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Neste domingo, 7,2 milhões jovens realizaram o segundo dia de prova do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), que conta com as provas de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, Matemática e Redação. Na Redação, os candidatos foram surpreendidos com o tema “A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira”. O tema foi amplamente comemorado nas redes sociais e imediatamente repudiado pelos reacionários deputados Jair Bolsonaro (PP-RJ) e Marco Feliciano (PSC-SP) que consideraram a questão com Simone de Beauvoir uma doutrinação.

Marie CastañedaEstudante de Ciências Sociais na UFRN

segunda-feira 26 de outubro de 2015 | 11:00

O ENEM foi criado em 1998 e desde então aborda temas da realidade nacional brasileira. Este ano não poderia ser diferente, ainda mais com o dinamismo de medidas econômicas, políticas e sociais por parte do Governo Dilma (PT), sua base aliada no Congresso Nacional e também a Oposição de Direita.

A Violência Contra a Mulher na sociedade brasileira segue latente. A nível institucional, com a última medida de Eduardo Cunha(PMDB), a PL 5069/13, que foi aprovada na CCJ nesta semana, quer criminalizar a propaganda e fornecimento de métodos abortivos, punir quem induzir o aborto (incluindo agentes de saúde) e estabelecer que a mulher vítima de estupro procure uma delegacia antes de ser atendida pelo sistema público de saúde.

Além desse projeto reacionário, que visa criminalizar ainda mais o direito ao corpo das mulheres, essa semana as redes sociais foram tomadas pelas mensagens de cunho pedófilo sobre Valentina, uma das meninas do MasterChef Júnior Brasil, assim como pela divulgação dos pré-requisitos básicos para adentrar uma Delegacia da Mulher, que comprovam novamente o quanto não é interesse do Estado defender as mulheres.

A visibilidade de ser o tema do principal exame de ingresso ao Ensino Superior do Brasil é realmente grande, sendo estampado na capa dos principais jornais e repudiado publicamente por setores conservadores.

Mas isso faz do ENEM um exemplo? E isso impediria “machistas” de serem aprovados?

O ENEM é um vestibular como todos os outros, e portanto filtra socialmente quem poderá ingressar ao Ensino Superior Público no Brasil. Para as 63 Universidades Federais ele conta como parte do processo seletivo ou é ele por inteiro, além de garantir a seleção para programas como o PROUNI e o FIES, de financiamento estatal do ensino em instituições privadas. Ele apresentou um avanço no sentido de nacionalizar o processo seletivo, mas segue como um filtro, tanto nas desesperadoras histórias de quem perdeu a prova pela péssima qualidade do transporte público ou saindo atrasado do trabalho e assim perdem sua única chance, ou de quem consegue chegar, consegue pagar os R$ 60,00 de inscrição mas se deparam com uma prova dificílima, que para nada corresponde ao precário ensino público oferecido nacionalmente.

Com o ENEM entraram sim mais filhos de trabalhadores no Ensino Superior, aos quais hoje Dilma, o PT e a Oposição de Direita demonstram que a universidade não é seu lugar. Com mais de 13 bilhões de cortes na Educação, falta de permanência estudantil (faltam moradias, creches e restaurantes universitários) e cortes no FIES e no PROUNI, o ENEM também é usado para justificar a não implementação das cotas no modelo do Movimento Negro a nível nacional (cotas proporcionais à população negra em cada estado).

O vestibular segue sendo um mecanismo elitista, acompanhado do machismo, da LGBTfobia e do racismo, ou seja, um tema de redação que aborde a Questão da Violência contra as Mulheres não elimina reprodutores da opressão, apenas elimina quem não teve acesso às estruturas de uma redação como parte de sua preparação para o ENEM.

A menina dos olhos na Educação para Dilma e o PT é o ENEM, a mesma Educação que é prioridade nos seus cortes, tanto econômicos, quanto ideológicos, como na ausência da questão de Gênero e Sexualidade do PNE no ano passado, onde se colocaram ao lado daqueles que hoje bradam contra o ENEM e o acusam de usar Beauvoir para uma “doutrinação da Ideologia de Gênero”. Em Campinas, Sorocaba e diversas outras cidades do país foi com este discurso que foi proibida a discussão de Gênero e Sexualidade dentro das escolas.

Assim, o próprio Governo Dilma (PT) discursa contra a violência, ainda assim, gasta menos de R$ 1,00 por mulher para combatê-la e se recusa a colocar em cheque sua parca governabilidade para defender qualquer direito mínimo das Mulheres.
Ao passo que a Redação do ENEM tratava da violência contra a mulheres, as pessoas de Identidades Trans tiveram seus nomes sociais desrespeitados durante as provas. Seu nome social não constava nem na lista de entrada, no caderno de perguntas, nas folhas de resposta, nem na mesa. Além de estarem em salas organizadas por ordem alfabética de acordo com seu nome de registro. É um completo absurdo que o Governo que se vangloriou por garantir a inscrição pelo nome social, um direito substancial de ser reconhecido, termine promovendo uma verdadeira transfobia institucional.

É necessário que revertamos as comemorações e a raiva contra Eduardo Cunha em uma forte luta contra o PL 5069/13 nas escolas, universidades e locais de trabalho! Precisamos defender o debate de Gênero e Sexualidade nas escolas, lutarmos contra os cortes na Educação, por creches, permanência estudantil, e democratização real do acesso! Democratizar realmente o acesso passa por desmascararmos a que e a qual classe social realmente serve o vestibular e, para isso, não podemos depositar qualquer ilusão nesse filtro social. Como demonstram os secundaristas no estado de São Paulo, os estudantes das federais que passaram por greves duríssimas ao longo do ano e o farão os setores oprimidos na luta contra o PL de Cunha, o futuro das mulheres, dxs LGBTS e dxs negrxs não pertence aos governos, mas à sua capacidade de organização para dar uma resposta a todos os ataques, aliada à classe trabalhadora. A visibilidade de uma questão importantíssima, como é a violência de gênero, não pode atribuir nenhum progressismo ao PT ou iludir a juventude quanto à função do vestibular, e sim deve ser um impulso para que lutemos cada vez mais por nossas demandas.




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