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ENTREVISTA COM CLAUDIONOR BRANDÃO | "Essa greve geral chegou a um nível de adesão que eu nunca vi e que não tinha em 89"

Gerações de trabalhadores nunca tinham participado de uma greve geral, falamos com Claudionor Brandão, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores da USP (SINTUSP) sobre como ele vê a greve de anteontem e como a compara com a greve geral de 1989. A entrevista foi feita no própria dia 28.

domingo 30 de abril de 2017 | Edição do dia

Esquerda Diário: Gerações de trabalhadores nunca tinham vivido uma greve geral. Como você compara a greve geral do dia 28 com a que aconteceu em 1989?

Claudionor Brandão: Então, eu não saberia fazer uma avaliação comparativa entre a greve de hoje e a de 89. Não só porque a de 89 tá bastante distante no tempo e haveria uma série de questões que precisariam ser resgatadas, mas também porque a gente ainda não tem um balanço total do dia de hoje. Então tem algumas coisas que eu consigo resgatar de memória da greve de 89, que não é muito.

Primeiro, que foi a maior greve geral desde que eu comecei a militar né. Segundo os levantamentos feitos pela CUT na época, a greve contou com adesão de cerca de 30 milhões de trabalhadores no país, naquela época, que absolutamente não é pouca coisa. Aquilo foi uma euforia enorme, e à partir daquela greve (...)

Foi uma greve que aconteceu poucos meses depois do PT ter eleito a Erundina em São Paulo. E toda a esquerda, e quando se falava esquerda naquela época se queria dizer o PT, praticamente festejou a eleição antecipada de Lula. Em uma greve dirigida pela CUT na sua grande maioria, a esquerda apostava que elegeria o Lula.

Esquerda Diário: Quais as principais diferenças da greve geral de hoje?

A greve de hoje a gente não conseguiu quantificar ainda, não temos ainda, quantificado em números, a adesão dos trabalhadores. Mas já há pelo menos alguns elementos que a gente pode observar de diferença entre uma e outra.

A greve de 89 expressou exatamente aquilo que os aparatos sindicais conseguiam organizar. Tanto da CUT, quando da Força e da CGT que é o que tinha de Central na época. Você teve exatamente a greve que eles conseguiram organizar, ela foi organizada pelos sindicatos. Obviamente que havia também o papel que cumpriam as organizações da esquerda. Minoritárias, mas todas as organizações da esquerda minoritária estavam organizadas no âmbito da CUT. Então aparecem ai também como CUT. Mas literalmente, é o que foi organizado pelos aparatos.

Essa greve de hoje não dá para dizer a mesma coisa. Porque, seguramente, o fator que não tinha na época, que são as redes sociais, cumpriu um papel extremamente importante no sentido de esclarecer a população acerca do que está em jogo. Saíram centenas de vídeos explicativos, dos efeitos da reforma da previdência, dos efeitos da reforma trabalhista. Saíram juízes explicando, saíram políticos burgueses tradicionais explicando, como Roberto Requião por exemplo, Ciro Gomes. Saíram uma infinidade de organizações de esquerda explicando. Saíram muitos dados das coisas absurdas, como a dívida que as empresas tem com a previdência social por exemplo.

Não é qualquer coisa o peão que está vendo o governo falar em tirar sua aposentadoria porque a previdência tem um rombo, e o cara ler numa informação que a Friboi deve 1 bilhão e 800 milhões para a previdência, e o governo não cobra. Que o Bradesco teve 15 bilhões e quase 500 milhões de lucro em 2016 e está devendo 550 milhões para a previdência e o governo não cobra. Então esse meio de comunicação sobre o qual a burguesia não tem controle, que são as redes sociais, permitiu uma agitação muito maior do que os aparatos sindicais, do que as organizações de esquerda conseguiriam fazer através dos veículos tradicionais como seus boletins, os jornais de esquerda, que tinha em 89.

Então esse nível de inflamação chegou maior para a gente, a convocação chegou em mais gente. Algo muito louco, a confederação nacional dos bispos fecharem uma posição contrária às reformas, e os bispos começarem a fazer vídeos convocando a paralisação. Se isto em si já é uma diferença muito grande, imagina então 4 correntes do protestantismo, as 4 maiores, fechando posição contrária à reforma e apoiando a paralisação.

Então, seguramente, isso elevou a um nível de adesão que eu não vi e que não tinha em 89. Quem passa pela Vital Brasil e pela Corifeu às 7 da manhã em um dia normal, encontra a fila no semáforo aqui perto do “Oba” às 7 da manhã. Sem trancaço, com tudo livre. Hoje nós paramos a Vital Brasil, não circulava ninguém, e a fila de carros atrás não chegava a 100 metros. O povo não saiu às ruas, o que saiu foi minoritário.

O nível de adesão, em alguma medida espontânea, seguramente produto do conhecimento via redes sociais, que os aparatos não conseguem organizar, nós não vamos conseguir quantificar. Se deu muito maior do que 2015.

Em termos numéricos quantitativos, essa greve, na minha opinião, bateu muito de longe a greve de 89. Mas a de 89 tinha uma qualidade que esta não tem, a de 89 expressou o movimento organizado. Essa greve tem uma adesão imensa, porém não organizada, não centralizada, o que implica em dizer não direcionada. E é a grande debilidade. O número é a grande força, não ser organizada e direcionada é a grande debilidade.

Esquerda Diário: E quais eram as demandas da greve geral de 89 e o contexto da época?

Brandão: A gente tinha, não lembro exatamente o que era, mas posso dizer a vocês quais eram os enfrentamentos que a gente tinha na época. Tinha tido o Plano Cruzado do governo Sarney, e depois veio o plano verão. Que implicou um congelamento de preço, um congelamento de salários, implicou em perda salarial em um processo que tinha um período de hiper-inflação. Você tinha inflação muito alta, com certeza a questão salarial tinha um peso bastante grande naquela altura da vida.

E acho eu uma coisa merece ser analisada, a minha impressão que ficou foi o seguinte: o Brasil era um ponto fora da curva, a gente ainda estava bebendo a força do ascenso operário brutal no Brasil, no vácuo do qual se construiu não só o PT, mas também a CUT. Um dos maiores aparatos que o movimento operário construiu, não só no Brasil mas também no mundo, não estou falando de aparatinhos qualquer, no empuxo deste afluxo operário do final dos 70 e início dos 80 no Brasil.

Então ainda tinha muito este afluxo. Havia uma moralização muito grande porque a militância reivindicava para si o mérito de ter feito os militares recuarem em seus quartéis. E tinha muito este balanço e esta análise de transição pactuada. Mas o pessoal que lutava contra a ditadura, contra a tortura, contra as prisões políticas, reivindicaram isto como uma vitória tão grande do movimento, mesmo a anistia. Então tinha este sentimento.

Aí teve o movimento das diretas. 89 era 5 anos depois das diretas, então ainda se bebia da vitalidade de uma ascenso operário e um movimento daquela magnitude como o das direitas. Mas no mundo, internacionalmente, você já vivia a era da Glasnost e da Perestróika, já se construía, via Gorbathev, a restauração burguesa no processo de início da restauração burguesa no Leste.

No final do mesmo ano, tem a derrota do Lula frente ao Collor, patrocinado pela Globo e pela mídia burguesa, um fantoche articulado, e em seguida, a derrocada dos estados burocratizados no Leste, apresentado pela mídia burguesa, pelo imperialismo, pela burguesia em geral, como a derrocada do comunismo, a derrota do comunismo, que golpeou duramente, por um lado os aparatos stalinistas que tinham como parâmetro, como farol os estados burocráticos do Leste Europeu.

Por outro lado, os movimentos trotskistas não conseguiram ver que a direção daquela revolução política era burguesa, era restauracionista. Não era uma direção revolucionária, e que deu início aos 30 anos de restauração burguesa. Todo esse empuxo que se expressou nesta greve acabou, com a derrota eleitoral de Lula e um início de derrocada dos estados operários, como um banho de água fria no movimento operário. Mas aquilo ainda era organizado, ainda era dirigido, tinha direção organizada (para o bem e para o mal) e reconhecida pela base.

Esse movimento de hoje não reconhece direção. Essa greve não reconhece direção. E nesse sentido se assemelha em alguma medida com o movimento da juventude em 2013. O desafio é encontrar a direção para isso, alternativa de direção para esse nível de mobilização espontânea que você vê nesse esvaziamento ruas construído em um chamado de rede social.

E.D.: Qual era o peso do PT nessa greve de 89?

Brandão: 70% seguramente, 70 ou 80% era o peso do PT, porque era a CUT, a Força Sindical seguramente não jogou peso para organizar coisa nenhuma, a duas CGT eram nada, eram insignificante. Então 70% da direção daquela greve era CUT, era o PT. E quando digo CUT, eu falo Articulação, CUT pela Base, Convergência Socialista, O Trabalho e Democracia Socialista.

E.D. Em 89 foi um dia também, ou mais de um dia?

Brandão: Eu posso estar errado, minha memória ficou um pouco prejudicada com o tempo. Mas da época não. Eu sou capaz de afirmar que a greve geral foi 14 de março de 89. Eu tenho lido na imprensa dizendo 14 e 15, 89 foi um dia. Onde houve dois dias de greve geral foi 22 e 21 de maio de 91. Eu sugiro que vocês vejam os documentos históricos e façam uma pesquisa para levantar isto.

E.D.: E o peso do PT em seus bastiões, como os metalúrgicos, as montadores do ABC paralisaram em 89?

Brandão: 30 milhões de operários no Brasil, seguramente, não era só servidor público. Teve paralisação no ABC, teve paralisação em São José. E não era o PT como você conhece hoje, por exemplo, em São José quem dirigia era Convergência Socialista, Campinas quem dirigia era o Fórum Socialista,

E.D.: A reforma da previdência está claramente associada a governo Temer, e inclusive o índice de aprovação do governo Temer é baixíssimo. A greve de 89 teve esse caráter claramente político em suas demandas?

Brandão: Para ser categórico: não teve e era impossível ter. Hoje estamos tratando de demandas muito mais políticas do que na época. Estamos tratando de se enfrentar com reformas que vão retroceder em conquistas da classe operária de décadas, senão de um século. Ou seja, e isto me incomoda, porque há 2 anos atrás eu era um dos que dizia “na Grécia, ou a classe operária impunha sua saída, que só pode ser via uma revolução, ou a burguesia vai impor a sua saída.” Hoje eu olho para o Brasil, eu vejo a Grécia de ontem.

E esta clareza do que estamos tratando, não aparece, na minha opinião. Com todo atraso na subjetividade das massas, com toda a dispersão de forças, com toda a pobreza política., Em meio a este atraso todo, para mim continua colocado a seguinte questão: se a classe operária hoje não impor a sua saída, para esta crise que está colocada, e não vai resolver isto com uma ou duas greves gerais, se a classe operária não impor o seu programa, que só pode ser imposto via uma revolução, quem vai impor a sua saída é a burguesia. E vão ser saídas muito degeneradas.

São demandas muito diferentes das de 89, este é o nível da questão que está colocada. Agora, o que é muito terrível da gente constatar é o seguinte, que o que se expressa no potencial de mobilização via redes sociais, esse potencial de mobilização, em meio à crise da direção revolucionária, em especial no Brasil. Nós ficamos agora, mesmo com todo este potencial, para ter uma greve geral legitimada tem que ser convocada por um grupo de Centrais Sindicais que são nada mais nada menos que 10 Centrais nitidamente burguesas, pró-burguesas... Não é que são pelegas, que está traindo em prol de algum favor. Centrais Sindicais como a Força Sindical, pró-burguesa mesmo, com dirigentes que são filiados a partidos burgueses, que representam e defendem um programa burguês. E duas grandes Centrais Sindicais (CUT e CTB), uma delas a maior do Brasil, que vem de ser governista até o ano passado, até sofrer o golpe.

E.D.: A Força foi criada depois dos 80, foi em 92? Diferente da CUT que foi parte de um ascenso operário, certo?

Brandão: Sim, mas a Força Sindical foi produto de frações das CGTs. O Luís Antônio Medeiros que era dirigente dos metalúrgicos de São Paulo, 200 mil na base na época, deu o golpe no Joaquinzão. Um cara era do antigo PCB, do “Partidão”, que passou 5 anos sendo formado politicamente, treinado na União Soviética para ser o burocrata que é, chegou aqui deu uma baita de uma “banana” para o “partidão” e falou “me deixa comigo, que agora eu vou fazer a minha cama, vou fazer a minha vida”. E esse cara resolveu lá, sob os fragmentos da CGT, que eram duas, a Central Geral dos Trabalhadores e a Confederação Geral dos Trabalhadores, arrancou uma fração que era maior que as duas juntos, porque puxou os metalúrgicos de São Paulo que o maior aparato sindical do Brasil, em termos de peso político maior que a APEOESP. Mas o que acontece: se com o nome de Força Sindical, ainda não estava presente, como política que se expressava nas CGTs já existia este aparato e a política era a mesma.




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