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sexta-feira 19 de janeiro de 2018 | Edição do dia

FOTO: Yuruen Lerma e Brenda Hernández

O que pode definir uma pessoa? Há quem acredite que o humano já nasce com a personalidade definida, há aquele que pensa nas relações e situações como definidoras da personalidade e há também quem acredite nas duas proposições. Não é possível afirmar qual seria a resposta certa; muito provavelmente a resposta nem estará em meio a estas poucas palavras. Porém, podemos questionar tais proposições e discuti-las.

Afirmar que algo é indiscutivelmente certo, é limitar nossas visões e a nossa capacidade de raciocinar sobre o assunto. Olhamos ao redor e conseguimos notar a diversidade que nos rodeia: tanto de cultura, crenças, etnias, pensamentos… E enquanto existir essa diversidade, temos que aceitar que existem opiniões divergentes e que elas exigem respeito. A diversidade é ferida quando uma única pessoa possuir o poder de definir o que é verdade.

Esta introdução tem a finalidade de abrir uma discussão que foi calada neste ano: a discussão de gênero nas escolas. Em uma realidade em que as crianças e os adolescentes passam pelo menos 12 anos frequentando a escola diariamente, espera-se que os jovens de fato sejam educados. Porém, o problema está efetivamente no sistema educacional brasileiro: o modelo de educação do país acabou se consolidando de uma forma produtivista, ou seja, os alunos são preparados para o ingresso na divisão social do trabalho, de modo que a formação cidadã e o seu engajamento em movimentos coletivos que visem uma sociedade mais livre e igualitária, sejam deficientes.

Sendo educados desta maneira, os jovens crescem com uma visão um tanto “egoísta”, eles não foram preparados para pensar coletivamente; em um contexto em que o ensino é baseado em decorar dados de uma apostila e os alunos estão sujeitos a aceitarem as palavras dos professores como verdade, é bastante difícil colocar um assunto para debate, ainda mais quando se trata de algo que é considerado como norma geral: foi o caso que recentemente pudemos assistir no Brasil quando uma sugestão de meta educacional propunha o debate sobre sexualidade e gênero nas escolas. Nós sabemos que no Brasil a heteronormatividade é vista como regra e que o machismo muitas vezes é uma conduta natural e ao mesmo tempo temos dados que provam o quanto uma sociedade é prejudicada por essas concepções e comportamentos: a cada 27h um homossexual (LGBT) é morto no país por ser homossexual, 50 mil casos de estupros são contabilizados anualmente e 52.957 denúncias de agressão contra as mulheres são feitas por ano.

Apesar destes números assustadores, a falta de empatia para a promoção do debate sobre a questão de gênero é ainda mais estarrecedora: oito estados brasileiros já vetaram a discussão de gênero do plano educacional, sendo que apenas quatro estados mantiveram a meta e o restante dos estados não mencionam o debate no plano. A urgência do debate sobre sexualidade, gênero e discriminação nas escolas pode ser vista tanto nos números citados acima, mas também na necessidade de uma geração de jovens esclarecidos sobre o tema, para que cada vez mais estes números se tornem escassos em um futuro próximo.

O modelo de ensino consolidado no Brasil não tem atendido às exigências da atual sociedade. Seria então, de imensa importância a reformulação da educação brasileira para que este sistema produtivista de ensino não limite a capacidade de debate, reflexão e vivência em sociedade dos alunos. O ideal seria que os estudantes tivessem a oportunidade de estabelecer uma relação de igualdade e respeito com o seu professor, para que esse possa passar os seus conhecimentos de maneira a não restringir seus discentes apenas às suas informações, e também de forma a desenvolver a habilidade de debate e reflexão do aluno. Dessa forma a discussão de gênero, por exemplo, poderia ser possível.

Modelo de família

Um dos principais argumentos para vetar o debate sobre gênero nas escolas ainda é o medo da desconstrução do modelo tradicional da família brasileira (em que o casal é formado por uma mulher e um homem que devem seguir seus papéis sociais) pela “ideologia de gênero”. O termo ideologia é definido frequentemente como a transformação de uma ideia em um ideal generalizado: mas neste caso vemos uma utilização incomum da palavra “ideologia”, já que a discussão sobre a sexualidade, gênero e discriminação tem por objetivo acabar com a “ideologia de gênero”! Idealizar um gênero, significa defini-lo e caracteriza-lo, para a partir daí desejar que todos sigam essas concepções. Porém não é isso que o debate almeja. Então, podemos concluir duas coisas: as pessoas que acreditam e temem a “ideologia de gênero” ou temem a si próprias ou temem algo que não existe. No final das contas quem realmente idealiza algo, são as pessoas que acreditam que existe um formato tradicional de família que deve ser seguida.

Discutir gênero, sexualidade e discriminação é a forma que temos de sair da ignorância, abrir nossas mentes para garantir a diversidade e evitar os preconceitos normalmente gerados pelo desconhecido: por isso debater estes assuntos é também uma forma de respeito pelo próximo. Então, quem sabe uma pessoa já nasça com a personalidade definida, quem sabe ela seja construída ao longo da sua vida, um pouco de cada ou nada disso: o que realmente importa é garantir que as discussões se estabeleçam para que o mundo não se torne um lugar monocromático.

Vídeo produzido por Jennyfer e Verônica do curso de Comunicação e Multimeios

Colaboração de Verônica Kei




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