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[ENTREVISTA] Balanço da luta de petroleiros em Grandpuits, na França: “nossa luta fincou as bases para o conjunto da classe trabalhadora”

Paul Morao

Imagem: Karim Ait Adjedjou Facebook

[ENTREVISTA] Balanço da luta de petroleiros em Grandpuits, na França: “nossa luta fincou as bases para o conjunto da classe trabalhadora”

Paul Morao

Com mais de 45 dias de greve por tempo indeterminado, que se deu de maneira auto-organizada pela base de trabalhadores; com uma aliança com múltiplos setores da sociedade e um discurso radical, a greve de Grandpuits marcou as recentes lutas contra demissões na França. Adrien Cornet, petroleiro, delegado sindical, grevista e militante do NPA - Révolution Permanente (organização irmã do MRT), fala sobre o balanço dessa luta exemplar e suas perspectivas que alentam a classe trabalhadora internacionalmente neste momento de ataques e demissões.

Révolution Permanente: Ei, Adrien! No último dia 4 de janeiro você saiu em greve por tempo indeterminado com os petroleiros de Grandpuits [1]. Você poderia traçar o contexto dentro da Total no qual se insere a decisão de fechamento da Refinaria de Grandpuits?

Adrien Cornet: O objetivo da Total nos últimos anos é de fechar as refinarias na França. Eles descobriram maneiras de refinar o petróleo em outros países, em Dubai, na Índia, na China, além de projetarem também de refinar na África. O objetivo deles é duplo: refinar o mais próximo possível dos campos de petróleo bruto, mas também em países onde as condições de trabalho e as normas ambientais são mais reduzidas, com consequências desastrosas, como o desalojamento forçado de populações inteiras na Uganda.

Mesmo que o refino de petróleo atende a grandes necessidades na Île-de-France e que isso é altamente lucrativo para a Total, a refinaria de Grandpuits estava na lista de refinarias a serem fechadas. Em 2018, o gasoduto danificou-se devido à falta de manutenção estrutural, o que acelerou os planos da Total que recusa em investir centenas de milhões para a reparação do gasoduto, donde vem a decisão de encerrar a refinaria que é estabelecida definitivamente no final de setembro de 2020, algo que já sabíamos que ia ocorrer há vários meses.

Révolution Permanente: A greve é iniciada dia 4 de janeiro e, muito rapidamente, em comparação com outras lutas que emergiram no último período, a questão do emprego se impôs como determinante. Você pode localizar esse aspecto?

Adrien Cornet: Muito rapidamente, a Total decidiu apresentar sua estratégia: "zero petróleo", o que eleva o número de demissões a 200 na Total e 500 nas empresas terceirizadas. Tal plano, na área mais rural do departamento [2], onde a perspectiva dos trabalhadores é de receber no máximo um salário mínimo, sem a refinaria, coloca-se evidentemente problemas profundos. Imediatamente, essa questão vem à cabeça dos trabalhadores porque muitos de nós vivenciamos a precariedade, empregos mal rentados, antes de termos entrado na Total.

Sabíamos que a greve iria começar, pois temos uma cultura de luta, com a CGT [3] sendo majoritária na planta, mas havia a dúvida se os trabalhadores iriam se contentar em lutar por melhores condições [das demissões] ou se sairiam em defesa dos empregos. Havia um certo ceticismo quanto a este último aspecto, alimentado também pelas direções das CFDT [4] e FO [5]. É compreensível que o pessoal estivesse com tanto medo do dia seguinte que eles tivessem vontade de se assegurar, de ter uma grana para manter suas famílias. Não é uma questão de "individualismo". Portanto, trabalhamos para convencer quanto à reivindicação em defesa dos empregos, insistindo no fato de que lutar por eles não era apenas uma questão de segurança e de condições de trabalho, mas também uma questão de preocupação com o outro, com as novas gerações que amanhã se encontrarão na precariedade em Sena e Marne se a refinaria fecha.

Isso entrou muito bem e muito rapidamente o ódio se cristalizou ao redor da questão do emprego. Quando a Total lançou a primeira tentativa de desgaseificação [operação destinada a preparar a desmontagem da planta], em meados de dezembro, éramos 80 invadindo o prédio administrativo dizendo "nada será produzido enquanto o projeto não seja revisto". Isso funcionou e fizemos uma paralisação de 48h. A determinação que os trabalhadores mostraram frente à Total fez com que a direção recuasse, adiando a desgaseificação para o da 4 de janeiro. No dia 4 de janeiro, a greve por tempo indeterminado foi iniciada com uma lógica clara: não tocaremos e nossas ferramentas de trabalho até que tenhamos garantido nossos empregos. Desde o início, tínhamos taxas de adesão alucinantes, com linhas com 100% de grevistas. Em geral, ao longo de toda a greve, tivemos entre 80 e 100% de grevistas nos trabalhos da produção, mas também conseguimos que paralisassem trabalhadores que não fazem em 3/8: pessoal da manutenção, da segurança, da grande logística. Setores que normalmente não fazem parte das lutas, o que dá uma ideia da amplitude da mobilização.

Révolution Permanente: Desde o início, vocês se organizaram em assembleias gerais soberanas e em comitê de greve. Tais elementos de auto-organização são raros no movimento operário na França. Por que a escolha de dar tanto peso a esta questão?

Adrien Cornet: Desde o princípio, tínhamos a ideia que não poderíamos gerir o movimento sozinhos. Da minha parte, a sensibilidade pela auto-organização vem do fato de que eu milito também em uma corrente trotskista, a Corrente Comunista Revolucionária do NPA [que impulsiona o jornal Révolution Permanente] que tem uma cultura da auto-organização. Tenho sido muito confrontado com o fracasso das burocracias sindicais e suas estratégias perdedoras. E a auto-organização é o melhor antídoto contra isso, uma maneira dos grevistas tomarem a luta em suas próprias mãos. Ao mesmo tempo, a auto-organização foi determinante para manter a integração entre as diferentes centrais sindicais [6], já que algumas delas queriam assinar o plano social desde o início. Conseguimos impor que a FO e a CGT se submetessem às decisões das assembleias gerais dos grevistas.

Esse poder nas mãos dos grevistas lhes deu muita força para resistir. Sempre que algo não ia bem, fazíamos uma assembleia geral e decidíamos juntos. E de maneira complementar, para estarmos [os representantes sindicais] mais próximos do conjunto de grevistas, instalamos um comitê de greve, composto por delegados eleitos em cada linha de produção da refinaria e dos sindicatos que havia aceitado a se submeter à Assembleia Geral. O objetivo era nos dotar de um órgão mais executivo para pensar o movimento diariamente. Não conseguimos fazer assembleias gerais todos os dias, é pesado, demanda tempo, as pessoas estão distantes, então é difícil se locomover. Um comitê de greve, implantado em todas as camadas da refinaria, permite ter um espaço executivo que ajuda a pensar a estratégia midiática, jurídica, a relação de forças no interior da fábrica com menos pessoas, mas sempre pessoas que são delegadas, que tem um mandato. Cada delegado discute em sua linha e depois discutimos juntos. Evidentemente, todos são eleitos de maneira revogável. Quando uma linha dizia que havia um problema, dizíamos: refaçam uma eleição, se o delegado de vocês não está lhes consultando suficientemente, revogue-o! Esse estado de espírito da "greve aos grevistas" permitiu que os trabalhadores que não tivessem um mandato sindical, ou nem mesmo experiência em greves, pudessem assumir o controle de sua luta, tomar as decisões e assumir um papel motor. Isso os fez emergir como verdadeiros militantes ativos da greve.

Reuníamos o comitê de greve praticamente todos os dias para discutir as ações, como estava sendo sentido pelos companheiros, sobre a situação da fábrica, do trabalho de segurança que decidimos fazer. Em uma refinaria em greve, devido ao fato da especificidade do setor, somos obrigados a permanecer presentes na planta, em grande parte para assegurar a segurança do local, dos trabalhadores e da população ao redor. Portanto, decidimos tudo o que entra e tudo o que sai, quais trabalhos serão executados para a segurança, e essas eram as coisas que a gente precisava discutir. Havia também muitos debates políticos: como pensamos a greve, como enfrentamos um nível de radicalidade que não é homogêneo, a questão sanitária [da pandemia] quem convidávamos para as assembleias, como e quando decidíamos de nos virarmos para o exterior, para outros setores de trabalhadores, etc.

Votação pela continuidade da greve em uma assembleia - © O Phil des Contrastes

Révolution Permanente: Uma das marcas da greve foi também esta aliança com o movimento ecológico e, de forma mais ampla, o grande apoio que vocês reuniram em torno de sua luta. Como vocês implementaram essa estratégia que não é automática?

Adrien Cornet: Desde o início, pensamos em uma estratégia de frente única ampla em torno da luta pelo emprego e pelo meio ambiente, contra o greenwashing da Total. A estratégia da Total era baseada em duas pernas. Em primeiro lugar, dizendo que não haveria demissões, o que obviamente é falso. E segundo, um discurso verde. A melhor maneira de desmontar esse discurso era perguntar a algumas pessoas especializadas no assunto. Conversamos com os camaradas da La Mède [refinaria que passou por um plano social há alguns anos] que nos colocaram em contato com [o coletivo] Amigos da Terra e o Greenpeace em outubro, e eles ficaram super empolgados com o discurso e super empolgados com a ideia de lutar contra a Total com a gente. Uma aliança improvável, mas que deu uma força incrível à nossa greve.

Do nosso lado, desenvolvemos toda essa reflexão sobre como conceber a transição ecológica. Ela deve estar nas mãos das multinacionais ou nas mãos dos trabalhadores? Tínhamos esse argumento para dizer: se nós, os trabalhadores, tivéssemos o controle da fábrica, poderíamos poluir menos, porque não nos preocupamos apenas com o lucro, porque nossas famílias moram ao lado, porque tomamos banho nos rios da área, porque nossos filhos brincam nos parques, etc. Ao mesmo tempo, isso se articula à questão do emprego, à questão de como os jovens de amanhã vão encher a geladeira. Assim que resolvermos a questão de como sobrevier ao fim do mês, podemos resolver o fim do mundo. E em ambos os casos a solução somos nós, os trabalhadores. Não porque sejamos mais espertos que os outros, mas porque temos know-how, temos uma ferramenta de trabalho em nossas mãos, e se a controlarmos não o faremos com base nos requisitos de rentabilidade, mas com o objetivo de atender às necessidades da sociedade e do cuidado com o meio ambiente, já que nós, nossas famílias e nossos filhos somos os principais interessados. O que é completamente contrário ao que interessa Pouyanné, o CEO da Total, que está preocupado que sua máquina de lucro nunca pare. Quando você explica, tudo fica muito claro.

De maneira mais geral, isso obviamente levanta a questão do capitalismo. No último livro de Lordon, ele costuma repetir isso: é o capitalismo ou nós. Hoje a revolução é uma necessidade, para proteger as pessoas e os trabalhadores, colocando em prática um sistema onde o trabalho seja organizado para atender às necessidades e cuidar dos trabalhadores e do planeta. Uma revolução que tem que ser internacional porque o sistema capitalista o é. Essa perspectiva tem potencial hegemônico porque atinge todas as camadas da sociedade, particularmente a juventude, também mobilizada pelas questões climáticas, cada vez mais afetada pela precariedade no contexto de uma crise capitalista que está devastando, na França e em outras partes do mundo. Essa crise afeta também essa classe média que se acha protegida das questões sociais, da precariedade, mas que se preocupa com a destruição do mundo. Quando fazemos esta pergunta, tocamos, portanto, todas as camadas da sociedade, exceto, é claro, a grande burguesia que, de fato, tem interesses contraditórios aos nossos e deseja que este sistema continue.

Révolution Permanente: Como isso foi um aporte à greve?

Adrien Cornet: Essa lógica permitiu forjar alianças com os partidos de esquerda e centro-esquerda como La France Insoumise e Europe Ecologie - Les Verts, com trabalhadores de outras categorias, como ferroviários, condutores de tramway, companheiros da usina nuclear Nogent, professores, estudantes e ainda artistas que montaram uma tenda no estacionamento de uma empresa "cabeça de ponte" do CAC 40 [7] em janeiro, com a atriz Audrey Vernon que veio fazer seu último espetáculo em solidariedade, e que organizaram a primeira apresentação cultural com público desde o início do confinamento. Era algo inédito! Tudo isso possibilitado pela convicção de que o que ocorre em Grandpuits é uma questão fundamental, de salvar empregos para salvar os trabalhadores de hoje e de amanhã, mas também o planeta. O apoio também foi material: conseguimos um fundo de greve de mais de 100.000 euros, com muitas doações de diferentes organizações políticas, sindicais, e também de muitos trabalhadores que doaram individualmente para o nosso fundo online ou que vieram para o piquete para nos dar força financeira, mas também força moral.

Ferroviários em apoio à greve dos trabalhadores da Total Grandpuits

O piquete tornou-se ponto de encontro entre refinadores e operários de outros setores, mas também com jovens militantes revolucionários, em particular do NPA Jeunes, que vinham nos piquetes para nos ajudar, para nos dar força, fazendo cartazes com a gente, estudantes de arte que enfeitavam nossos capacetes e uniformes, foi muito forte. Os trabalhadores vinham de longe apenas para nos apoiar, e aquecia nossos corações ver uma juventude que compreende que seu destino, principalmente em meio a esta crise capitalista, está ligado ao dos trabalhadores que levantam a cabeça. A tudo isso se soma o apoio internacional que recebemos de trabalhadores do Brasil ou da Argentina.

A resposta à greve também foi reveladora. Cortes de empregos estão por toda parte. Em Bridgestone são mais de 800 empregos e uma planta fechada. No entanto, houve menor movimentação em torno desses conflitos, porque eles não escolheram a greve e a relação de forças e não implantaram uma estratégia de hegemonia. Com essa força, conseguimos contrapor o discurso da Total e mostrar que estávamos certos em lutar!

Révolution Permanente: Vocês também construíram este movimento com as outras refinarias da França, dentro da Coordenação Total CGT. Vocês até organizaram excursões para outras refinarias com o comitê de greve. Você pode nos contar mais sobre essa experiência?

Adrien Cornet: Desde o início, foi fundamental para nós que nossa luta fosse apoiada e acompanhada por todos os refinadores da Total. Na Coordenação Total CGT pudemos trocar impressões com companheiros que já haviam vivido situações semelhantes à que estávamos vivenciando, o que fortaleceu muito os nossos laços. Antes mesmo do início da greve, em outubro, convidamos petroleiros de outras refinarias para vir nos visitar e nos contar suas experiências com planos sociais. Isso foi importante para convencer os trabalhadores da necessidade de construir uma relação de forças favorável. Fomos a diferentes locais para falar sobre nossa luta e encorajá-los a nos apoiar e os refinadores vieram muitas vezes ao piquete para nos apoiar, companheiros de La Mède, Feyzin e outros lugares. É também nesse sentido que construímos a greve de 48 horas em todas as refinarias do grupo na França, que foi um sucesso nos dias 3 e 4 de fevereiro.

Em outubro de 2020, Adrien Cornet fala para mais de 200 petroleiros para se prepararem contra a ofensiva da Total.

Também foi fundamental estar em contato com todos aqueles que lutavam contra o corte de empregos. Estamos em uma situação de profunda crise capitalista com milhares e milhares de demissões, muito rapidamente os petroleiros perceberam que o que estava acontecendo em Grandpuits não era exceção. Discutimos no comitê de greve e concordamos que para nós era fundamental explorar todas as possibilidades de expandir, coordenar e ir discutir com os demais setores afetados pelas demissões para convencê-los a lutar juntos, por meio da greve e contra o corte de empregos. É por isso que rapidamente entramos em contato com os trabalhadores da TUI, ao lado da qual fizemos uma manifestação em 23 de janeiro, mas também com os trabalhadores da SKF em Avallon, Verallia, Centrale de Gardanne, Toray, L’Equipe, da Sanofi e da Infrapôle SNCF Paris Nord, com quem pudemos fazer um bloco de setores em greve à frente da manifestação interprofissional de 4 de fevereiro. Esta solidariedade interprofissional e a tentativa de articulação de setores que lutam por emprego foi fundamental.

Révolution Permanente: Também vimos o surgimento de uma Comissão de Mulheres durante a greve. Uma rara experiência em greves, novamente. O que isso diz sobre o conflito dos Grandpuits?

Adrien Cornet: Este grupo de mulheres veio espontaneamente. Duas esposas de petroleiros que viam seus companheiros preocupados, mas também lutando, queriam participar dessa luta que consideravam nobre. Elas falavam muito que faziam isso pelos filhos e pelo meio ambiente. Basicamente a ideia era mesmo dizer: o que posso fazer para me colocar a serviço da luta? Comida, deixar o piquete mais confortável, organizar momentos de convívio aos domingos, com crianças e famílias no piquete de greve.

Mas rapidamente, passaram a ter amplos debates políticos dentro do grupo de mulheres sobre a questão da radicalização da greve. Algumas delas se tornaram militantes da greve por completo, traçando estratégias, ajudando a sustentar o movimento. Foi uma contribuição decisiva. Quando você luta, toda a sua família luta, você está em luta permanente. Portanto, se sua esposa não está envolvida porque, por motivos machistas, você quer colocá-la de lado ou supostamente protegê-la, isso cria tensões. É contraproducente. Por outro lado, vimos como elas estavam orgulhosas de lutar ao nosso lado, isso as estimulou.

De onde vem isso? Primeiro, ele nasceu espontaneamente. Isso obviamente tem a ver com a cultura de luta em Grandpuits que eu falei. Quando você está na refinaria, você já passou por tantas lutas que as leva para casa. Mas esta Comissão de Mulheres também é uma expressão da profundidade do conflito. E isso obviamente não teria surgido se a greve não tivesse esse conteúdo radical e hegemônico. De forma mais ampla, nos lembra em que medida todos os trabalhadores estão cientes de que a sociedade está doente, que a minoria que nos governa a serviço dos grandes patrões nos joga contra a parede. A crise sanitária tem revelado muito isso, são discussões que não são triviais na cabeça das pessoas, nas famílias. Tudo isso revela os interesses divergentes entre as classes da sociedade que as pessoas vivenciam no dia a dia. E uma greve por tempo indeterminado atua como um catalisador dessa contradição e desses sentimentos, como um acelerador da consciência.

Révolution Permanente: Você falou de espontaneidade. Como você articula essa questão da espontaneidade ao papel da organização, tanto sindical quanto política, já que antes você mencionou o trotskismo?

Adrien Cornet: A partir de minhas experiências de luta de classes, vemos quão impressionante é a inteligência coletiva dos trabalhadores em luta, quando levantam a cabeça. A espontaneidade é um grande terreno fértil para a inteligência coletiva, pois permite que os trabalhadores tomem consciência por si próprios. E a importância da organização política em um conflito é de propor uma direção, de coordenar as diferentes antenas de cada camada da sociedade, de pensar uma estratégia em comum com os grevistas e ao mesmo tempo se servindo das experiências do passado para não cometer os mesmos erros novamente.

[A organização política] se nutre da espontaneidade porque às vezes há conservadorismo ou desconhecimento da consciência dos trabalhadores ao seu redor. Quando as duas coisas se alimentam [a organização e a espontaneidade], ocorre uma química sem precedentes para a luta, uma explosão de inteligência coletiva. Ao mesmo tempo, se os trabalhadores têm conhecimento de sua ferramenta de trabalho, conhecimento de sua região, eles ainda precisam ter a oportunidade de se expressar. Porém, sem uma organização e militantes que carreguem uma cultura de auto-organização, nos privaríamos dessa espontaneidade, iríamos comprimi-la, a bloquearíamos. No caso, nós chamamos a ultrapassar permanentemente as direções sindicais, para transbordar, para tomar o poder de nossa própria luta.

Depois, a necessidade de ter uma corrente política revolucionária é ter uma estratégia e resistir às pressões. Por exemplo, quando os patrões vão dar migalhas, quando somos atingidos pelo cansaço, pelo pessimismo, pelo ceticismo que nos leva a aceitar o que nos é dado imediatamente. A organização política revolucionária é hiper eficaz no sentido de dar uma perspectiva para tomar consciência do fato de que na história do movimento operário, os trabalhadores são capazes de ir tão longe a ponto de arrancar os meios de produção, de que na história fomos capazes de grandes coisas. Isso é algo que a gente quase toca com o dedo nesse tipo de conflito, duro, longo, mas no qual a gente pode ver a força dos trabalhadores através da greve e da auto-organização…

Bloco de trabalhadores de Grandpuits, Sanofi e Infrapôle em manifestação de 4 de fevereiro de 2021

Révolution Permanente: Falamos das enormes contribuições do conflito. Ao mesmo tempo, a greve terminou sem ter tido satisfação em todas as suas demandas. Você pode falar deste fim do conflito, seus limites, mas também as conquistas de sua luta?

Adrien Cornet: A última Assembleia geral ocorreu três dias após 9 de fevereiro, que foi o último Comitê Social e Econômico (CSE) central no âmbito da discussão do plano social. Um forte momento mediático e político para o qual tínhamos organizado um grande comício em La Défense que marcou a aliança com os ecologistas, onde vimos muitas figuras políticas, muitos apoiadores, etc. O problema é que essa data foi vista como o selo de todo o plano social. Havia muitas dúvidas entre os grevistas, questões como: de que adianta lutar depois de 45 dias se não conseguimos que o Total se rendesse até agora? Na verdade, foi o momento em que tivemos a maior exposição na mídia, poderíamos ter continuado as ações e endurecido o movimento. Isso também teria surpreendido a direção da empresa, que esperava, de fato, que a greve terminasse com o fim do procedimento de consulta do plano social no âmbito dos órgãos representativos dos trabalhadores. Por exemplo, isso é algo importante a se levar em conta e que poderia ser usado em outras disputas contra demissões: nunca permanecer exclusivamente no quadro imposto pela gestão, os trabalhadores devem pensar sua própria agenda para impor a relação de forças a seu favor.

Então, em 12 de fevereiro, a assembleia geral estava extremamente tensa. Houve uma grande ofensiva da Force Ouvrière a favor da assinatura de medidas de acompanhamento, o que equivalia a liquidar o conflito e aceitar o corte de empregos e todo o plano social. Ao mesmo tempo, todos os não grevistas compareceram à assembleia para pressionar pela assinatura de medidas de acompanhamento. Tanto o comitê de greve quanto a CGT defenderam a recusa em assinar e a continuação do movimento, mas todos esses elementos contribuíram para o fato de que a assembleia decidiu assinar as medidas de acompanhamento e encerrar a greve. Após 45 dias, a dúvida e o ceticismo prevaleceram. Uma das principais lições dessa batalha é o quão essencial é deixar claro até o fim que nada é impossível. No final, garantimos, no entanto, 13 postos de trabalho, e também obtivemos medidas de apoio relativamente importantes, sobretudo o fato dos trabalhadores poderem se aposentar aos 55 anos.

Mas as conquistas mais importantes para mim são as conquistas para toda a classe trabalhadora. Em um período de crise, onde os cortes de empregos se multiplicam, a escolha de uma estratégia de greve mostrou que podemos impor uma relação de forças à "cabeça de ponte" do CAC 40, prejudicá-los. Podemos demonstrar à opinião pública que os trabalhadores têm toda a razão. Não foi fácil impor essa contra-narrativa, principalmente quando sabemos que a grande mídia está sob as botas da Total. Mostramos também que, ecologicamente, é um péssimo projeto, que no nível social e ecológico corríamos o risco de nos tornarmos a Lubrizol [8] de amanhã e em que medida quando os trabalhadores se unem, levantam a cabeça, conseguem pensar juntos os problemas da sociedade. Questões de segurança, questões ambientais... É uma experiência incrível e uma demonstração para qualquer pessoa que acredita que o correto é conseguir algo "sem queimar pneus". As pessoas que têm essa estratégia podem conseguir algo por um ou dois anos, mas depois? Quando nos levantamos em Grandpuits, conseguimos nos organizar e impor uma relação de forças, arrancar empregos, mas também colocar questões profundas da sociedade, que são a base para as batalhas que estão por vir.

Dentro da Total, conscientizamos as pessoas sobre a profunda utilidade de pensar decididamente quanto a transição ecológica, de conceber um verdadeiro programa entre as mãos dos trabalhadores e de não deixar o patrão destruir as refinarias uma após a outra para ir instalá-las na África ou no Oriente Médio e poluir ainda mais a um custo menor. Nossa estratégia marcou muitos trabalhadores em diferentes locais de trabalho e temos a certeza de que levamos uma estratégia acertada. Companheiros de um dos maiores sindicatos de refinaria nos contaram como inicialmente não acreditaram em nossa estratégia de aliança e que hoje estão convencidos de que é a coisa certa a fazer. O comitê de greve também teve um grande impacto sobre os trabalhadores e os convenceu da necessidade de se organizar com as bases para dar aos trabalhadores o controle da greve. Dentro da FNIC (Federação Nacional de Indústria Química) abalou muito os setores e ainda causa muita discussão hoje porque nem todos concordam, mas para nós é uma questão fundamental. Finalmente, a terceira grande conquista desse conflito foi a necessidade de pensar em uma estratégia jurídica e midiática nas mãos dos revolucionários. Os trabalhadores ficaram muito impactados pela cobertura midiática do Révolution Permanente, o perfil de Facebook Raffinerie en Lutte, mas também pela estratégia jurídica ofensiva.

Um camarada me perguntou não faz muito tempo: foi realmente uma derrota? Eu penso que não. Estabelecemos bases marcantes para toda nossa classe. É incomparável, mas para tomar uma imagem penso na Comuna de Paris. Uma das maiores derrotas da classe trabalhadora, 30.000 mortos, mas as conquistas e o aprendizado para a classe são sem precedentes na história como um todo. A greve não é apenas para retirar a força de trabalho, é liberar tempo para pensar e acumular forças e experiência na perspectiva das próximas batalhas.

Os trabalhadores de Grandpuits e seus apoiadores ecologistas - © Défense-92.fr

Révolution Permanente: E em termos de perspectivas de médio prazo?

Adrien Cornet: No interior da Total continuamos levando a luta. Quanto a Grandpuits, a DIRECCTE [9] ainda não se manifestou, mas o diretor nos disse claramente que iam assinar o plano social. Foi muito interessante porque seu discurso demonstrou claramente duas coisas. Em primeiro lugar, como disse: “A lei não é justa, desde os anos 2000 a lei permite, através da jurisprudência, despedir pessoas enquanto a empresa tem lucro. Mas, é isso, nós apenas aplicamos a lei." Ele estava demonstrando que a lei é elaborada para servir às patronais e que as instituições do Estado estão a seu serviço. Você poderia dizer que isso é tão antigo quanto [o livro] O Estado e a Revolução de Lênin, mas quando você o vive, isso penetra profundamente em sua carne. E isso levanta questões em relação às lutas que apostam tudo em uma estratégia jurídica para conseguir anular o do plano social. Sabemos até que ponto uma empresa como a Total, como Alain Deneault escreve bem, tem meios para pagar pelas decisões judiciais, ou mesmo pagar pelas leis. A burguesia tem meios incomparáveis para estabelecer sua autoridade e seu poder. Só uma coisa conta: a relação de forças.

Apesar de tudo, também pretendemos levar a luta jurídica. Mostrar a qual ponto os riscos de segurança ambiental da fábrica são importantes e que o juiz é obrigado a assumir sua responsabilidade. Também continuamos trabalhando com ativistas ambientais e com a Coordenação Total. Queremos participar da criação de um projeto que crie empregos e que também lance as bases de como começamos a pensar em todo o processo de refino para o futuro. E de forma mais ampla, essa luta está sendo travada em escala internacional. Recentemente, por exemplo, foi importante para nós denunciar a situação em Mianmar, onde a Total tem uma longa história de colaboração com os militares que atualmente estão reprimindo a população que resiste ao golpe.

Entrevista traduzida por Lina Hamdan. Texto original publicado pelo jornal Révolution Permanente.


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FOOTNOTES

[1Pequena cidade a 57 quilômetros de Paris, na região de Île-de-France, onde está localizada uma das refinarias da multinacional francesa Total

[2Departamento de Sena e Marne, região administrativa onde se localiza a cidade de Grandpuits. É um dos 8 departamentos da região de Île de France.

[3Confederação Geral do Trabalho

[4Confederação Francesa Democrática do Trabalho

[5Força Operária

[6Na França, o mesmo setor de uma mesma empresa pode se sindicalizar em diferentes centrais sindicais. Batalhar pela unidade intersindical é chave para as lutas

[7Índice da bolsa de valores francesa

[8Fábrica de produtos químicos que teve um incêndio gigantesco em setembro de 2019

[9Direção regional de empresas, da concorrência, do consumo, do trabalho e do emprego
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