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ENEM | Do Enem à Base Nacional Curricular Comum

Mauro SalaCampinas

domingo 25 de outubro de 2015 | 12:04

Nesse fim de semana é realizado em todo país o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). Surgido em 1998, esse exame tinha como objetivo avaliar o desempenho dos estudantes que terminavam o Ensino Médio. Durante dez anos esse foi o objetivo central do exame. Entretanto, a partir de 2009, começou-se a incentivar o uso do Enem como forma de auxiliar na seleção dos estudantes para as Universidades. Hoje, segundo podemos ler no site do Ministério da Educação (MEC), “o Enem é utilizado como critério de seleção para os estudantes que pretendem concorrer a uma bolsa no Programa Universidade para Todos (ProUni). Além disso, cerca de 500 universidades já usam o resultado do exame como critério de seleção para o ingresso no ensino superior, seja complementando ou substituindo o vestibular.” (http://portal.mec.gov.br/enem-sp-2094708791)

O Enem oscila entre ser um processo seletivo tipo vestibular e um sistema de avaliação do desempenho dos estudantes ao fim do Ensino Básico (além de também exercer uma função certificatória para quem não frequentou o ensino médio). Dessa forma, os resultados do Enem acabam por ser utilizados tanto para selecionar e excluir estudantes do Ensino Superior, quanto para avaliar escolas e sistemas de ensino a partir do desempenho de seus alunos.

No site do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), que de fato organiza o exame, podemos ler que o Enem, a partir de 2009, “passou a ser utilizado também como mecanismo de seleção para o ingresso no ensino superior. Foram implementadas mudanças no Exame que contribuem para a democratização das oportunidades de acesso às vagas oferecidas por Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), para a mobilidade acadêmica e para induzir a reestruturação dos currículos do ensino médio. O Enem também é utilizado para o acesso a programas oferecidos pelo Governo Federal, tais como o Programa Universidade para Todos – ProUni.” (http://portal.inep.gov.br/web/enem/sobre-o-enem). A partir de 2016, o Enem também será obrigatório para os estudantes que solicitarem financiamento estudantil pelo FIES.

Quanto ao uso como sistema de seleção para o ensino superior, temos que nos questionar se o Enem de fato exerce uma função democratizante, como quer o governo. Pois não podemos jogar a democratização do acesso ao ensino superior no acesso dos estudantes à prova de seleção. Esse ano serão 7,7 milhões de estudantes disputando cerca de 205 mil vagas. Que democratização é essa que se democratiza o acesso ao exame e não o acesso as vagas?

Sobre a mobilidade acadêmica dos estudantes, dados dão conta de que ela ainda é muito baixa, e se exercem no caminho dos Estados mais ricos (segundo o seu PIB) para os mais pobres. (http://www.if.ufrgs.br/images/arquivos/noticias/enem-mobilidade.pdf)

Além de ser o processo seletivo direto para diversas Universidades Federais, o Enem também é a forma de acesso aos programas federais como de bolsas e/ou financiamento estudantil, como o ProUni e o FIES.

Mas o Enem não tem apenas uma função seletiva; ele tem o objetivo de, nas palavras do próprio INEP, “induzir a reestruturação dos currículos do ensino médio”.

Para isso, ele precisa ser cada vez mais massivo e apresentar cada vez mais impacto, fazendo que as instituições adiram a sua proposta e organização curricular.

Assim, desde 2009, o Enem se organiza em quatro áreas de conhecimento: Linguagens, códigos e suas tecnologias; Matemática e suas tecnologias; Ciências da Natureza e suas tecnologias; e Ciências Humanas e suas tecnologias, começando a desenhar uma proposta curricular para o ensino médio.

Não é a toa que, articulado com a mudança na organização do Enem, o governo federal lançou o Programa Ensino Médio Inovador (ProEMI), também em 2009, como estratégia para “induzir a reestruturação dos currículos do Ensino Médio”.

O objetivo do ProEMI é “apoiar e fortalecer o desenvolvimento de propostas curriculares inovadoras nas escolas de ensino médio, ampliando o tempo dos estudantes na escola e buscando garantir a formação integral com a inserção de atividades que tornem o currículo mais dinâmico, atendendo também as expectativas dos estudantes do Ensino Médio e às demandas da sociedade contemporânea.” (http://portal.mec.gov.br/ensino-medio-inovador/apresentacao)

Como forma de indução à adesão, o governo federal estabeleceu que as secretarias de educação que aderirem ao programa “receberão apoio técnico e financeiro, através do Programa Dinheiro Direto na Escola”.

No início de 2014, o ProEMI abrangia 5,6 mil escolas, sendo que a meta do governo federal era de atingir 10 mil escolas de ensino médio, ou 50% das escolas de ensino médio da rede pública, no fim de 2015.

Essa forma de indução de reformas curriculares, via avaliação e financiamento, é típica das reformas do Estado provenientes do neoliberalismo, que no caso da educação significou uma descentralização da gestão (transferida para os Estados e municípios) e uma recentralização pelo controle da avaliação e formas de financiamento.

Essa forma de controle por incentivos é potencializado no documento da “Pátria educadora” produzido pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da república, então dirigida por Mangabeira Unger. A saída de Mangabeira Unger da Secretaria não enterra seu projeto, que também é o projeto dos reformadores empresariais. (http://www.esquerdadiario.com.br/Que-patria-educadora-e-essa)

Parece que agora chegamos num novo ciclo. A proposta de uma Base Nacional Curricular Comum tem como objetivo intervir mais diretamente nos currículos, orientando “a construção do currículo de mais de 190 mil escolas de Educação Básica do país, espalhadas de Norte a Sul, públicas e particulares”. Ela visa “deixar claro os conhecimentos essenciais aos quais todos os estudantes têm o direito de ter acesso e se apropriar durante sua trajetória na Educação Básica, ano a ano, desde o ingresso na Creche até o final do Ensino Médio”. Segundo o MEC, a Base Nacional Curricular Comum “é parte do Currículo e orienta a formulação do projeto Político-Pedagógico das escolas”. (http://basenacionalcomum.mec.gov.br/#/site/base/o-que)

Na lógica dos reformadores empresariais, a Base Nacional Curricular Comum possibilita afinar os mecanismos de controle pedagógico sobre a escola, articulando avaliações censitárias (como a Prova Brasil), o controle na formação de professores (como proposta pelo Exame Nacional do Magistério do Ensino Básico) e o controle da produção do material didático (que se dará em escala nacional). Por se tratar de um conjunto de objetivos educacionais obrigatórios em escala nacional, teremos uma base firme para os processos de avaliação e de responsabilização. Além de abrir um mercado muito maior para as grandes corporações de materiais didáticos faturarem.

A Base Nacional Curricular Comum se articulará com os mecanismos de controle via avaliação e financiamento. Como proposto pelo documento “Pátria educadora” da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, o acesso aos recursos federais fica condicionado ao desempenho dos alunos das escolas, que agora terão uma base nacional para parametrizar a avaliação. Assim, fortalece-se o controle sobre as escolas pelo incremento do controle curricular o do processo de responsabilização.

Nisso o próprio Enem poderá jogar um papel importante. Mesmo com todas as ressalvas feitas pelo INEP sobre o uso dos resultados do Enem por escolas (por se tratar de uma prova optativa), a formulação de uma Base Nacional Curricular Comum poderá significar um incremento para essa comparação. O Enem pode voltar a desempenhar sua velha função de avaliação (e não apenas de vestibular ampliado, como atualmente) visando o processo de responsabilização das escolas de ensino médio, agora medidas pela Base Nacional Curricular Comum e pelo Programa Ensino Médio Inovador.




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