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GUERRA DAS VACINAS | Desindustrialização, quebra das patentes e a importância de um programa antiimperialista

Recentemente o debate sobre a quebra das patentes referentes às vacinas da Covid-19 vem ganhando evidência tanto no Brasil como internacionalmente, já que outros países como a Índia vivem situações de catástrofe capitalista. Frente a possibilidade de irromperem novos processos de revolta como agora na Colômbia e também do prejuízo a setores graúdos dos capitalistas por paralisarem atividades das cadeias produtivas internacionalmente, Biden e seu gabinete declaram que defenderão a quebra das patentes na OMC. Mas essa medida, isolada de um programa anticapitalista, está longe de resolver o problema da vacinação que se aprofunda.

João SallesEstudante de História da Universidade de São Paulo - USP

sexta-feira 7 de maio de 2021 | Edição do dia

Foto: Ana Paula Paiva/Valor

A dinâmica da vacinação tem se tornado um elemento decisivo dentro das disputas geopolíticas no marco da crise capitalista que tem se aprofundado em suas tendências recessivas com a pandemia. A relação entre as potências imperialistas e os países dependentes e semicoloniais tem sofrido abalos profundos. A combinação de taxas elevadas de morte da população, desemprego e queda da taxa de lucro pela interrupção de atividades econômicas tem gestado verdadeiros barris de pólvora pelo mundo todo, com cenários chocantes tais quais se encontram Brasil e Índia nesse momento. E que inclusive explodem em diversos lugares como a recente revolta operária e popular da Colômbia que soou o alerta de Bolsonaro e de toda a direita na América latina.

Veja aqui: A explosão da luta de classes na Colômbia é um alerta a Bolsonaro e à direita regional

A verdade é que as potências imperialistas têm adotado uma política criminosa em criar as condições para uma escassez generalizada dos imunizantes pelo mundo. Apoiados nas patentes das vacinas e medicamentos, que por garantir o monopólio da produção também garantem que sejam as grandes farmacêuticas a ditarem a distribuição pelo mundo, esses países e seus governos têm acumulado uma quantidade de doses muitas vezes superior ao necessário para imunizar sua população. Ou casos como os EUA que retém 60 milhões de doses que sequer podem ser aplicadas.

Isso tem por um lado se transposto para o terreno das disputas geopolíticas, especialmente entre EUA e China, bem como tem servido para escancarar o nível de desigualdade e de opressão dos países imperialistas com o restante do mundo subjugado. Para termos noção a Índia é um dos maiores produtores mundiais de vacina e pela Serum Institute of India (SII) já forneceu mais de 28 milhões de doses da vacina AztraZeneca/Oxford para o mercado, enquanto cerca de apenas 15 milhões (pouco mais de 1% de sua população) foi completamente imunizada. As vacinas produzidas na Índia que colapsa estão sendo surrupiadas pelo imperialismo.

No Brasil o cenário também é chocante. O país ultrapassa a marca dos 412 mil mortos oficiais, fruto do negacionismo de Bolsonaro e da demagogia dos governadores, deputados, senadores e juízes do STF. Houve de fato uma clivagem na política que fez Bolsonaro retroceder de seu discurso negacionista e encampar, em discurso, a vacinação massiva como bandeira em um novo pacto nacional com os poderes da República do Golpe, além de avançar na privatização da vacina para melhor atender aos interesses capitalistas.

Mas ainda sim o país patina na vacinação, que a seus lentos passos atingiu a marca recente de 48.595.544 de doses aplicadas, sendo que apenas 16.279.037 de pessoas receberam as duas doses (cerca de 7,69% da população do país). Diante de um cenário tão absurdo, setores dos próprios capitalistas têm levantado a necessidade da quebra das patentes para que se avançasse a imunização no país e um projeto de lei foi recentemente aprovado no Senado para “facilitar” as licitações. O projeto, contestado por Bolsonaro, agora vai à Câmara dos Deputados, mas seu presidente e aliado do governo Arthur Lira (PP-AL) já declarou que “nem vai olhar” o projeto, que está com tudo para ser engavetado.

Com essa nova declaração de apoio a negociar a quebra de patentes feito por Biden se reatualizam as discussões em torno da medida e certamente pressionam o Bolsonaro que se vê cada vez mais isolado, mas somente a quebra das patentes nos limites dos interesses capitalistas é capaz de reverter a catástrofe capitalista da pandemia?

A desindustrialização do país e o problema da transferência de tecnologias

Em editorial recente, a Folha de São Paulo definiu como uma “aposta equivocada” a questão da quebra das patentes, em suma, por se tratar de uma medida incipiente se observado o cenário da falta de tecnologias necessárias para produção das vacinas. Bem, se por um lado é verdade que a falta de tecnologias é hoje um obstáculo concreto para produção e distribuição massivas das vacinas, sem a quebra das patentes o monopólio seguirá nas mãos das grandes farmacêuticas.

Mas voltemos um pouco no tempo e façamos um breve panorama da desindustrialização no país, em especial no tocante aos setores químicos e farmoquímicos.

Segundo estudo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI) de 1970 até hoje o Brasil é o terceiro país que mais se desindustrializou no mundo dos 30 analisados, um dado muito relevante para pensarmos como chegamos até essa situação onde faltam os insumos mais básicos como EPIs e álcool gel nos hospitais, até mesmo bens de alta tecnologia como as vacinas. De 1980 até 2018, a participação da indústria de transformação no país caiu de 27% para 11%, mais de 10 pontos percentuais e que se aprofunda a tendência com o governo de Bolsonaro e seu projeto de transformar o Brasil no grande celeiro do mundo. A produção de equipamentos e materiais médico-hospitalares em 2018 foi equivalente a menos de 1% (0,83) da produção industrial no país, enquanto as importações somaram mais de 6 vezes esse valor, gerando um déficit de 2,5 bilhões ao setor.

Durante a abertura econômica neoliberal do governo Collor se intensificou a reestruturação do pátio industrial farmacêutico. Em 1980 o Brasil produzia entre 50 e 55% dos insumos consumidos internamente para produção de imunizantes e medicamentos, setor que concentra as patentes de tecnologia e expertise necessários para suprir a especialização das cadeias produtivas do setor farmacêutico. Ao mesmo tempo se ampliou o investimento (estrangeiro especialmente) para a produção dos medicamentos. O resultado que vemos hoje é de um aprofundamento da dependência da importação de insumos e tecnologias necessárias para a produção de medicamentos no país, consequentemente aumentando a subordinação dos rumos da indústria aos interesses do capital imperialista das farmacêuticas detentoras das patentes. Hoje, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria de Insumos Farmacêuticos, o Brasil produz somente 5% dos insumos necessários para suprir a demanda interna de medicamentos.

Isso está inscrito num marco geral de desindustrialização. Informações da Comtrade (2020) apontam que a tendência da exportação anda ligada com a produção no país e bens não-manufaturados ou de baixa-tecnologia representam 81% de toda exportação. Aqui estão os setores representados por Bolsonaro e Ricardo Salles, Ministro do Meio Ambiente, do extrativismo desenfreado, das madeireiras, do agronegócio e da mineração predatórios. Enquanto 60% da importação do país são de produtos de média e alta tecnologia. Aqui, mais uma vez, a representação gráfica da dependência estrutural da nossa economia e dos traços semi-coloniais (latifúndio em particular) que se aprofundam desde o golpe institucional em 2016.

Mas é importante vermos que esse processo, ainda que tenha se aprofundado após o golpe institucional e especialmente sob a égide de Bolsonaro, não se iniciou a 5 anos atrás. Isso é crucial para entendermos quem são os agentes da criação das condições de submissão do nosso país aos interesses imperialistas e que hoje cobram um preço de mais de 400 mil mortos pela pandemia no país. Os mesmos setores do Centrão no Congresso que hoje articulam a CPI da Covid para desgastar eleitoralmente Bolsonaro foram e são responsáveis. Aprovaram as medidas de desindustrialização, a entrega das riquezas aos interesses imperialistas e a precarização da saúde com sucateamento do SUS e corte de verbas e investimentos em pesquisa e produção desse setor essencial. Não é mero detalhe que inclusive durante os anos de governo federal do PT, com Lula e Dilma, os índices de desindustrialização seguiram avançando, fortaleceram o agronegócio e o caráter atrasado da matriz econômica com sua política de conciliação de classes, setores esses que hoje são sustentáculo firma de Bolsonaro no poder.

Veja Também: Para onde vai a CPI da Covid?

Podemos concluir portanto que o país sofreu um grande impacto da desindustrialização, levada a frente pelos setores do Centrão, com aval do STF e fruto da política de governo do próprio PT. Essas tendências se aprofundam após o golpe institucional e a eleição de Bolsonaro e o país está cada vez mais dependente em sua economia da importação de bens de alta complexidade com patentes imperialistas e de suas características semi-coloniais de agro-exportação. Um cenário que contribui para a escassez de insumos e vacinas no combate à pandemia e que é um projeto nefasto dos capitalistas aqui, subordinados aos interesses do imperialismo. Não conseguimos disputar nos lances do mercado internacional por insumos e vacinas, ao mesmo tempo em que não temos capacidade produtiva sem importação de insumos. A receita da catástrofe.

A importância de um programa anticapitalista e antiimperialista dos trabalhadores e oprimidos.

Portanto, por um lado é verdade que somente a quebra das patentes das vacinas e medicamentos não é o suficiente para reverter o cenário de vacinação lenta e mortes aos montes. Até mesmo se tratando da política demagógica de Biden agora ao se pronunciar favorável a negociar, em seus termos, quebra das patentes na OMC, que ao limitarem o acesso dos laboratórios às tecnologias necessárias para produção das vacinas mantém sua dominação imperialista no ramo farmacêutico.

Sem as tecnologias seria necessário que os laboratórios operassem engenharias reversas nos medicamentos para desvendar os segredos industriais necessários para produção das vacinas e medicamentos, processo esse que poderia durar meses ou até mesmo anos, e um dispêndio de recursos humanos e financeiros que poderiam ser usados para aumentar a produção e distribuição de imunizantes.

É justamente por isso que é preciso encarar a batalha por um programa emergencial da classe trabalhadora em combate a pandemia em sua dinâmica mundial articulada a um programa que ataque os lucros dos capitalistas e que busque superar a dependência dos rumos do país aos interesses imperialistas. É urgente a unificação da demanda dos trabalhadores em seus mais diversos países exigindo a transferência imediata das tecnologias de todos os laboratórios que já produzem vacinas, tornando públicos a todo mundo suas pesquisas, procedimentos, métodos e resultados sem qualquer tipo de indenização.

Um programa que levante a vacinação imediata de toda a população com a quebra das patentes e dos monopólios das farmacêuticas sem qualquer tipo de indenização, questão que Biden se opõe ao deixar claro que vai buscar negociar os termos do acordo na OMC buscando a garantia do pagamento de royalties às empresas e capitalistas.
Um programa que busque também responder aos processos de desindustrialização em curso, combinada a uma intervenção estatal em todas essas empresas e laboratórios para colocá-los sob controle dos trabalhadores da saúde, juntamente com um processo de reconversão da indústria no país para que coloque, sob controle dos trabalhadores, as plantas ociosas para produção de equipamentos e materiais hospitalares como leitos de UTI, respiradores, etc.

Esse programa independente necessariamente se enfrenta com os interesses de Biden, diferentemente do PT e de Lula que buscam colocar o democrata imperialista como arauto da democracia no mundo. Um programa que só pode ser imposto com a força da nossa luta e mobilização tal qual os trabalhadores e a juventude na Colômbia contra seu governo direitista, um programa conquistado a partir da auto-organização dos trabalhadores e dos setores oprimidos que mais sofrem com a pandemia e o capitalismo no país e que não podem esperar as eleições de 2022 para obter uma resposta às suas reivindicação e que questione o conjunto do regime do golpe no país.

- Fora Bolsonaro, Mourão e os militares!

- Sem qualquer confiança nos governadores, STF e Centrão!




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