver em Evo o "inimigo principal" e chama voto ao "não" (ao qual convoca a direita pró-imperialismo) no referendo constitucional. Com esses zig-zags, entende-se que durante todos esses anos têm sido infrutíferos os intentos do PO de implantar-se na Bolívia e que ninguém pôde nutrir-se nos fatos desses conselhos políticos.

E a classe trabalhadora na Bolívia de Evo? O governo lutou sistematicamente porque não expandiu sua "capacidade de ação": repressão de lutas e de mobilizações frabrís, docentes, saúde, etc. e é claro, combate das forças estatais contra a luta da COB de maio-junho de 2013 que reclamava reformas ao sistema de pensões. Paralelamente, como se isso não bastasse, o MAS, junto com a burocracia da COB se dedicou por anos a liquidar um dos processos políticos mais avançados que deu à classe trabalhadora boliviana nos últimos tempos: a experiência do Partido de Trabalhadores. Ainda hoje o governo continua perseguindo os trabalhadores avançados e dirigentes de base que impulssionaram este processo, entre eles, companheiros da LOR-CI, grupo irmão do PTS na Bolívia. Há de ter gana de reivindicar no dia de hoje o voto a Evo! Não casualmente, o PO (desde longe) foi sempre contrário à constituição de um PT na Bolívia, aqui parece que a ampliação da "capacidade de ação" não tem importância.

Mas tomar levianamente as discussões estratégicas não é livre, e não foi para o ex-grupo irmão do PO no Brasil, Causa Operária, que seguindo os fundamentos "campistas" que planeja o PO [1], tomou parte, junto com este, durante anos do Fórum de São Paulo (com o PT brasileiro, o PRD mexicano, a Frente Ampla uruguaia, etc.), estando a deriva e retrocedendo a sua mínima expressão. O que hoje resta dele se encontra apoiando Dilma "contra a direita", quando justamente frente aos blocos burgueses que se apresentam divididos (entre o governo do PT e a oposição patronal), é mais necessário que nunca o posicionamento independente, de classe, e é pelo que vem lutando o Movimento Revolucionário de Trabalhadores (organização irmã do PTS).

Em síntese, esta lógica estratégica do PO já lhe custou ficar sem grupo na Bolívia e no Brasil, e se ainda tem, ainda que débil, uma organização irmão na Grécia, é graças a terem se negado a aceitar seus conselhos. Evidentemente mereceria uma reflexão.

O valor estratégico de uma grande campanha pelo voto em branco

É claro que hoje na Argentina não estamos em uma situação revolucionária como a da França em 1936. Não estamos falando ainda de "momentos críticos" nesse nível. Porém, para esses momentos nos preparamos. Por isso o elemento estratégico que permite colocar em discussão a atual crise política e o posicionamento ante o segundo turno.

Hoje temos a oportunidade de desenvolver uma grande campanha para que os trabalhadores não vão atrás de nenhum de seus inimigos, e colocar a necessidade de um posicionamento independente, de não deixarmos chantagear pelas falsas alternativas que impõe a burguesia. Mas também, é uma grande oportunidade para enfrentar a opinião pública burguesa e ir contra a corrente, outro grande exercício desde o ponto de vista da preparação estratégica.

"Em que consiste -dizia Trotsky- essa preparação política? Na coesão revolucionárias das massas, em sua liberação das esperanças servis na clemência, a generosidade, a lealdade dos escravistas ’democráticos’, na educação dos quadros revolucionários que sabem desafiar a opinião pública burguesa e que sejam capazes de mostrar frente a burguesia, embora mais não seja uma décima parte da implacabilidade que a burguesia mostra frente aos trabalhadores." (Aonde vai a França?)

Condicionando a luta atual pelo voto em branco a um problema tático, e colocando-a em dúvida para os "momentos críticos", o PO o remove grande parte da boda política a campanha que temos a frente e desvaloriza seu valor estratégico. A FIT deve mostrar que se pode desafiar a opinião pública burguesa e educar neste sentido, ao mesmo tempo que lutamos para que se expresse um pronunciamento político independente no terreno adverso que nos apresenta a falsa aritmética de um segundo turno à medida dos ajustadores.




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