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ELEIÇÕES 2018 | É possível dialogar com os votantes do Bolsonaro?

No primeiro turno mais de 40 milhões de pessoas votaram no candidato da chapa militar do PSL. Do outro lado, milhões se perguntam como é possível que isso tenha acontecido. Difícil acreditar que tanta gente compartilhe do apreço pela tortura, o ódio ao povo negro, às mulheres e aos pobres, a ideia de privatizar tudo, expresso pela chapa Bolsonaro-Mourão-Paulo Guedes ao longo da campanha. É possível reverter essa situação?

Thiago FlaméSão Paulo

quinta-feira 18 de outubro de 2018 | Edição do dia

Faltando menos de dez dias para a votação um cenário de uma virada contra Bolsonaro parece remoto, mas não impossível. No entanto a possibilidade de produzir uma mudança tão rápida do quadro político dificilmente viria da capacidade de argumentação com os votantes de Bolsonaro. Em geral estão cegados pela massividade da propaganda antipetista da mídia, pelos repetidos discursos de pastores reacionários, mercadores da fé e pela indústria das Fake News, que agora veio à tona com o financiamento ilegal de empresários para promover mensagens falsas pelo Whatsapp.

Uma atuação desastrosa de Bolsonaro no debate direto com Haddad, que ele evita a todo custo, ou então uma onda de ataques descontrolados da extrema direita, que gerasse uma grande reação pela esquerda, poderiam produzir uma mudança brusca no quadro eleitoral. Mas esses são fatores imponderáveis. O que sim podemos ter certeza é que uma onda de ativismo e de mobilização, paralisações, atos, debates, a formação de milhares ou dezenas de milhares de comitês de mobilização por todo o país, se não forem suficientes para reverter o curso da eleição, nos deixariam mil vezes mais preparados para enfrentar o que estaria por vir com Bolsonaro.

Acompanhamos o voto no PT porque compartilhamos o ódio contra a extrema direita e nos colocamos na linha de frente da organização da luta contra Bolsonaro e os ataques da sua base reacionária. Ao mesmo tempo esse voto é crítico porque não confiamos, de forma alguma, na estratégia da conciliação de classes do PT, que já se mostrou impotente para combater a extrema direita e, portanto, não damos nenhum apoio político ao PT ou a Haddad. Chamamos a todos que vão votar no PT porque querem derrotar a extrema direita a dedicar suas forças na grande tarefa estratégica que é a organização de base, de comitês de luta massivos, pois a luta de classes é o único terreno onde poderemos derrotá-lo de fato.

É verdade que a adesão a Bolsonaro e a essa candidatura de extrema direita, de ideologia facistizante, não se dá pela adesão às suas ideias e ao seu programa, para além de um núcleo duro, que não deixa de ser violento e perigoso como tem demonstrado nos últimos dias. No entanto seria ingênuo ou oportunista querer acreditar que essa votação não expressa um enorme peso e crescimento das ideias de direita – e também de extrema direita – em grandes parcelas da população, sobretudo nas classes medias mas inclusive entre os setores mais pobres, entre trabalhadores e na juventude.

Esse estado de espírito reacionário em grandes parcelas da população não caiu do céu, foi construído ao longo dos últimos anos. Desde 2015 a direita se tornou cada vez mais ativa e militante. Uma nova direita surgiu com grupos como o MBL e a extrema direita tradicional levantou a cabeça (aquela que sempre pediu uma intervenção militar e os grupos fascistas de todo tipo, que vegetavam em estado de dormência nos esgotos dos condomínios de luxo). Encontraram ambientes favoráveis à sua pregação.

Enquanto a direita se endurecia e se radicalizava, a cada passo o PT buscava se salvar com novos compromissos com essa mesma direita. Para evitar o golpe institucional contra Dilma, apostou num acordo com Cunha. Para pavimentar o caminho das eleições de 2018, sufocou e traiu as mobilizações contra Temer em 2017, que tiveram seu ponto alto com a grande paralisação nacional de 28 de abril. Para tirar Lula da prisão e garantir sua candidatura, o PT apostou no STF. Agora mais uma vez aposta na justiça golpista como principal via para enfrentar Bolsonaro.

Como argumentou o filósofo Vladimir Safatle esta é uma visão intelectual romântica e pueril: crer que basta explicar as propostas do Bolsonaro para as pessoas, que quando elas compreenderem se darão conta do grande erro que estavam para cometer. Os partidos políticos que sustentaram pela direita o pacto constitucional de 1988 caíram em desgraça, o PSDB se arruinou e o antipetismo se radicalizou com Bolsonaro. Mas caiu em desgraça também o conjunto do sistema político, o sistema de pesos e contrapesos entre as forças políticas de que fala Safatle nessa mesma palestra (com a qual debatemos aqui). Contra essa direita radicalizada, que tem uma demagogia antissistema no seu discurso, é preciso uma esquerda radicalizada, que retome a perspectiva antissistema e revolucionaria.

A verdadeira disputa da base social de Bolsonaro se dará na mobilização, nos processos de luta de classes. Mesmo que aquilo que parece remoto se dê e Bolsonaro seja derrotado eleitoralmente, o enfrentamento com a extrema direita vai estar colocado e ainda mais com o seu provável triunfo. Precisamos nos organizar para defender cada trans atacada, precisávamos já estar organizados para parar o país quando o mestre Moa foi cruelmente assassinado, é preciso responder com mobilizações mais fortes frente a cada atentado político dos apoiadores do Bolsonaro.

Mas, sobretudo, é preciso desde já nos organizarmos tendo em vista o cenário pós-eleitoral. Cada ação contra a vitória eleitoral de Bolsonaro deve ser uma semente de organização contra a extrema direita. Mostrando nas ruas força e capacidade de derrotar os ataques que virão, com novas ações ainda mais fortes do que a do dia 28 de abril, poderemos romper a base social que hoje apoia Bolsonaro.

A crise do regime político de 1988 não fortalece somente a extrema direita. Épocas de crise como a que vivemos abrem espaço para novas formas de pensar e de atuar, não só à direita, mas, também à esquerda. Ao longo dos últimos anos os processos de luta, desde junho de 2013, vêm mostrando que existe um enorme espaço para o fortalecimento de uma esquerda revolucionária, como mostram recentemente os 4 milhões de acessos no site do Esquerda Diário em 30 dias. Queremos construir milhares de comitês de luta para enfrentar a extrema direita nas ruas, mas também para lançar as bases de uma esquerda capaz de aproveitar os espaços abertos e ser uma alternativa de massas à esquerda frente a crise do regime de 1988.




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