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ENTREVISTA | Entrevista com Michael Lowy (Parte 2): um papo histórico sobre Surrealismo e Marxismo

A entrevista abaixo realizada com o pensador marxista e militante surrealista Michael Lowy, ocorreu em 2008. Por ocasião das atividades do extinto Núcleo Surrealista da cidade de Campinas, no qual tomei parte, esta entrevista foi solicitada a Michael Lowy, que gentilmente atendeu ao meu pedido. O texto que assino foi originalmente publicado na edição 04 da extinta revista Literária O Vidente, na primavera de 2008. Perante o interesse da juventude pelo Surrealismo, sobretudo pelas suas relações históricas com a Revolução proletária, creio que esta entrevista possa ser fonte de reflexão e debate.

terça-feira 21 de julho de 2015 | 23:16

Nesta segunda parte da entrevista com o pensador e militante Michael Lowy, prosseguimos com as relações entre o surrealismo e correntes políticas revolucionárias. É a revolta o aspecto central do romantismo que os surrealistas encarnam. Segundo Lowy: “ José Carlos Mariategui, o grande pensador marxista latino americano, em seus artigos sobre o surrealismo de 1928-29, o celebra como uma revolta do espírito, que rejeita em bloco a civilização capitalista e que se apresenta como um novo romantismo , de caráter revolucionário “. Citando o filósofo alemão Walter Benjamin em seu clássico ensaio O Surrealismo: Último instantâneo da inteligência europeia(1929), , Lowy diz: “ Walter Benjamin em seu fascinante ensaio sobre o surrealismo, se interessa por sua afinidade com o marxismo, mas ao mesmo tempo constata: “ Desde Bakunin a Europa não tem uma ideia radical de liberdade. Os surrealistas a possuem “. Lowy prossegue: “ Hoje encontramos tanto partidários de Trotski como de Bakunin, marxistas e anarquistas, na maioria dos grupos surrealistas existentes “.

Na contramão de muitos acadêmicos, Michael Lowy defende que o movimento surrealista é atual e atuante. Naquilo que diz respeito aos laços históricos entre trotskistas e surrealistas, Lowy afirma que: “ Existem até hoje muitos surrealistas que se simpatizam com Trotski, e vice versa. Na França, as publicações da IV Internacional contem com frequência matérias escritas por surrealistas. Mas a relação privilegiada que existiu entre Trotski e Breton pertence ao passado. O movimento surrealista não se vincula, de forma exclusiva , com nenhuma corrente política. Mas é compatível com todas as formas de luta e pensamento revolucionário; manifestando ativamente sua simpatia por movimentos como o zapatismo dos indígenas de Chiapas, ou a insurreição popular de Oaxaca “. Sobre a atualidade e os aspectos datados do manifesto Por uma Arte Revolucionária Independente, redigido por Breton e Trotski em 1938, Lowy explica que: “ Este documento obviamente corresponde a um momento histórico determinado ,a uma conjuntura política e cultural bem diferente da que conhecemos no começo do século XXI. Mesmo assim, algumas ideias fundamentais do manifesto de 1938 continuam tão atuais quanto há setenta anos: a vocação revolucionária da arte, sua oposição radical à ordem existente e ao mesmo tempo a absoluta liberdade(no sentido anarquista, diz o documento) de expressão dos artistas. O totalitarismo stalinista não existe mais, mas o totalitarismo de mercado nas sociedades capitalistas atuais tem um poder de controle, de perversão e de corrupção da arte, transformando-a em simples mercadoria ou em instrumento publicitário, sem precedentes na História da cultura “.

Sobre as atividades do grupo surrealista de Paris, Michael Lowy revela o caráter militante que o movimento ainda possui: “ O grupo surrealista de Paris tem se exprimido através da sua revista(Surr, Utopie, revólte), de exposições coletivas, de jogos e de panfletos. De tempos em tempos trata-se de sabotar a máquina cultural dominante, sobretudo quando tenta recuperar o surrealismo sua forma museológica “. No que envolve a denúncia das formas de dominação política, Lowy mostra que o surrealismo protesta contra a guerra imperialista: “ Quando da guerra do Iraque, o grupo enviou um ultimatum(publicado no Diário Le Monde ) a Georg Bush , exigindo a sua demissão... “. É o mesmo grupo que dedica-se ao estudo da filosofia: “ O grupo também se interessa pela filosofia, por exemplo, dedicando-se ao estudo da obra de Ernst Bloch, inventando uma série de jogos surrealistas inspirados pelo princípio de esperança deste pensador da utopia “.

É notável a influencia do surrealismo em diversos movimentos culturais contemporâneos e no trabalho de muitos artistas e intelectuais que reivindicam suas ideias. Alguns destes últimos questionam a forma tradicional em torno de um grupo surrealista. Para Michael Lowy: “ É ótimo que existam redes, iniciativas descentralizadas, ações individuais . Mas nenhuma destas formas podem substituir o grupo surrealista como coletivo que se reúne regularmente, age, pensa e joga coletivamente. Um grupo no qual os olhares se cruzam, as palavras se entrechocam, as ideias entram em coalizão, produzindo algumas faíscas ardentes. Um jogo como o “ Cadáver Delicioso “ só pode ser praticado coletivamente, permitindo ao humor e à poesia de todos se juntarem e produzirem de forma alquímica, aquilo que Breton chamava de “ ouro do tempo “. Perante o fato de alguns poetas e artistas surrealistas sentirem-se influenciados por outros movimentos como a Antropofagia de Oswald de Andrade e a Beat Generation, de Jack Kerouac, levanta-se a questão do surrealismo assimilar outros componentes artísticos. Sobre a inserção de diferentes elementos culturais no surrealismo, Lowy diz que : “ O surrealismo é um diamante, não um pedaço de chumbo que pode ser objeto de “ fusão “ com outros metais. Dito isto, o surrealismo sempre se enriqueceu com ideias e práticas oriundas de outras experiências: seja a poesia simbolista, o dadaísmo, a psicanálise de Freud, a arte dos manicômios ou o situacionismo de Guy Debord. Mas sempre interpretou estas manifestações a partir de sua própria perspectiva, singular e irredutível. Isto vale para a Antropofagia e a Beat Generation. “

Michael Lowy é um intelectual militante, que defende a atualidade revolucionária do surrealismo e do marxismo. Aquele cometa que André Breton cita no Segundo Manifesto do Surrealismo(1930), ainda está no céu.




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