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SAÚDE PÚBLICA DE MG | Em Minas Gerais faltam recursos básicos: o controle da crise pelos trabalhadores pode proteger a população

Flavia ValleProfessora, Minas Gerais

domingo 22 de março de 2020 | Edição do dia

Há uma semana foi declarada situação de emergência no estado de Minas Gerais, em decorrência da pandemia do coronavírus. Os último dados dados da Secretaria Estadual da Saúde (SES), do dia 20 de março, contabilizam 38 casos confirmados de coronavírus. Outros 4.084 casos suspeitos de contágio por coronavírus estão sob investigação no estado. Hoje (21), o governador Romeu Zema declarou estado de calamidade pública, estadualizando medidas, ou seja, tornando obrigatório aos municípios as determinações do governo estadual.

Nos primeiros dias da crise, dos 2795 leitos mineiros do Sistema Único de Saúde (SUS) apenas 27% estavam vazios (dados da SES), o que representa apenas 754 leitos disponíveis para todo o estado. Apenas a capital mineira precisaria de 4 mil a 8 mil leitos de CTI, como afirmou o prefeito Alexandre Kalil, em sua primeira aparição pública, durante transmissão Instagram, no dia 18/03.

Enquanto isso, a Vale faz propaganda de que vai aplicar mais de 5 milhões no Hospital Eduardo Menezes para ampliação do número de unidades no CTI, com 12 quartos com 1 leito cada. Ou seja, praticamente nada pelo que necessita o SUS. E um valor irrisório perante os lucros astronômicos desta empresa que durante os 21 anos como empresa privada, gerou 320 bilhões de reais de lucro aos seus acionistas e dois crimes sócio-ambientais, em Mariana e Brumadinho.

Por exemplo: somente a isenção do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e de outros impostos que o governo Romeu Zema concedeu às grandes empresas no ano de 2019, chegou a 6,2 bilhões de reais. Valor que seria equivalente a 14.903 quartos com leito, com base nos valores dos acordados entre a Vale e o governo, atendendo à demanda da população e do SUS. Ainda que sabemos que os preços dos contratos da Vale com o governo podem estar super faturados. Ou seja, que poderiam ser ainda maiores os investimentos. Além dos quartos de hospitais privados, estes que deveriam estar com toda a rede num único sistema público de saúde.

Em Minas Gerais, mais de 75% da população não tem plano de saúde e são usuários do SUS, conforme dados da Agência Nacional de Saúde. E No Ipsemg (Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais), que já vinha de extrema precarização nos governos de Fernando Pimentel e sofreu ainda mais cortes no governo liberal de Romeu Zema, trabalhadores de BH e da região metropolitana relatam a falta de máscara de proteção. É urgente a distribuição de EPIs (Equipamentos de Proteção Individual) para todas as unidades do SUS e para os trabalhadores que seguirão trabalhando.

As Unidades Básicas de Saúde e as Unidades de Pronto Atendimento estão funcionando sem oferecer equipamentos básicos de proteção aos trabalhadores da saúde que estão lidando no dia-a-dia com casos de pacientes com coronavírus, como denunciaram trabalhadoras da região metropolitana de BH. Além das extensas jornadas de trabalho e a falta de profissionais à altura da demanda necessária para o atendimento no SUS, que se antes do coronavírus já era precária, agora se faz ainda pior.

Sequer o décimo terceiro foi pago até agora para as trabalhadoras da saúde e da educação. Enquanto medidas como suspensão das cirurgias eletivas para liberar vagas na CTI de hospitais e a suspensão das férias das profissionais da saúde foram anunciadas por Romeu Zema ou Alexandre Kalil. Um plano de emergência tem que partir do pagamento imediato do décimo terceiro salário em atraso para todos os trabalhadores, a contratação de trabalhadores da saúde, com garantia de todas as condições sanitárias de trabalho e efetivação de trabalhadoras terceirizadas que são responsáveis pela intensa limpeza dos hospitais e estabelecimentos públicos, com plenos direitos. Se falta dinheiro para isso, há grandes fortunas para serem socializadas, como as fortunas de Kalil, Zema e Medioli, que deveriam ser as primeiras taxadas junto a outras grandes fortunas como a da família Neves em Minas Gerais.

Na educação, as aulas foram suspensas desde o dia 18/03, para evitar as aglomerações e a circulação com o funcionamento das escolas. Milhões de jovens e crianças ficarão sem a merenda diária, que para muitos deles é a única refeição do dia. A garantia da alimentação saudável aos estudantes ao longo da crise, como medida prioritária de um plano de emergência de saúde pública é urgente, visto que pessoas bem alimentadas podem ser mais resistentes à doença. Mas enquanto isso, a principal preocupação da Secretaria de Educação e do Conselho Especial de Educação está na tentativa de obrigar a oferta de trabalhos online. Quando sequer o diário eletrônico esteve disponível esse ano para os professores. Ou o caos nas matrículas virtuais no começo do ano, obrigando mães e pais ficarem dias em filas nas escolas para não conseguirem matricular seus filhos. Além de que há trabalhadoras terceirizadas no Cefet-MG , na UFMG e nas redes municipais que não foram liberadas e ficam sob risco de ficarem doentes. Liberação já, sem nenhuma demissão e manutenção dos salários.

As medidas que Romeu Zema e Alexandre Kalil hierarquizam, ainda que com diferenças entre eles, é a do isolamento como medida restritiva aos direitos da população e não de saúde pública. Visto que não se sabe se há alguma pessoa contaminada em diversos dos municípios afetados pela medida. Medidas de isolamento devem estar acompanhadas da identificação dos focos de contaminação e da contratação de equipes de saúde para garantir de leitos hospitalares com respiradores. Por fora de medidas assim, as quarentenas impostas pelos governos ferem direitos democráticos elementares, como a proibição de reunião de mais de 10 pessoas como aponta Kalil e que foi mais intensamente implementado em países como Itália e Estado Espanhol em que a população vive situações de toque de recolher, com proibições de greves como já acontece no Estado Espanhol e de reuniões de trabalhadores como denunciaram os metroviários de São Paulo. Por isso, qualquer medida de diminuição de fluxos e aglomeração tem que ser acompanhadas de testes para todos, garantidos pelo SUS, e que cada medida de redução de fluxo de produção ou circulação sejam definidas pelos trabalhadores com apoio de especialistas e trabalhadores da saúde.

Se Zema e Kalil bateram boca nas redes, como foi divulgado nas mídias recentemente acerca das medidas de fechamento dos comércios e bares e de redução do fluxo do transporte público em BH, são nuances dentro de um mesmo projeto de fazer com que a população pague pelos impactos mais nefastos do coronavírus. Enquanto atuam para resguardar os lucros dos grandes capitalistas e milionários de Belo Horizonte e Minas Gerais - como eles próprios e suas fortunas, diga-se de passagem.

Segundo o próprio governador Romeu Zema, técnicos da Secretaria da Fazendo estimam impactos de até 2,5 bilhões na economia mineira no próximo período. Isso em um cenário em que as exportações no estado já vinham em queda de 17% antes do coronavírus com quedas nas commodities. A Fiat recém anunciou que vai interromper a produção em Betim, o que pode antecipar a possibilidade de férias coletivas ou até demissões. O jornal “O Tempo” anunciou que vai interromper a produção dos jornais impressos. Com a política de fechamento do comércio, representante do setor estima ao menos 60 mil demissões. Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de Belo Horizonte prevê a demissão de 10 mil pessoas apenas nesse setor perante a medida de Kalil. A empresa Atento, call center e com planta em BH, já demitiu 50 trabalhadores além de que vem proibindo o uso de EPIs como álcool em gel e máscara dentro da empresa.

O mínimo em situações de crise a ser garantido para os trabalhadores que não tem o direito de ficarem em suas casas, é a proibição das demissões, com licenças garantindo 100% dos salários (sob responsabilidade da empresa e do estado) para toda pessoa infectada ou com sintomas, assim como de todas as pessoas maiores de 65 anos, e de pais e mães que não podem enviar seus filhos e filhas para as escolas que fecharam. Além de comissões de higiene e segurança nos locais de trabalho que tenha plenos poderes para investigar, consultar, questionar, as medidas que garantam a segurança das e dos trabalhadores e usuários nos casos de serviços públicos como metrô e ônibus que seguirão funcionando com escalas reduzidas e com medidas controle de fluxo dos passageiros.

Minas Gerais vai receber 40 milhões da União, o que até mesmo um empresário mesquinho como Romeu Zema tem que admitir que não será suficiente. E para isso a proposta deste governador, como expressou em entrevista no jornal “O Tempo” (20/03) será a de implementar em meio à crise do coronavírus as reformas da previdência e administrativa exigidas pelo governo federal e por Rodrigo Maia. Um verdadeiro descalabro visto que a medida a ser tomada em urgência deveria ser a suspensão imediata da PEC do Teto dos Gastos, o rompimento com a Lei de Reponsabilidade Fiscal, a anistia de todas as dívidas dos estados com a União e o não pagamento da dívida pública. Mas não, para Zema o importante mesmo atacar os poucos direitos da população após décadas de uma democracia degradada e ainda mais ferida com governos como o dele próprio e o de Bolsonaro.

Perante uma situação de emergência e visto a profunda precarização de nossos sistema de saúde, já precário nos anos de governo do PT, e ainda mais fortemente sucateado com os governos de Michel Temer e Bolsonaro, é urgente que um plano de emergência como esse seja levado à frente pelos sindicatos, organizações populares, por parlamentares da esquerda e progressistas, no mínimo com projetos de lei que acenem medidas que possam realmente proteger e resguardar a população e o sistema de saúde. E sabemos que a única forma de haver isso é atacando os lucros dos grandes capitalistas que todos esses governos são subservientes.

Estudantes e professores da UFMG do Instituto de Ciências Biológicas, Medicina, Farmácia, Veterinária dentre outros se reuniram para discutir a possibilidade dos laboratórios da universidade produzirem testes para identificar infecção por coronavírus, para ajudar o SUS. O estado deveria fornecer todo recurso necessário para que haja testagem massiva da população. Isso tudo, sabemos, exige uma outra racionalização da produção.

As plantas da Magnetti Marelli da Itália, por exemplo, irão produzir equipamentos de UTI para combater o coronavírus. As empresas da Honda e Land Rover na Inglaterra passarão a produzir aparelhos respiratórios. Seria possível um plano de emergência nas indústrias de forma a atender toda a demanda necessária para, com mais contratação de operários, intensificação do sistema de higiene e saúde dos trabalhadores, valorizar a vida operária e da população, com comissões de funcionamento e gestão organizadas pelos próprios trabalhadores junto a equipes com técnicos e profissionais da saúde.

As classes dominantes em momentos de guerra giram sua economia para atender seus interesses bélicos e financeiros. Mas quando se trata da saúde de toda a população não tomam medidas drásticas e emergenciais. Hoje, diante da guerra do coronavírus, é necessário que sejam os trabalhadores a controlarem a produção para salvar vidas, com produção de equipamentos de saúde, prevenção, testes, alimentos, tecnologias. Reorganizando sob controle dos trabalhadores em aliança com cientistas, técnicos, estudantes toda a produção e sua forma de operacionalização, com expropriação de ramos estratégicos, para estar voltada para atender às demandas do povo.




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