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DIA DA VISIBILIDADE LÉSBICA | Da escola ao consultório: os preconceitos na vida das lésbicas

A lesbofobia do dia-a-dia aos olhos de uma LGBT

sábado 29 de agosto de 2015 | 01:13

Na primeira vez em que fui ao ginecologista, eu tinha 17 anos. Estava com uma infecção urinária forte, então não tinha muita escolha. Logo quando entrei, começaram as perguntas: “É ativa sexualmente?”, eu respondi que sim e ela logo me perguntou qual o anticoncepcional que eu usava. Respondi que nenhum. Indignada, ela questionou “Mas nenhum?”, disse novamente que não usava nenhum anticoncepcional e adicionei a informação que determinava o porque de não usar anticoncepcionais, “Sou lésbica.” Imediatamente, a médica me respondeu “Ah, então você nunca transou?”. Muito sem graça, respondi: “Eu sou lésbica, eu transo com mulheres.” E como se fosse a coisa mais lógica frente à informação de que eu transava com mulheres, ela me disse “Entendi. Tá bom então. Então também temos que fazer o exame de HIV”. Essa é só uma das conversas bizarras que já tive com médicos. Cada vez que vou ao médico, acontece um constrangimento diferente.

Conheço mulheres lésbicas que nunca vão ao ginecologista. O constrangimento e a lesbofobia são demais para digerir, então escolhem não ir. Entre mulheres heterossexuais, já existe uma falta de informação sobre doenças sexualmente transmitidas, imagine só entre lésbicas. Muitas pensam inclusive que não é possível contrair DSTs entre mulheres. A falta de informação não é uma dificuldade só entre as lésbicas. A falta de preparação entre os médicos, que na maioria das situações não sabem nada sobre as lésbicas, é a realidade que as mulheres lésbicas têm de enfrentar todos os dias na hora de cuidar da sua saúde. Um bom exemplo é que praticamente não existem estudos sobre lésbicas, tanto na Medicina, quanto em outras áreas.

Quando discutimos a invisibilidade das lésbicas, não falamos somente no tratamento de um médico com uma lésbica, mas na escassez de estudos e recursos para nós. Isso também quer dizer que nossas médicas, professoras e assistentes sociais não estão preparadas para nos ajudar porque não têm formação para fazê-lo, nem acesso às informações necessárias.

No nosso dia-a-dia, vivemos a lesbofobia constantemente, nas ruas é especialmente visível. Já é comum que homens digam besteiras para mulheres nas ruas, imagine só para duas mulheres de mãos dadas. São muitos olhares e comentários constrangedores. Os homens te xavecam e quando percebem que não vai rolar, os xavecos se transformam em ameaças e insultos. Às vezes essas ameaças e insultos se tornam violência fisica e estupros. E todas nós vivemos com medo disso.

Existem muitos preconceitos sobre lésbicas, ou somos hiperssexualizadas, ou não temos compreensão do que realmente é sexo. Esses preconceitos se manifestam no trabalho e, no meu caso, já me custaram o emprego. Já fui demitida de um emprego de conselheira de calouros, quando eu tinha 20 anos e os calouros, entre 17 e 18, porque diziam que eu estava dando em cima das meninas. Quando perguntei quais seriam as provas disso, me disseram que “dava pra perceber”. Ou seja, sem ter feito nada ou dito nada de inapropriado, fui mandada embora.

Nunca dei em cima dos calouros, era apenas amigável, o que era parte do meu trabalho. Me mandar embora pelo simples fato de conversar com outras mulheres é completamente absurdo, principalmente se comparado com o assédio de homens héteros a mulheres e não são mandados embora.

Todas nós já passamos por algum tipo de lesbofobia de trabalhadores, nos nossos locais de trabalho ou em lojas, bares e na rua. Muitos dos pensamentos dos trabalhadores têm origem em serem parte de uma igreja. Precisamos combater a influencia ideológica da igreja homofóbica que as vezes parece ter hegemonia sobre os pensamentos dos trabalhadores. A consciência dos trabalhadores pode ser disputada e a homofobia dos trabalhadores, às vezes, é menos forte do que pensamos.

Quando fui professora em um colégio para meninas pobres, entre 10-14 anos, nos Estados Unidos, apesar das dificuldades, minhas alunas e seus pais terminaram demonstrando tremenda confiança em mim. No começo, tinha um terror enorme de ser acusada de pedofilia e tomava toda precaução - nunca sozinha com uma aluna na sala, sempre portas abertas quando estava com alunas, se as meninas estivessem mudando de roupa, saía da sala. Nesse colégio, tive a oportunidade de discutir abertamente a questão LGBT com minhas alunas, falando sobre discriminação e violência que sofrem as pessoas LGBTs. Para alguns pais, isso era demais e fizeram suas filhas sair da escola e irem para outra. Mas, para a grande maioria de pais, a questão central era a minha capacidade de ser uma boa professora para suas filhas.

Depois de algum tempo, fui construindo relações com os pais, e fui ficando com menos medo. Entendia que esses pais, mesmo que ainda fossem homofóbicos, me entendiam como uma profissional e confiavam suas filhas a mim. Era bem comum eu levar alunas para atividades depois do colégio no meu carro, com a permissão e até o encorajamento dos pais. Esses pais me viam como mais que uma lésbica - me viam como uma professora boa e confiavam em mim em relação a suas filhas. Essa confiança não é uma coisa pequena; demonstra uma abertura a pessoas lésbicas e um questionamento ao senso comum que diz que pessoas LGBT são pedófilos. Precisamos disputar a consciência desses pais trabalhadores que, mesmo sendo religiosos, me mostraram uma abertura. Não podemos e não devemos nos adaptar à homofobia de trabalhadores, e sim discutir abertamente.

É preciso parar de aceitar o “mal menor” que rifa nossos direitos quando é conveniente, como fez o PT no Brazil e o Syriza na Grécia. Vários LGBTs são tão oprimidos que aplaudimos qualquer esmola que nos dão. Aplaudimos o PT por ser a favor da criminalização da homofobia, quando, nos 12 anos de PT, nenhuma vez se colocou em defesa de nossos direitos, e de fato criou alianças com a direita que nos quer curar, vetou o kit anti-homofobia. Alguns até aplaudem o Papa que moderou a sua homofobia, mas que não deixa de ser o líder e representante de uma instituição religiosa que diz a trabalhadores que somos pecadores, doentes, que devemos ser curados!

Precisamos forçar nossas universidades a produzir conhecimento para os trabalhadores e para os povos oprimidos e que em todos os espaços de formação de profissionais tenham debates amplos sobre a questão LGBT, que incluem as lésbicas e os nossos problemas particulares. Precisamos de educação nas escolas, que ajude professores e alunos a entender e aceitar a diversidade sexual. Nós, lésbicas, precisamos estar nas ruas para arrancar os nossos direitos como pessoas LGBT e como mulheres - contra cada assassinato homofóbico, pelo direito ao aborto e pela criminalização da homofobia.




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