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ELEIÇÕES ARGENTINAS | Dois caminhos diferentes: Syriza e Podemos ou FIT?

Este domingo, se celebram na Argentina as eleições Primárias Abertas Simultâneas e Obrigatórias (PASO). A Frente de Esquerda e dos Trabalhadores se apresenta pela primeira vez com duas listas nestas eleições, de uma importância crucial para a esquerda internacional.

domingo 9 de agosto de 2015 | 16:30

O que é a Frente de Esquerda e dos Trabalhadores?

A Frente de Esquerda e dos trabalhadores (FIT) é uma coalizão conformada por várias agrupações políticas cujas principais forças são o Partido dos Trabalhadores Socialistas (PTS) e o Partido Obreiro (PO), que se define pela independência política dos trabalhadores frente a burguesia.

Nos últimos anos, adquiriu visibilidade internacional por conquistar uma ascendente projeção eleitoral pouco comum, com uma alternativa classista que, inclusive, tem inserção entre os trabalhadores das fábricas e dos postos de trabalho estratégicos da Argentina.

Em seu seio, em particular pela influência do PTS, integra uma nova militância trabalhadora que participou, nos últimos anos, das mais importantes lutas que se deram na classe operária, como a que protagonizaram os chamados "indomáveis de Lear" contra as demissões massivas da transnacional autopartista da indústria automotriz.

Chama atenção que no México, a esquerda, os intelectuais e setores progressistas façam tanta referência aos projetos como os do Syriza e Podemos - o primeiro em profunda crise pela traição do governo de Tsipras que aceitou, contra a vontade da população, os mandos da Troika - e não exista nenhuma referência na FIT.

Esta demonstra que se pode fortalecer e tornar viável eleitoralmente uma alternativa independente, que represente as aspirações de setores de trabalhadores e da população sem rebaixar o programa e as ideias socialistas, enquanto intervém fortemente na luta de classes.

Já no Esquerda Diário debatemos com intelectuais como John Ackerman, Paco Ignacio Taibo e Octavio Rodrígues Araujo por seu "possibilismo conformista" frente a emergência do Morena (partido reformista mexicano) que, em síntese, coloca que "não há outra opção viável" para os setores populares que não seja estar com o Morena e que nós, os socialistas, somos "utópicos".

Talvez a nula referência à FIT não seja por desconhecimento, e sim porque esta questiona a hipótese de que através do Morena, os "movimento sociais" seja sua única representação política "natural" e que qualquer outro caminho é impossível.

Que são as PASO e a que a FIT se propõe?

As PASO são eleições antecipadas para que as coalizões e partidos que almejam disputar, em outubro, à cargos executivos como presidente e vice-presidente, e que não têm acordo sobre quem serão seus candidatos deixem a cargo de seus eleitores a decisão das figuras que seguirá em disputa. As PASO, na realidade, foram criadas como mecanismo contra a esquerda, já que se exige obter um mínimo de 1,5% de votos para participar da eleição geral e, pra além, é uma forma de fortalecer a interferência do Estado na vida interna dos partidos.

Pela primeira vez desde sua fundação em 2011, a FIT se apresenta às PASO com duas listas, uma conformada pelo PTS e Convergência Socialista e a outra conformada pelo PO e Esquerda Socialista ("Unidade"). Este fato se deu porque, enquanto se discutia no interior da frente a possibilidade de uma lista comum (meses antes, o PTS havia lançado Nicolás del Caño como pré-candidato a presidente e, o PO, lançado Altamira), o PO e a Esquerda Socialista anunciaram uma candidatura comum à presidência e vice-presidência, indicando sua intenção de ir às PASO em uma lista separada do PTS. Frente a isso, o PTS propôs uma lista unificada com Jorge Altamira para presidente e Del Caño como vice, mas a proposta foi negada pelo PO.

Nicolás del Caño, é um jovem trabalhador precário e estudante que surpreendeu ganhando a eleição à prefeitura da cidade de Mendoza e superando por mais de 10 pontos percentuais o candidato do partido peronista (Partido Justicialista) e vem se convertendo em um fenômeno muito conhecido pela juventude, pelo movimento estudantil e os trabalhadores precários.

Adquiriu visibilidade porque durante seu cargo no parlamento, recebeu como uma professora e cedeu o resto de seu salário às lutas operárias. Além disso, pôs o corpo nas lutas da classe trabalhadora nos últimos anos e enfrentou repressão nas ruas junto aos "indomáveis de Lear", no ano passado. Por esses motivos, o PTS promoveu Nicolás del Caño como pré-candidato, para expressar politicamente os novos aspectos do ascenso da FIT.

O que é o novo na FIT?

Se trata de uma emergente militância operária que tem despertado na Argentina. Na fórmula que encabeça Nicolás del Caño e Myriam Bregman estão representados milhares de trabalhadores e trabalhadoras que durante os anos anteriores deram duras lutas contra os patrões, a burocracia e o governo, e hoje vem saindo das fábricas para fazer políticas como verdadeiros tribunos de sua classe e dos setores populares.

São 1800 candidatos a diversos cargos legislativos que tem tomado a tarefa não só de lutar pelas reivindicações de sua classe, mas também de lutar para que uma alternativa independente e socialista surja como representação política dos oprimidos.

Em seus bairros, com seus vizinhos, seus companheiros de trabalho, seus familiares, este destacamento de trabalhadores, alguns militantes do PTS mas também muito companheiros independentes, estão forjando uma nova militância política.

Em seu seio, as listas encabeçadas por Del Caño e Bregman, contam com a participação dos trabalhadores da transnacional Lear, que enfrentaram as demissões em massa da mesma. Também integram a lista companheiros da fábrica ex Donnelley, atual Madygraf que foi tomada por seus trabalhadores e posta a produzir sob seu controle, frente o abandono da patronal. Trabalhadores da já célebre Zanon, referências dos coletores de resíduos como Alejandro Vilca, trabalhadores da alimentação, referências do metrô como Claudio Dellacarbonara, professores e precarizados também militam nesta lista.

Ao mesmo tempo, a lista "Renovar e fortalecer a frente" leva com consequência o necessário protagonismo das mulheres na política revolucionária. O que mostra o fato de 60%de seus candidatos serem mulheres - na capital são 70%- que estão tomando as reivindicações contra a violência de gênero, o feminicídio e o direito ao aborto.

A necessidade de olhar para o sul

A experiência da FIT na Argentina merece ser analisada pela esquerda internacional. É a demonstração prática de que a independência política dos trabalhadores frente os partidos da burguesia (seja neoliberais ou anti-neoliberais) não está condenada à marginalidade. É uma vacina contra o ceticismo daqueles que pensam que a classe trabalhadora é incapáz de forjar uma alternativa independente e que lhe seja própria.

A combinação de uma política concreta para que o programa socialista chegue a setores bem amplos do movimento de massas, para que suas ideias e militantes se tornem populares e confluam com as aspirações populares, a difusão em grande escala das ideias socialistas -como já está sendo feito através do Esquerda Diário (La Izquierda Diario) como uma rede latinoamericana de noticiários digitais socialistas, também com sua sessão em inglês "Left Voice" e um diário em francês "Revolução Permanente"- com a inserção orgânica na classe trabalhadora e a intervenção na luta de classes, está demonstrando sua potencialidade.

No México tem de se colocar essa experiência, já que, no terreno político e eleitoral, o Morena se propõe a capitalizar a crise e descrédito dos partidos do regime com um programa "anti-neoliberal" ao estilo do programa anti-ajuste do Syriza e Podemos.

É fundamental que a esquerda socialista, os trabalhadores que tem dado duras lutas nos últimos anos contra seus patrões, burocracias e políticos, os jovens precários e estudantes que inundaram as cidades em solidariedade a Ayotzinapa, aqueles descontentes com a chamada "classe política" corrúpta, repressora e aliada do narcotráfico, as mulheres que lutam contra o feminicídio, o movimento LGBT que luta por seus direitos, que comecemos a mirar ao sul.

Para que seja concreto que setores abarquem na luta por uma alternativa dos trabalhadores e da juventude, independente dos partidos patronais e não ser simplesmente uma "esquerda testemunhal", é fundamental que a esquerda se ligue à vanguarda operária e de juventude, construindo bastiões com influência política em setores vivos que estejam dispostos a lutar por seus direitos e reivindicações, abraçando a perspectiva socialista.

Frente aos céticos que chamam a votar e militar no Morena por "ser o possível", há de se construir no México uma alternativa política dos trabalhadores e da juventude, que se prepare para intervir com voz própria nos próximos combates de classe que se aproximam e não cedam no terreno eleitoral às variantes do regime ou aos "anti-neoliberais".




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