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ESTADO ESPANHOL | De fundar o Podemos, a abandoná-lo sem balanço: para onde vai o Anticapitalistas?

Pablo Iglesias e Teresa Rodríguez encenam em vídeo um “divórcio amigável”. Os Anticapitalistas deixam o Podemos, depois de seis anos sustentando este projeto político reformista como um de seus principais fundadores.

quinta-feira 20 de fevereiro de 2020 | Edição do dia

A integração do Podemos no governo social liberal do PSOE precipita a ruptura com sua principal corrente de oposição interna, que já havia começado a retirada em diversos territórios. “Na política e na vida, os caminhos as vezes se separam. Obrigada Teresa e obrigada a todos por sua lealdade. Obrigada por nos ajudarem a fazer isso com maturidade. Este adeus é um até logo. Em espaços diferentes, nos encontraremos defendendo a justiça social. Boa sorte”, disse Iglesias no vídeo, junto a Teresa Rodríguez, em que anunciam a retirada de Anticapitalistas de Andaluzia.

Enquanto Pablo Iglesias se prepara para renovar a direção de Podemos na Assembleias Vistalegre III, que se dará em março, no marco da sua integração completa ao Regime como parte do gabinete de ministros do Governo, o Anticapitalistas já antecipou que não apresentará listas, candidatos ou documentos nesta instancia. Uma decisão que preanunciava sua saída definitiva do Podemos.

Anticapitalistas já havia se retirado parcialmente em diversos territórios como Madrid, Catalunha ou Galiza, mas ainda se mantinham dentro da organização em outros como Extremadura e especialmente Andaluzia. É justamente na comunidade mais populosa do Estado, onde os “ancapis” chegaram a maior responsabilidade e integração dentro do Podemos. Dois de seus principais referenciais políticos, Teresa Rodríguez e José Maria Gonzales “Kichi”, são ao mesmo tempo as principais figuras públicas de Podemos em Andaluzia. A primeira como secretária geral, o segundo como prefeito de Cádiz.

Teresa Rodriguez há tempos vinha exigindo uma cota maior de “autonomia política” dentro do Podemos, um estatuto mais parecido ao dos Comunes de Catalunha. Porém, Pablo Iglesias sempre negou entregar um território tão importante como Andaluzia, assim as tensões eram constantes, mesmo que sempre no marco de apoios mútuos e acordos. Lembremos que dias antes das eleições do 10N, Teresa Rodriguez assegurava em um ato da campanha que Andaluzia precisava que Pablo Iglesias fosse o “presidente do Governo deste país” e que o líder do Podemos era o “depósito de nossas esperanças para o próximo 10N”.

Finalmente, o grupo parlamentarista de “Adelante Andaluzia” se manterá integrado no Podemos, Izquierda Unida e previsivelmente também por Anticapitalistas, como já saiu dizendo o coordenador geral de IU Andaluzia e porta-voz da Adelante Andaluzia, Toni Valero, estendendo a mão para Teresa Rodriguez. Enquanto Izquierda Unida e o PCE apostam em aprofundar sua aliança com Podemos, acomodados com sua integração –com ministros incluídos- no Governo de coalizão com o PSOE, para os “anticapis” não pareceu ser inconveniente seguir sendo parte de uma coalizão com ambas as formações em escala andaluza. Não é por acaso que a “ruptura” foi tão amigável.

Ministros em um governo imperialista: uma questão tática ou um problema de princípios?

A integração de Podemos como parte do governo de coalizão com os social liberais do PSOE esteve sendo o principal argumento do Anticapitalistas para explicar sua saída. Desde quando Anticapitalistas eram a favor de uma investidura “a lá portuguesa”, onde Podemos dá apoio parlamentar ao PSOE, o necessário para formar governo, mas mantendo-se por fora.
Em um artigo publicado em Viento Sur, Daniel Albarracín do Anticapitalistas faz uma avaliação da situação política e do novo governo, sustentando que “é completamente legítimo entrar em um governo como uma via” de “contribuir para tornar mais eficaz a parte acordada nas áreas de governo reservadas”. Entretanto, neste caso, a entrada de Unidas Podemos a um governo com hegemonia socialista é considerada um “grave erro”.

Nestas palavras se concentra boa parte da concepção política pela qual Anticapitalistas se adaptaram ao neorreformismo espanhol. Ingressar em um governo (assim, no geral, sem adjetivos de natureza de classe, como se tal coisa existisse), não seria um problema. Mas fazê-lo sendo minoria, como é o caso da entrada de Podemos e IU com 5 ministros no governo imperialista espanhol, isso é um “grave erro”. Para dizer de outra forma, é um erro tático, não uma questão de princípios de classe.

Deste modo, ainda que tenha que oposto ao ingresso de UP no governo –defendendo em troca um acordo de investidura com uma serie de pontos programáticos-, Anticapitalistas justifica ter sido parte de Podemos até agora. Porém, não ter tido nenhum inconveniente em o ser durante os últimos cinco anos, nos quais Podemos formava governos nas prefeituras e principais cidades do Estado como Barcelona, Madrid, Zaragoza –com o apoio do PSOE- ou até Cádiz –que eles mesmos encabeçam-, e inclusive integrava governos autônomos em coalizão com os “barões” socialistas, como na Castilla-La Mancha.

Esta posição, que Anticapitalistas supostamente defende contra o “sectarismo”, é totalmente contrária à teoria e a tradição do marxismo revolucionário. Desde os finais do século XIX, Rosa Luxemburgo, Lenin e Trotsky combateram contra o que definiram como “ministerialismo”, uma prática oportunista de um setor da socialdemocracia que entrava com ministros em governos burgueses.

Para os marxistas, entrar em um governo capitalista não se trata de uma questão tática, mas de princípios. Como já explicou Rosa Luxemburgo, o ministro socialista que ingressa em um Estado capitalista não muda o caráter desse Estado –que não se transforma em socialista-, o ministro socialista se transforma em um ministro burguês.

Porém, além disso, o governo de coalizão PSOE-Podemos não é apenas um governo capitalista, como um governo de uma das principais potencias imperialistas da Europa. Como explicou Marx, o governo do estado capitalista moderno é uma “reunião para administrar os negócios comuns da burguesia”, neste caso se trata nada menos que de gerir e defender os interesses das multinacionais espanholas, responsáveis do saque e da exploração em dezenas de países da América Latina ou África; de um Estado que é parte da OTAN e da EU da capital, que mantem tropas em missões imperialistas como em Mari, Afeganistão ou Iraque, e que dá autorização aos EUA para manter bases militares no território espanhol.

Anticapitalistas não considerarem a entrada dos ministros de Unidas Podemos no governo de coalizão com o PSOE um problema de princípios, não é apenas uma ruptura com a tradição do marxismo revolucionário. É um salto em sua adaptação ao próprio regime capitalista. Mais um exemplo dos caminhos aos quais leva a concepção política de que não há problema algum em realizar alianças estratégicas entre reformistas e revolucionários, como a que Anticapitalistas levou a cabo com a fundação do Podemos.

Uma tradição política oportunista

Esta posição não deveria nos surpreender. Anticapitalistas é a seção espanhola da corrente internacional conhecida como o “Secretariado Unificado”, historicamente orientada pelo marxista belga Ernest Mandel e uma das tendências centristas que surgiram da ruptura da Quarta Internacional na segunda pós-guerra. Sobre a questão do ministerialismo dentro do movimento trotskista, um caso paradigmático foi justamente o de Migual Rossetto, um dos referentes da tendência Democracia Socialista, uma corrente interna do PT e ex-integrante do Secretariado Unificado no Brasil. Desde o ano 2003 até 2016, Rossetto ocupou o cargo de Ministro de Desenvolvimento Agrário –e depois de Trabalho- nos governos de Lula da Silva e Dilma Rousseff, em um país com um forte movimento campesino que foi reprimido em múltiplas oportunidades pelo mesmo governo que representava Rossetto. Junto a ele, muitos outros militantes de sua corrente também ocuparam diversos cargos de segunda e terceira ordem no governo do Brasil. O grupo Democracia Socialista rompeu com o SU no ano de 2005, mas antes de sua ruptura não houve nenhum questionamento sério ao ingresso de um dos principais dirigentes da sua então corrente no Brasil como ministro do governo de Lula. Pelo contrário, sua participação foi vista então como uma grande vitória para os socialistas revolucionários.

Se o caso de Rossetto gerou polêmica, o SU iria muito mais longe em anos mais recentes. Na Grécia, uma das correntes referenciadas no SU como DEA se manteve dentro do Syriza como parte da “Plataforma de Esquerda” –que chegou a constituir 30% da organização- quando Alexis Tsipras chegou ao governo e entregou o povo grego frente a Troika. Em troca, a seção oficial do SU na Grécia, o grupo OKDE, manteve uma posição de independência política frente ao Syriza, impulsionando a coalizão de esquerda anticapitalista “Antarsya” junto a outros grupos políticos à esquerda do governo.

Foi um mês depois da histórica capitulação do Syriza frente a Troika, no verão de 2015, quando os militantes do SU centro do Syriza se separaram dessa organização e lançaram um novo partido, “Unidade Popular”. Ou seja, foram chave para a formação do Syriza, em gerar ilusões que com um governo “antineoliberal” poderia se frear a Troika, sustentaram o governo em seus primeiros meses e romperam apenas quando o desastre estava instaurado. No momento da ruptura ainda levantaram a ideia de “voltar para o Syriza original”, ou seja, repetir o mesmo caminho que levou à maior tragédia do povo grego nos últimos anos, sem a menor autocritica sobre a sua responsabilidade política, tendo sido parte da direção do Syriza e do seu governo.

Finalmente, no ano de 2019, quando Syriza perdeu as eleições para a direita conservadora, desde o SU sustentaram que isto era a consequência de “uma sociedade esgotada por um governo de Syriza que pavimentou o caminho à Nova Democracia”, mas sobre sua responsabilidade em ter criado o Frankenstein Syriza, que abriu caminho à direita.

Um caso mais recente é o do governo de Portugal. Neste caso, os militantes da mesma corrente que integra Anticapitalistas são parte do Bloco de Esquerda, que ainda não é parte do governo de Antonio Costa, o sustenta “desde fora” mediante os mecanismos de um regime parlamentarista. O apoio do Bloco ao governo português não apenas se manteve ao longo dos últimos quatro anos, como se renovou no outubro passado, iniciando uma nova legislatura. O governo de Costa enfrentou numerosas greves operárias, em vários casos respondeu com a militarização para quebrá-las, e de conjunto aplica um programa social liberal. Ainda assim, o Bloco reiterou seu apoio ao governo socialdemocrata português, longe de qualquer política de independência de classe.

Um balanço autocomplacente para seguir defendendo uma estratégia equivocada

Tudo indica que Anticapitalistas terminará saindo completamente do Podemos nos próximos dias, resolvendo assim a situação de estar com uma “pata dentro e outra fora” como esteve até agora. Entretanto, o faz sem um balanço autocritico de sua responsabilidade de ter criado o “monstro” que é o Podemos, nem a das condições em que se separam dele.

Depois da crise capitalista de 2008, no meio do ciclo aberto pelo 15M e as marés, Anticapitalistas considerou que a maneira de não cair na irrelevância sectária seria construir um partido comum com reformistas e populistas de esquerda e fundar Podemos. Em geral, sua visão é um balanço positivo dos inícios deste processo e o problema parece reduzir-se a que Pablo Iglesias tomou o controle de Podemos de forma centralizada e burocrática, abandonando o “espirito original” da formação.
Este relato, entretanto, oculta o elemento político fundamental: que Podemos começou sobre a base de um programa abertamente reformista e com a estratégia de ocupar estados eleitorais e conquistas posições nas instituições da democracia capitalista por meio de figuras reconhecidas, o recurso da “videopolítica” e mecanismos plebiscitários para a tomada de decisões, algo que Anticapitalistas endossou desde o início. O completo contrário de construir uma organização com um programa revolucionário para “superar radicalmente” o sistema capitalista.
Voltando à experiência grega, esta resulta muito educativa para pensar o balanço de Podemos e o papel de Anticapitalistas, porque mostrou o fracasso rotundo da estratégia de ser “alas esquerdas” do neorreformismo, que no caso do Syriza, como dizíamos, chegou a representar 30% da organização, mas desde 2015 teve reduzida para uma mínima expressão. A conformação posterior de “Unidade Popular”, encabeçada por 25 deputados, deixou plasmada sua impotência: nas eleições, ficando fora do parlamento heleno.

No caso de Anticapitalistas, depois de seis anos, no "must" e no "have" parece que todo o ganho foi obtido por Pablo Iglesias, que alcançou seu objetivo de ser a "nova" esquerda do regime, enquanto os anticapitalistas deixam o Podemos com algumas figuras públicas, mas sem ter contribuído significativamente para o desenvolvimento de uma força militante da classe trabalhadora e da juventude que possa criar uma perspectiva para a esquerda revolucionária no Estado espanhol frente ao fracasso do neorreformismo.

De nossa parte, questionamos não apenas a hipótese Podemos de conjunto, mas também criticamos muito a participação do Anticapitalistas: sua adaptação, as concessões ao aparato ao acordar posições dentro do partido, bem como sua atitude conciliadora em relação aos zig zags permanentes, cada vez mais para à direita. Questionamos especialmente sua participação na administração da Prefeitura de Cádiz por sua adaptação passiva e reformista ao regime burguês, em vez de tentar apontar a classe trabalhadora a cada passo - ao mesmo tempo em que fazia o possível em defesa de seus interesses- que, sem a conquista do poder do Estado, a política municipal é impotente.

O salto qualitativo que implicava a integração do Podemos no governo imperialista espanhol levantou um dilema para o Anticapitalistas: continuar subordinado a uma formação que de fato forjou uma nova "casta" de esquerda, cujo centro de gravidade é o parlamentarismo e, agora, o "ministerialismo"; ou romper com o Podemos, tirar lições e apostar na construção de uma alternativa anticapitalista e revolucionária independente, baseada na luta de classes. A dinâmica está voltada para o rompimento, mas o equilíbrio e a perspectiva política não terminam com a sua adaptação ao neorreformismo.

Depois do Podemos: o que?

Anticapitalistas conclui um ciclo. De ser a organização fundadora do Podemos, a se retirar quando sua própria criação terminou, exercendo o triste papel de salva-vidas do Regime de 78.

Assim, diante desse novo cenário, abre-se uma questão fundamental: qual projeto político para a esquerda, à esquerda do governo de coalizão? Por parte dos anticapitalistas, já temos algumas pistas e elas não são muito auspiciosas. Teresa Rodríguez, na Andaluzia, deixou claro que está comprometida com um partido do tipo andaluzista e uma ampla confluência com o Podemos e o IU, ou seja, uma nova “frente ampla” com um programa reformista, mas com o espírito do Podemos “das origens”.

Após a experiência do Podemos, é necessário tirar conclusões e não marcar o passo no mesmo local. Diante de um governo que promete manter as políticas neoliberais da UE e que gerará profundas decepções, não há tempo a perder para construir uma alternativa política anticapitalista, anti-regime e de independência de classe, isto é, revolucionária. Com esse sentido estratégico deste a CRT e o Izquierda Diario, com nossas humildes forças, e desde as últimas eleições do 28ª e novamente no 10N, propusemos que as forças que afirmam ser anticapitalistas, começando pela CUP e Anticapitalistas, tivessem a oportunidade (e a responsabilidade) de avançar na criação de uma frente da esquerda anticapitalista e de independência de classe em todo o Estado, promovendo a auto-organização e a mobilização social. A saída do Anticapitalistas do Podemos deve ser um ponto de partida nessa direção e não a reconstrução de um projeto político que demonstrou sua falência.

A experiência da Frente de Esquerda e dos Trabalhadores – Unidade, da qual participaram nossos companheiros e companheiras do Partido dos Trabalhadores Socialistas (PTS) da Argentina, neste sentido um exemplo a seguir. Uma frente de independência de classe e socialista que sustenta a perspectiva de um governo de trabalhadores de ruptura com o capitalismo e que colocou cada uma de suas conquistas nas instituições da democracia capitalista para desenvolver agitação extraparlamentar e luta de classes, preparando-se para cenários como os que já começamos a ver na América Latina.

Às portas de uma nova recessão econômica internacional e quando um novo ciclo de luta de classes começa a se desenvolver internacionalmente, como começamos a ver na França, Chile, Equador ou Hong Kong, o que é necessário é uma maior audácia para implantar uma estratégia que enfrente os poderes factuais do regime capitalista. Para isso, é necessário construir e organizar uma força material hegemônica a partir dos principais combates e processos organizacionais da classe trabalhadora - bem como da juventude e do movimento das mulheres - desenvolvendo frações revolucionárias no seu interior, através da articulação de diferentes métodos e formas de luta (ação parlamentar e extraparlamentar, combate às burocracias sindicais, Frente Única dos Trabalhadores, etc.). Esse é o desafio que temos pela frente. Apostar na construção não de uma “alternativa política” qualquer, mas de uma esquerda revolucionária, que lute pelo governo dos trabalhadores e contra o regime capitalista; que desmascare as armadilhas daqueles que, como Podemos no governo, estão levando a frente novos “compromissos históricos” para salvá-lo.

Aqueles de nós que lutam por essa perspectiva têm a responsabilidade de abrir uma reflexão ousadamente, convocando assembleias ou comitês comuns de todos os setores da esquerda rupturista e do ativismo operário, dos jovens e do movimento de mulheres, com o objetivo de superar a bancarrota das variantes neorreformistas que apenas abriram o caminho para a direita e para a extrema




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