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TEORIA | Dialética e marxismo: Karl Korsch, filosofia e revolução

Continuamos com a série de Marxismo e Dialética com uma passagem pelas elaborações de Karl Korsch e suas polêmicas com os comunistas alemães e a III Internacional.

terça-feira 21 de fevereiro de 2017 | Edição do dia

Karl Korsch (1886-1961), jurista e combatente na Primeira Guerra Mundial, filiou-se ao Partido Socialista depois da guerra e logo em seguida ao Partido Comunista da Alemanha, do qual foi expulso em 1926. Em 1923 atuava como professor de direto na Universidade de Jena e como deputado comunista no parlamento alemão. Durante os meses de outubro e novembro desse ano foi Ministro da Justiça do efêmero "governo operário" da Turíngia, que se liquidou com o fracasso do chamado "Outubro alemão".

Em 1923 Korsch publicou sua obra mais conhecida: Marxismo e Filosofia. No final deste ano seria publicado também História e Consciência de Classe de Georg Lukács, o qual nos referimos no artigo anterior desta série. O livro de Korsch foi recebido pelos divulgadores da Terceira Internacional e pelo próprio Zinoviev (neste momento seu presidente) com a mesma hostilidade que o de Lukács.

Korch buscava repensar a relação entre o marxismo e a filosofia ao longo da história do marxismo, em termos distintos dos aceitos pelo pensamento "oficial" da Terceira (III) Internacional em via de burocratização.

Para o autor, depois de um período fundacional que termina com a derrota do proletariado em 1848, marcado pela unidade estreita entre a teoria e a prática, se abre um segundo período que vai até o final do século XIX e a Primeira Guerra Mundial, no qual o desenrolar do corpo teórico do marxismo, principalmente com O Capital e o posterior desenvolvimento da Socialdemocracia, levam os epígonos de Marx e Engels a uma separação entre ciência e política, em meio a um plano de fundo cientificista e positivista de uma época que dava por morta a filosofia. Sob a luz destes elementos, para Korsch, era muito diferente a posição "antifilosófica" do jovem Marx, a qual centrada em privilegiar a práxis sobre a filosofia idealista, ao mesmo tempo que se embasava na unidade da teoria e a luta revolucionária. O terceiro momento do desenvolvimento histórico do marxismo, encarnado no bolchevismo e na revolução russa, abre para o autor a possibilidade de voltar a pensar o marxismo como uma teoria integral da revolução e desde esse ponto de vista almeja a volta a uma relação mais direta entre teoria e prática revolucionárias. Neste contexto, Korsch destacava a necessidade de voltar a discutir a relação do marxismo e da filosofia como fundamento de uma concepção revolucionária.

Neste marco de revalorização da relação entre filosofia e marxismo nos termos de uma prática revolucionária, Korsch buscava também debater a questão da dialética, em alguns trechos de Marxismo e Filosofia e em outros artigos como "a dialética de Marx" (1923) e "Sobre a dialética materialista" (1924).

Neste primeiro trabalho, Korsch partia de considerar a dialética de Hegel em seu sentido mais amplo. Não somente como uma concepção filosófica relativa a uma série de leis lógicas, mas sim como uma filosofia que expressava o movimento de ascenso da burguesia como classe e tinha na ideia do Estado seu ponto máximo.

Neste contexto, destacava que a diferença entre a dialética de Hegel e a de Marx não poderia ser encarada em termos de uma mera "inversão" do mesmo método, ou seja, que as formas da dialética eram as mesmas, mas em Hegel se aplicavam ao pensamento e em Marx à matéria.

Pelo contrário, para Korsch a diferença elementar de ambas dialéticas consistia na diferença entre o movimento histórico da burguesia que tinha na propriedade privada e o Estado seu limite de classe e o movimento histórico do proletariado, que confrontava contra ambos e edificaria o comunismo. Em base a esta premissa, o método dialético se identificava com o método da luta de classes.

Em seu artigo "Sobre a dialética materialista", Korsch partia de destacar o programa de trabalho proposto por Lênin e a revista teórica soviética Sob a bandeira do marxismo, dirigida por Abraham Deborin. Em um discurso de 1922, conhecido como "Sobre o significado do materialismo militante", Lênin havia proposto, entre outras coisas, "organizar, desde o ponto de vista materialista, o estudo sistemático da dialética hegeliana que Marx aplicou concretamente, tanto no O Capital como em seus escritos históricos e políticos expressiva maestria".

Korsch assinalava que a diferença de Lênin no movimento comunista se concentrava em duas posições contrárias referentes ao tratamento materialista da questão da dialética. Uma, que poderíamos chamar de "cientificista" que Korsch identificava com a posição de Bukharin (cujas elaborações nos referiremos mais adiante nesta mesma série), a que considerava a filosofia como uma forma distorcida de compreensão da realidade, pertencente ao passado. Korsch questionava esta ideia por dois motivos. O primeiro, que a superação "definitiva" da filosofia como modo de compreensão da realidade somente poderia ser pensada com a superação da sociedade de classes e o comunismo. O segundo, que esta postura antifilosófica, vinha acompanhada de uma reivindicação mais ou menos acrítica do método científico entendido como um método histórico-positivo, que segundo Korsch era precisamente o modo propriamente burguês de apropriação teórica da realidade.

A segunda posição criticada por Korsch era aquela que destacava a importância da dialética hegeliana para a compreensão do pensamento de Marx e a reivindicação de que Marx a havia posto "sobre seus pés", sem identificar claramente que diferenciava a dialética hegeliana da marxista. Identificava como representante desta posição August Thalheimer que teve um artigo intitulado "Sobre o objeto da dialética" publicado em maio de 1923 na revista Die Internationale. Neste artigo, Thalheimer partia de uma ideia elaborada por Franz Mehring sobre que não se poderia discutir a dialética em abstrato, mas sim em estreita relação com seu objeto. Neste contexto, reivindicava Hegel por "assinalar a conexão interna, sistemática, universal das categorias do pensamento" e reivindicava para o marxismo a mesma tarefa, mas sobre a base de uma concepção materialista, ou seja, que em vez de ir do pensamento para a realidade, ir da realidade ao pensamento.

Korsch defendia que esta posição não era dialética ou melhor dizendo, que tanto analisava a questão da dialética que ficava na concepção idealista de Hegel e não buscava penetrar na especificidade da dialética marxista.

Se a dialética era inseparável de seu objeto, segundo Korsch a relação entre a dialética hegeliana e a marxista não poderia se reduzir a uma simples inversão do idealismo em termos ontológicos (primazia do ser sobre a consciência), mantendo o método "lógico" sem alterações, mas era necessário descobrir a dialética especificamente marxista conhecendo por sua vez o objeto próprio do marxismo: a práxis revolucionária. Neste trabalho Korsch retomava os elementos propostos em Marxismo e Filosofia como em seu artigo "A dialética de Marx".

Neste contexto, a conclusão de Korsch era categórica: "A ’dialética materialista’ do proletariado não pode ser transmitida de uma maneira abstrata, nem se quer com a ajuda de pretensiosos exemplos, como uma ’ciência’ particular que tem um ’objeto’ próprio. Somente pode ser aplicada concretamente na prática da revolução proletária e em uma teoria que é parte integrante, imanente, desta prática revolucionária".

O argumento de Korsch era atrativo porque a dialética deixava de ser um método de pensamento para se constituir na forma do movimento histórico revolucionário da classe trabalhadora. Deste modo, a dialética como método era inseparável da primazia da práxis defendida por Marx em suas Teses sobre Feuerbach.

Sobre o prisma metodológico, o argumento de Korsch é também expressivamente considerável: a dialética de Hegel se diferencia da de Marx porque em Hegel a forma do movimento dialético é revestida de um caráter de "reconciliação" e o processo de superação das contradições se constitui como um progresso mais ou menos constante desde onde há saltos de qualidade, mas não exatamente rupturas. Em Marx, o movimento dialético é revestido na forma de uma ruptura. Esta diferença se expressa sobre o todo no que se refere a compreensão da história. Em outros planos, como a crítica da economia política, Marx utiliza a dialética para trazer a tona o modo específico da exploração capitalista, o fenômeno do fetichismo da mercadoria e as leis tendenciais que regem a economia capitalista. Por outro lado, o próprio Marx nunca desenvolveu uma expressão sistemática da dialética separada de conteúdos concretos. Por último, a concepção marxista da práxis supõe uma relação dialética entre a ação revolucionária e o pensamento em termos elaborados por Korsch.

Como ponto débil da argumentação de Korsch, podemos destacar que a identificação do método dialético com o método de luta de classes e a ênfase dada pelo autor a importância de rediscutir a questão filosófica no marxismo, vão acompanhadas de uma sobrevalorização das implicâncias políticas imediatas da questão.

Neste contexto, em seu posterior trabalho Anticrítica (1930) Korsch terminaria identificando o pensamento de Lênin com o da Socialdemocracia, atribuindo a Lênin uma concepção materialista vulgar da dialética, contra a interpretação que o próprio Korsch havia construído anteriormente.




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