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Entrevista com Lilia Schwarcz: racismo, teorias raciais e democracia racial

Entrevista com Lilia Schwarcz: racismo, teorias raciais e democracia racial

Lilia Schwarcz desenvolveu discussões sobre as teorias raciais, seu desenvolvimento ao longo do século XIX e XX; sua importância fundamental para assegurar a continuidade do sistema escravista nas Américas. Tratou também da democracia racial, uma ideologia que se estende até os dias de hoje e que é chave para a opressão racial. Além disso, falou sobre o papel das mulheres na abolição e na história da escravidão, um tempo ainda pouco abordado pela historiografia.

A entrevistada é formada em História pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e doutora também em Antropologia Social pela USP. Atualmente, é professora titular da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e em 2010 recebeu a comenda da Ordem Nacional do Mérito Científico. Lilia é autora de “O espetáculo da raças”, co-organizadora do “Dicionário da Escravidão e da Liberdade” e co-autora de “Enciclopédia Negra”. Também escreveu “As Barbas do Imperador”, sobre a vida de Dom Pedro II, vencedor do Prêmio Jabuti de 1999 de livro do Ano na categoria não-ficção.

Essa entrevista foi concedida à Carolina Cacau e Odete Cristina, co-organizadoras do livro "Mulheres Negras e Marxismo" pelas edições Iskra.

Leia um trecho da entrevista:

Como vocês já chamaram a atenção, o Brasil foi o último país a abolir nas Américas esse tipo de escravidão (que nós sabemos que existiram outras formas de escravidão, mas me referindo à escravidão mercantil), e recebeu de fato quase a metade dos africanos e africanas que tiveram que deixar o seu continente de maneira compulsória. Além do mais, tivemos escravizados e escravizadas no território inteiro, diferente de outros países que existiam em uma parte do território e não em outra parte.

A justificativa na época era quase cristã. A primeira ideia era a noção de que não se escravizava as pessoas na sua própria terra, portanto não se escravizava os indígenas; o que foi uma mentira, porque nas pesquisas que muitos historiadores e antropólogos vêm realizando, fica evidente como, sim, os indígenas foram escravizados. Então essa foi uma primeira resposta dizendo “não se escraviza na própria terra”. Também foi uma primeira resposta da Igreja, que protegeu os indígenas com uma série de bulas, que proibiam inclusive a escravização de indígenas, mas jamais protegeu africanos e africanas.

Já na época, a compreensão é que a escravidão seria uma forma de civilização, uma forma de benfeitoria para os escravizados e as escravizadas. Esse tipo de explicação, que era uma explicação também de cunho religioso, que carregava uma espécie de missão, ou seja, “vamos missionar, vamos levar esses ‘bárbaros’ à civilização”, foi alterada muito no Século XIX, no contexto de várias abolições, quando a ciência da época passou a justificar a escravidão a partir da biologia. Então a questão não era apenas histórica, mas o suposto de teorias como Darwinismo Racial e o Racismo Científico – todas formuladas por europeus, claro, colonizadores, de meados para o final do Século XIX – passavam a dizer que existiria entre as raças (o conceito de “raça” é um conceito que vai ser muito aprimorado nesse contexto) diferenças ontológicas, ou seja, diferenças intransponíveis. E, mais ainda – adaptado ao pensamento evolucionista da época, que supunha que existiriam humanidades superiores e humanidades inferiores – essas teorias de meados do Século XIX determinavam que a população branca, especialmente masculina, estaria no topo da pirâmide social e na base estariam os povos da América e justamente os povos africanos.

Portanto, o que a gente percebe é como no contexto das abolições é criada uma outra concepção ainda mais “poderosa” (porque com a Biologia não se discute) em que se determinava uma diferença muito grande entre brancos e negros. Tanto que na época da abolição da escravidão no Brasil (quem disse isso foi o sociólogo Antônio Sérgio Guimarães) circulou uma espécie de provérbio que dizia: “a liberdade pode ser negra, mas a igualdade é branca”. Lima Barreto também dizia: “a ciência para os negros é um preconceito, para os brancos é um conceito”. Portanto, a linguagem foi aprimorada perversamente e justamente no contexto em que começava a se acenar com uma liberdade para todos.


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