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ARGENTINA | Doze conclusões sobre as eleições argentinas e as perspectivas da Frente de Esquerda

Reflexões sobre as eleições primárias argentinas, que preparam as eleições gerais de Outubro, e os desafios da Frente de Esquerda e dos Trabalhadores.

Fernando ScolnikBuenos Aires | @FernandoScolnik

sexta-feira 18 de agosto de 2017 | Edição do dia

1) O resultado das PASO (eleições primárias, que antecedem as gerais) foi recebido com entusiasmo por parte dos mercados e o governos do Estados Unidos. Na segunda-feira 14, após a eleição, o índice Merval subiu 3,4%, as ações das empresas argentina que cotizam em Wall Street subiram até 11,6% e o dólar caiu 46 centavos sem a intervenção da autoridade monetária. No dia seguinte foi a própria Casa Branca, por meio do vicepresidente de Donald Trump, Mike Pence, quem festejou o resultado eleitoral na sua visita à Buenos Aires. O número dois do governo americano até se ofereceu de “cabala”, brincando com a ideia de voltar em outubro se isso ajudar no êxito eleitoral de Cambiemos.

2) Em busca de capital político para continuar com as “reformas” favoráveis ao grande capital. Os motivos da alegria foram bem explicitados quando Pence afirmou que um dos motivos da sua presença na Argentina ela “felicitar ao senhor Presidente Macri por seus audazes programas de mudança”. O grande capital nacional e estrangeiro festeja o que interpreta como uma conquista do capital político por parte do macrismo para avançar em novas reformas favoráveis a seus interesses. Em um ano e meio de atual governo avançaram com um plano de “voltar ao mundo” resolvendo com os fundos abutres, iniciando um fabuloso ciclo de endividamento externo, desvalorizando, retirando e baixando retenções, assim como subindo as tarifas dos serviços públicos. Mas ainda assim, tiveram que ter em conta a correlação de forças, pelas debilidades de origem do governo macrista (minoria parlamentária, sem força própria nos sindicatos, ter triunfado por pouco no segundo turno, etc.), o qual se expressou no debate entre “gradualismo” e “choque”. O que visionam agora é a possibilidade de seguir avançando por meio de uma reforma laboral, tributária e jubilatória, entre outras medidas que continuem a transferência de ingressos que se vêm produzindo desde o povo trabalhador até o capital mais concentrado. Tudo isso, dentro de um marco regional de apoio ao golpista Temer no Brasil e de influência imperialista na Venezuela em favor da direita neste país.

3) A eleição não implica em um cheque em branco para o macrismo. Se o resultado das PASO se confirmar em linhas gerais em outubro o governo corre o risco, contudo, de confundir uma eleição melhor do que a que esperavam com um aval completo para avançar com o conjunto de um programa político e econômico, que além disso se marca em um contexto internacional no qual a chegada de investimentos ao país segue sendo mais promessa do que realidade. As contradições estruturais da economia (endividamento, déficit fiscal e comercial, etc.) podem dar lugar a uma nova crise no próximo período, que alimentem o descontentamento e que façam perder sua base política e social de Cambiemos.

A correlação de forças, em última instância, se terminará de definir na luta de classes. Diferente do menemismo, o macrismo não conta com o efeito disciplinador de uma grande crise nos anos anteriores, como havia sido a hiperinflação no fim do alfonsinismo, nem com aquele contexto internacional da ofensiva neoliberal. No concreto, nesta eleição obtiveram um pouco de ar político com um “empate técnico” na Província de Buenos Aires (onde possivelmente terminem perdendo por escassa margem frente a Cristina Kirchner na apuração definitiva das PASO), um triunfo muito amplo na Cidade de Buenos Aires e vitórias em Córdoba, Mendoza, Neuquén, Corrientes, Entre Ríos, Jujuy, La Pampa, San Luis e Santa Cruz. De conjunto, Cambiemos conseguiu 35 % dos votos a nível nacional (similar ao que conseguiram no outubro de 2015), consolidando-se como primeira minoria, frente à divisão e a crise da oposição. A necessidade de recorrer a manobras brutas durante a apuração para “vender” uma primeira imagem ganhadora imediatamente após a votação, atua de forma a mostrar que o resultado das PASO não é um cheque em branco para o macrismo.

4) Os opositores que sustentam o macrismo. A contratendência das contradições sinalizadas na tese anterior seguirá dada por ampla oferta de “doadores de governabilidade” com a qual conta o macrismo desde sua chegada na Casa Rosada. Apesar de ser minoria no Congresso Nacional, em um ano e meio de governo conseguiu aprovar todas as suas leis fundamentais graças aos votos da Frente para la Victoria (kirchnerismo) no Senado e de Massa-Stolbizer, o Bloque Justicialista na Câmara dos Deputados. Ainda que o macrismo consiga uma boa eleição em outubro, seguirá sendo minoria no Congresso, razão pela qual seguirá negociando com todos estes atores, apesar de que os mesmo tenham saído derrotados das PASO. Os outros grandes sustentáculos de Cambiemos em todo este temo tem sido os governadores e intendentes de todo arco político e a burocracia sindical, que com sua trégua tem conseguido evitar até o momento que o descontentamento com o plano de ajuste na maior parte do povo trabalhador se expresse com maior luta de classes.

5) El peronismo em crise. Outro resultado chave da eleições é a crise do peronismo, ficando muito debilitado no principal espaço opositor. No interior do país sufreu derrotas muito importantes em Córdoba, San Luis, Entre Ríos, La Pampa, configurando-se um duro revés a um projeto de recomposição do peronismo a partir de uma espécie de reedição de uma “liga de governadores” que se proponha como renovação partidária após o fim do ciclo kirchnerista. Seus triunfos em Salta, Tucumán, Santiago del Estero e Formosa são completamente insuficientes para compensar as suas derrotas. O kirchnerismo, por sua parte, também perdeu em Santa Cruz.

6) O “empate surpresa” na Província de Buenos Aires tem suas razões. Tese aparte merece, logicamente, a Província de Buenos Aires, onde se joga a “mãe de todas as batalhas”, tanto pelo seu peso econômico e demográfico como pela aposta no distrito de figuras chave da política nacional como Cristina Kirchner e, em menor medida, Sergio Massa, além da “candidata” María Eugenia Vidal, que não se apresentou nas cédulas. As eleições primárias deixaram em crise a aposta da ex presidente de fazer uma campanha “cidadã” e moderada, apostando em que o descontentamento com o ajuste fizesse seu trabalho de forma quase automática e se manifestasse em um “voto castigo” ao macrismo em favor da ex-mandatária. Mais de fundo, sem dúvidas, o discurso kirchnerista que colocava eixo na comparação da atual situação com anos anteriores mostrou seus limites, devido a que se é verdade que um setor importante da classe trabalhadora votou na ex presidenta contra o macrismo, outras centenas de milhares de pobres da periferia de Buenos Aires, trabalhadores precarizados há anos ou sindicalizados que pagam o imposto ao salário rechaçaram o convite a “voltar” para aqueles anos que, para eles, não resultaram tão idílicos como diz o folheto da campanha da Unidad Ciudadana (coalizão de Cristina Kirchner). A inflação dos últimos anos do kirchnerismo, a falta de resolução de problemas estruturais como o transporte, a moradia, a saúde ou a educação, dão conta de que a “década ganhada” não foi tão boa para todos. Alguns a “nunca ganharam tanto” como dizia Cristina Kirchner, mas muitos outros milhões não. Por sua parte, amplos setores do empresariado e as classes médias altas, há anos opositores de Cristina Kirchner, voltaram a votar no macrismo ou no massismo, enquanto que outros setores das classes médias votaram no kirchnerismo, observando-se uma polarização nesta camada, que irradia até outros setores e tem sua expressão eleitoral. No último trecho para as PASO, o Cambiemos de Macri jogou a fundo a María Eugenia Vidal para golpear os pontos fracos do kirchnerismo, junto com uma campanha para tentar convencer de que as medidas do ajuste aplicadas se deveram à “herança recebida” mas que “o pior já passou”, devido a que a economia, finalmente, estaria começando a crescer (ainda que a realidade seja que a recuperação é muito modesta, incerta e desigual). Previamente, a campanha pela destituição de Julio De Vido se havia ocupado de recordar a milhões os atos de corrupção kirchnerista para reforçar o voto daqueles que talvez não aderem nem ao macrismo nem a seu programa mas são profundamente anti-kirchneristas e desejavam ver a derrota da ex presidente e de seu projeto de “voltar”.

Desde antes, e como todo governo (tal como havíamos denunciado a partir do La Izquierda Diario no começo do ano), o macrismo também tem feito um intenso uso político dos recursos do Estado para chegar com obras públicas aos bairros mais pobres e assim aumentar seu desempenho nesse setor amplo do eleitorado que sofre problemas estruturais há anos, buscando um voto que valorize a “gestão”. Assim que se chegou ao “empate técnico” das PASO na Província de Buenos Aires.

7) Outubro será chave para o futuro do kirchnerismo. Como se resolve em outubro o “empate técnico” será chave para terminar de determinar como se configura o cenário político futuro e a corrida até 2019. Uma derrota de Cristina Kirchner na província de Buenos Aires seria um golpe difícil de reverter para o kirchnerismo como projeto político, enquanto que uma vitória apertada poderia lhe dar uma continuidade como fração do peronismo junto com seus armados no interior do país, entre os quais e sobressai a eleição de Agustín Rossi em Santa Fe, mas ainda assim dificilmente possa reverter sua crise mais profunda e hegemonizar novamente o peronismo. Por outro lado, um dos derrotados da eleição é Sergio Massa, a quem a “avenida do meio” se estreitou e ameaça diminuir-se ainda mais em outubro. Florencio Randazzo, por sua parte, foi nocauteado e ficou fora da votação. Dentro de Cambiemos, a UCR (especialmente a fração que apostou em Lousteau na CABA) sai mais débil, enquanto que a dependência do voto “honestista” que atrai Carrió lhe dá elementos de instabilidade à coalizão.

8) Na Frente de Esquerda se consolida como única oposição independente. Em um marco de alta polarização, na qual se jogou uma sorte de plebiscito de meio termo sobre o macrismo, a Frente de Esquerda e dos Trabalhadores se consolidou com quase um milhão de votos a nível nacional como a única alternativa política que enfrenta seriamente o ajuste e se coloca de forma independente frente a todas as variantes capitalistas, com um programa para que a crise seja paga pelos capitalistas. Os votos obtidos representam quase 30% a mais que nas PASO de 2015, e tem um valor ainda mais alto, uma adesão mais firme, depois de ter enfrentado como FIT as campanhas pelo voto em branco no segundo turno presidencial (entre o kirchnerismo e o macrismo), e muitos meios de comunicação por ter rechaçado a armação pela destituição de Julio de Vido, que a FIT denunciou como manobra eleitoral que somente buscava crédito para Cambiemos nos comícios, ao mesmo tempo que garantir a impunidade dos corruptos do oficialismo e da oposição kirchnerista.

Com respeito às eleições primárias legislativas de 2013, as porcentagens obtidas pela FIT são similares, ainda que esta ocasião da votação foi muito mais polarizada e com forte disputa entre as principais figuras da política nacional, o que configurou um cenário diferente ao de quatro anos atrás. Neste domingo, na cidade de Buenos Aires, Myriam Bregman obteve 4,38 % e Marcelo Ramal 3,79 %, enquanto que na província Nicolás del Caño alcançou 3,62 % e Néstor Pitrola 3,38 %. Por sua vez, a FIT fez muito boas eleições em diferentes províncias do interior, destacando-se uma eleição história em Jujuy onde Alejandro Vilca alcançou 12,7% dos votos e a possibilidade de voltar a brigar para entrar no Congresso Nacional de Mendoza com Noelia Barbeito, que alcançou 8,8%. Em Neuquén, Raul Godoy obteve destacados 6,7%, a FIT de Santa Cruz alcançou mais de 8% para deputados e em Salta com Pablo López como principal candidato com 7,35% também com deputados, enquanto que em uma província importante como Córdoba a chapa encabeçada por Liliana Olivero obteve 4,3%, entre os resultados mais importantes.

9) Uma grande campanha militante. Na luta por alcançar estes resultados e por disputar a consciência política de milhões contra os partidos dos capitalistas, teve uma grande importância a enorme campanha militante levantada em todo o país por milhares de militantes, simpatizantes e colaboradores que se propuseram a chegar com as ideias da Frente de Esquerda a cada bairro, cada lugar de trabalho e de estudo. No domingo, dia 13, foram milhares os fiscais que defenderam os votos da FIT contra os grandes aparatos.

10) A FIT lutará para conquistar novos mandatos em outubro. Com estes resultados, abre-se a possibilidade de brigar por novos mandatos nacionais e provinciais para a Frente de Esquerda, que sejam novos lugares de luta para denunciar os poderosos e apoiar as lutas dos trabalhadores, das mulheres e da juventude, na Cidade de Buenos Aires, na Província de Buenos Aires, Mendoza e Jujuy, fortalecendo as bancadas da FIT que demonstraram em todo este tempo serem as únicas que não votam pelas leis do macrismo e dos governadores, enquanto que suas referências estão acompanhando todas e cada uma das lutas.

11) Um grande reconhecimento aos dirigentes que lutam com os trabalhadores e um voto mais operário e popular. A simpatia com a Frente de Esquerda e suas principais referências é ainda mais ampla que os votos obtidos. Em cada panfletagem nas ruas, nos locais de trabalho e estudo, se percebe um grande reconhecimento aos dirigentes da FIT que lutam junto aos trabalhadores e salta à vista o contraste tanto com a burocracia sindical que deixa passar o ajuste como com os dirigentes do kirchnerismo que prometeram “resistência com luta” mas nada disso fizeram. A luta de PesiCo e a presença na reintegração de posse de Nicolás del Caño, Myriam Bregman e outras referências da esquerda (assim como a ausência das cúpulas sindicais ou dirigentes do kirchnerismo) se transformou em um dos temas centrais das últimas semanas de campanha eleitoral, colocando em debate o tema do trabalho e as vias para enfrentar o macrismo e as patronais.

Em Jujuy, frente ao governo policialesco e ajustador de Gerardo Morales e grande crise do peronismo, a figura de Alejandro Vilca emergiu como a única opção consequente de luta para o povo trabalhador da província, e o apoio à sua candidatura cresceu principalmente entre os operários do ramo açucareiro dos bairros de San Pedro, La Esperanza e Libertador General San Martín. Em Neuquén, Raúl Godoy é conhecido há tempo como deputado dos trabalhadores, pelo seu inquestionável papel como legislador à serviço do povo trabalhador. Em Mendoza, há quatro anos a Frente de Esquerda emergiu como um espaço político que representa o povo trabalhador e a juventude da província frente aos partidos tradicionais. O mesmo se pode dizer do papel do PTS e da Frente de Esquerda em cada província do país. Além desta prática nas lutas, o programa e as consignas da campanha da Frente de Esquerda, como por exemplo a luta por uma jornada de trabalho de 6 horas, cinco dias na semana, dividindo o trabalho para trabalharmos todos com um salário mínimo igual o da renda mínima familiar (equivalente ao salário mínimo do DIEESE no Brasil), abrindo a perspectiva de uma sociedade baseada nas necessidades sociais e não nos lucros capitalistas, apontaram temas sensíveis para o povo trabalhador que sofre com o desemprego, a precarização e a superexploração deixando a vida e a saúde no trabalho.

Como consequência disso tudo, os votos da Frente de Esquerda, além de aumentar em relação as PASO de 2015, tiveram um componente mais operário e popular. Como sinalizou Nicolás Del Caño na noite da votação, entre aqueles que “quanto mais sofrem com o ajuste, aí é aonde mais apoio tivemos”.

12) Os desafio imediatos para outubro. De cara com as eleições em outubro os resultados obtidos são uma base para multiplicar a militância e o esforço da Frente de Esquerda para conquistar mais mandatos à serviço das lutas. Esta briga incluí também discutir com todos aqueles que simpatizam o papel da FIT e seus deputados, mas nas PASO optaram na polarização por alternativas que desde a esquerda entendemos que não representam os interesses do povo trabalhador e que tampouco podem nem querem enfrentar novos ataques que virão por parte do macrismo. Ao mesmo tempo, o novo trecho da campanha eleitoral irá de mão em mão com o apoio a todas as lutas, como denunciar as direções sindicais que estão em trégua pública com o governo, e com exigir destes sérios planos de luta pra enfrentar o ajuste a aquelas outras que usam uma linguagem mais confrontativa (muitas delas alinhadas com o kirchnerismo) mas não convocam nenhuma luta séria. Neste sentido, e de cara com a marcha convocada pela CGT para este 22 de agosto, apoiamos a moção dos trabalhadores da PespiCo de conformar um bloco de todos aqueles que dividam a luta contra as demissões e a repressão, pela aparição com vida de Santiago Maldonado e pela exigência à CGT de uma paralisação nacional.

Do La Izquierda Diario Argentina, publicação impulsionada pelo PTS na Frente de Esquerda, saudamos os milhares de companheiros e companheiras que participaram da campanha, e convocamos a todos nossos leitores a se somarem a estas batalhas e estas perspectivas, para fortalecer uma alternativa política dos trabalhadores e preparar uma enorme força militante de milhares de lutadores, impulsionando também agrupações nos sindicatos, centros de estudantes e nos bairros que lutem pela mais ampla unidade, sob métodos democráticos e combativos, para enfrentar os novos planos de ajuste e seus cúmplices.




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