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ENTREVISTA | Eles achataram a curva, mas a que custo? Uma entrevista com um trabalhador da Coréia do Sul

Um socialista da Coréia do Sul fala sobre a resposta do governo ao surto do COVID-19 e os passos que precisam ser tomados pela classe trabalhadora internacional para lutar contra a crise.

quinta-feira 26 de março de 2020 | Edição do dia

Yeon Hon é um militante na organização socialista revolucionária NoHeTu (Solidariedade Militante para a Liberdade dos Trabalhadores) na Coréia do Sul, Ele é um editor da publicação online do grupo. O site irmão do Left Voice, o Révolution Permanente, conversou com ele sobre o surto do coronavírus na Coréia do Sul e como a resposta agressiva do governo tem diminuído a propagação do vírus, mas as custas da classe trabalhadora e dos oprimidos.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) apontou para a Coréia do Sul, que logo cedo implementou massivos e agressivos testes, como um exemplo de como eficientemente lutar contra a pandemia do COVID-19. Você poderia explicar a política da Coréia do Sul e suas implicações?

Quando a crise do Covid-19 começou na Coréia do Sul, a administração do presidente Moon Jae-In chamou por uma resposta agressiva imediatamente. Em parte, esse nível de resposta foi informada pela experiência no incidente da balsa Sewol, o que deixou muitas pessoas suspeitas da reação do governo em situações de emergência e segurança pública. Os protestos condenando o desastre da balsa Sewol mobilizaram milhares de pessoas contra o governo. Moon esta consciente de que precisaria dar uma resposta melhor que sua predecessora, a então presidente Park Geun-hve, a fim de manter a legitimidade de sua administração. Esse é o pano de funda da ação agressiva da administração de Moon.

As pessoas estão dizendo que o caso da Coréia do Sul deveria ser visto como um “modelo”, mas nós devemos ver o que está por trás disso. Sem dúvida, esse tipo de política arrebatadora e vigorosa é necessária para combater o Covid-19. Essas medidas ajudarama diminuir os casos de morte por Covid-19 na Coréia do Sul. Em contraste, o governo Japones se nega a expandir testes e está ocultando a severidade da situação. Muitas pessoas estão morrendo sem nem mesmo saberem que estão infectadas pelo coronavírus. Entretanto, nós precisamos deixar claro que a administração de Moon está promulgando essas ações de uma forma que beneficie a classe dominante enquanto prejudica os trabalhadores, que são os mais afetados pelo vírus.

Como toda a mídia burguesa tem falado, a extensão dos testes na Coréia do Sul é esmagadora. E se os testes estão sendo feitos por demandas do governo, o que é o caso na maioria das vezes, as pessoas não tem que pessoalmente arcar com os custos do testes. Mas o que nós precisamos perguntar é: quem está fazendo os testes? Trabalhadores. Eles fazem os testes por horas sem fim sem qualquer descanso. Existe a preocupação de que eles podem morrer por excesso de trabalho, não por exposição ao vírus. Na verdade, já existem casos em que servidores públicos morreram pois trabalharam ao ponto da exaustão. Mesmo antes do surto do virus, a Coréia do Sul era notória por suas longas horas de trabalho. Como resultado, muitos trabalhadores morrem todos os anos. Essa é a realidade da Coréia do Sul como “modelo”.

Que medidas especificas o governo tem tomado com parte de suas políticas de combate ao COVID-19?

Até agora, a administração Moon tem sido transparente em publicar suas medidas contra a propagação do coronavírus. Quando alguém testa positivo para o vírus, cidadãos nas áreas adjacentes são alertados por mensagens de texto e todas as pessoas que tiveram contato com o indivíduo infectado são testadas imediatamente. Cidadãos então recebem atualizações sobre os movimentos do indivíduo, que são rastreados pelo governo. Críticos dizem que isso é uma violação dos direitos humanos dos indivíduos infectados.

Sem esperar que os pacientes visitem o hospital, o governo rastreia os infectados e aqueles que mantiveram contato com estes, medidas que o governo diz terem um papel em diminuir a taxa de mortalidade. Os escritórios, edifícios e outras áreas em com um individuo infectado são fechadas. O governo não fechou completamente suas fronteiras, nem bloqueou cidades, ou fechou lojas, mas eles isolaram apenas as áreas infectadas e as esterilizaram. Trabalho de desinfecção também tem sido feito em lugares com grande circulação de pessoas, incluindo aeroportos, estações de trem, estações de metro, etc. Claro, todo esse processo é acompanhado do sacrifício de trabalhadores que arriscam entrar em contato com o vírus ao desinfetarem essas áreas.

Como o impacto do vírus na Coréia do Sul aparenta estar agora?

Em 13 de Fevereiro, o presidente Moon disse que a situação acabaria logo, Mas desde então, o número de infectados tem subido drasticamente. Agora temos mais de 8.000 pessoas infectadas, e em torno de 100 mortes. A propagação aparenta ter diminuído um pouco, mas ninguém pode baixar a guarda ainda. Todos usam mascaras quando pegam o ônibus ou o metro. Existem longas filas na frente de farmácias todos os dias para comprar máscaras. Muitas lojas e pequenos negócios foram fechados. Como resultado, trabalhadores perderam seus trabalhos, ou foram forçados a tirar férias sem pagamento. Além disso, ataques racistas estão aumentando contra chineses vivendo na Coréia do Sul ao mesmo tempo em que coreanos estão convivendo com um maior racismo nos EUA e na Europa. Ansiedade e medo estão se espalhando junto ao vírus.

Como a epidemia tem impactado os setores mais pobres da sociedade? O que isso nos revela sobre o sistema de saúde na Coréia do Sul?

O COVID-19 está desmascarando o verdadeiro estado da sociedade Sul Coreana. Pessoas com deficiência que foram confinadas em asilos antes do surto foram coletivamente infectadas pelo vírus. Elas não foram tratadas de forma apropriada e muitas morreram como resultado. O suporte do governo para os deficientes é completamente insuficiente.

Além disso, direitos trabalhistas para migrantes são bem fracos na Coréia do Sul. Já que muitas vezes eles são categorizados como trabalhadores “ilegais”, é difícil para eles obterem máscaras pois cidadãos necessitam de uma carteira de identidade para compra-las.

Trabalhadores subcontratados, que estão fazendo boa parte dos trabalhos de esterilização de áreas infectadas, também não estão recebendo equipamentos adequados para de protegerem do vírus. Enquanto patrões propiciam máscaras de alta qualidade para trabalhadores em tempo integral, subcontratados ou não recebem máscaras ou elas são de baixa qualidade. Mesmo em momentos de crise os capitalistas sempre querem dividir os trabalhadores.

Como anos de medidas de austeridade afetaram o sistema de saúde Sul Coreano? O sistema de saúde coreano é mais barato e melhor do que o americano, mas por conta de baixos salários, o uso de hospitais ainda é um grande fardo para os trabalhadores coreanos. A coisas mais contraditória é que incontáveis trabalhadores morrem por conta de acidentes industriais enquanto trabalham.

Administrações anteriores impuseram medidas de austeridades generalizadas no setor de saúde. Por exemplo, o antigo governo fechou um hospital público na província de Jinju. A racionalização deles era que o hospital estava endividado e era ineficiente, mas nenhum outro hospital fora construído em seu lugar. Isso foi em 2013. Então, mesmo com o surto de MERS em 2015, o sistema de saúde estava mal preparado para lidar com o surto. Agora, com a propagação do COVID-19, essas condições estão ainda mais exacerbadas e o resultado é ainda mais mortal. Mas devemos deixar claro que o atual governo do presidente Moon não é diferente. Moon prometeu investir na saúde publica antes de virar presidente, mas quando foi eleito ele descumpriu essas promessa. Na Coréia do Sul, hospitais públicos são responsáveis por apenas 5,4% dos hospitais. O resto é privado. É o pior sistema de todos os países da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico).

Como a crise atual se compara com a o surto de SARS em 2003 e a crise de MERS em 2015?

Quando o SARS se propagou em 2003, a Coréia do Sul foi severamente afetada. Ocorreram bem poucos casos. Mas o MERS nos atingiu fortemente em 2015. Na época, o governo não publicou informações sobre o vírus ou respondeu com transparência, e hospitais não estavam prontos para lidar com a doenças infecciosas. Infecções explodiram nos hospitais coreanos de alto nível, incluindo o Centro Medico Samsung. Após a experiência com o surto do MERS, houve uma grande pressão para o governo desenvolver respostas para emergências médicas no futuro, e para tornar pública todas essas ações. Nesse quesito, a atual capacidade de resposta é melhor do que no passado. Entretanto, o sistema público, após anos de cortes, ainda não consegue responder apropriadamente a tais crises.

Como os trabalhadores e organizações trabalhistas tem respondido a atual crise?

Em suma, os trabalhadores sul coreanos não estão em uma situação de moral alta ou alta. Então greves exigindo medidas de segurança não estão acontecendo, ao contrário do caso Italiano, onde trabalhadores estão protestando contra a péssima resposta do governo frente ao surto. Alguns sindicatos realizaram conferências coletivas, alguns outros estão negociando com as companhias demandando medidas de segurança como o fornecimento de máscaras. E, é claro, ativistas estão tentando dialogar com os trabalhadores, distribuindo folhetos nos locais de trabalho.

Alguns dias atrás, líderes dos dois principais sindicatos (KCTU e FKTU) tiveram um encontro com o presidente Moon. A administração Moon quer fazer outro acordo social com os sindicatos, e as burocracias estão completamente dispostas a cooperar com os planos do governo e suas respostas para a epidemia. Nós devemos ver essas ações pelo que elas são, uma tentativa de reprimir dissidência mesmo com os trabalhadores sendo postos em perigo enquanto combatem a propagação do vírus.

Qual é a perspectiva do NoHeTu em relação ao surto do COVID-19? Quais passos precisam ser tomados para combater a crise?

O COVID-18 nos mostra exatamente como o capitalismo funciona e está aprofundando suas crises. Capitalistas estão passando suas perdas para a classe trabalhadora, e isso será exacerbado no futuro. Os custos da crise deveriam ser pagos pelos capitalistas, não pelos trabalhadores.

Agora, o mais importante é os trabalhadores fazerem suas vozes serem ouvidas e se engajarem na luta. Nesse aspecto, os exemplos dos trabalhadores europeus e americanos lutando para se defenderem contra a crise do COVID-19 é extremamente inspiradora. O vírus é uma questão internacional. Assim como a luta dos trabalhadores. O COVID-19 não apenas nos mostra a verdadeira face do capitalismo, mas também nos lembra o valor do Internacionalismo dos trabalhadores.




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