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Cuba: arte urbana que se propõe a ser

Inés Hernández

Cuba: arte urbana que se propõe a ser

Inés Hernández

Nos últimos anos a arte urbana em Cuba, sobretudo em Havana, é um fenômeno que vem forjando uma nova maneira de refletir a realidade que se vive em Cuba.

Caminhar pelas ruas de Havana é mergulhar na confusão, nas pessoas sentadas na calçada, na música que você ouve nas motos táxis e nas casas, nos gritos de bom dia de janela para janela, as cabeças que espreitam nos andares altos dos edifícios semi destruídos de Havana Central subindo os sacos de alimentos (uma tira de pão, os legumes comprados no mercado e capaz um pedaço de porco) com cordas içadas do alto, porque subir, descer as escadas dos edifícios velhos às vezes é um suplício; nos sacos de lixo nos cantos que inundam com o cheiro de podre misturado com o calor típico Caribenho. As buzinas dos carros da década de 50 e 60 que têm um som particular e por um instante te submergem em outro tempo. Grito, barulho, calor, música, luzes, buzinas e arte e mais arte é o que se respira misturado com todo o resto.

Contradição é a palavra que soa em minha cabeça uma e outra vez, porque é inevitável não perceber que apesar das conquistas da revolução existem desigualdades e a liberdade de expressão ainda tem um espartilho, chamado PCC (Partido Comunista de Cuba).

A situação do grafite

Apesar dos obstáculos que há que contornar, começando por conseguir os materiais para poder pintar, nos últimos anos a arte urbana abriu passagem nas ruas de Havana onde se encontram, por fora dos slogans oficiais, não só tags ou escritos feitos com spray, a pincel, marcadores e até mesmo com giz de cera, mas também se tornaram donos da rua os personagens que relatam e refletem a realidade que seus autores vivem na ilha. É o caso dos personagens pintados por Yulier P. uma espécie de pessoas de corpos estilizados com cabeças grandes em um estilo bem expressionista ou o personagem chamado "Supermalo" de 2+2=5, que como marca usa um gorro cinza.

A possibilidade de poder expressar o que se pensa sobre a situação que se vive em Cuba, por fora do que dita o PCC, às vezes se torna uma situação complexa, já que é preciso lidar com diferentes órgãos do governo, como o escritório de Planejamento físico ou de Monumentos para que autorizem a pintar, mas nesse trâmite burocrático implicitamente se esconde uma maneira de condicionar o conteúdo das obras e se o fazem sem autorização têm que estar disposto a lidar com a polícia e com a possibilidade de serem encarcerados, como já aconteceu a diferentes grafiteiros.

Como na maior parte do mundo, a arte urbana levanta discussões sobre se é arte ou vandalismo, em Cuba este debate não é alheio. Diversos portais cubanos fazem o debate aberto, inclusive os órgãos oficiais do regime político como o Gramna ( Jornal Oficial do Comitê Central do PCC) não deixam escapar.

Nas ruas

As imagens são pintadas em edifícios que estão deteriorados ou em pedaços de paredes de construções abandonadas ou derrubadas, uma forma de estetizar essa imagem de abandono que se vê em certos lugares de Havana, como bem propõem alguns grafiteiros, mas também é uma forma de contornar qualquer acusação de prática ilegal da qual possam ser acusados.

Nas ruas existem diferentes estilos, há imagens mais desenvolvidas como as que podemos ver na imagem de 2+2=5 através de seu personagem "Supermalo" que usa uma máscara de esqui cinza, um olho roxo e um ponto de interrogação que sempre o ronda e que está sempre pensando em um ovo frito. O personagem é desenhado em diferentes situações cotidianas, questionando o observador sobre o dia a dia na ilha.

Yulier P. é um dos primeiros grafiteiros que inundou as ruas de Havana com seus seres de grandes cabeças que chamam a atenção por seu caráter obscuro e pelo penetrante olhar de seus personagens, uma imagem de caráter claramente expressionista que grita liberdade de maneira desesperada. Yulier foi um dos artistas urbanos que esteve preso dois meses por pintar, claramente não foi porque pintou "monumentos registrados" mas sim pelo conteúdo de sua obra que narra as aventuras pelas quais os cubanos têm que passar no dia a dia. Embora tenha sido libertado, foi intimado a apagar suas imagens na cidade de Havana. Hoje está produzindo sua série "presentes" que são pequenas pinturas sobre pedaços de escombros que são colocados em diferentes lugares da cidade de Havana, como por exemplo nas portas do Comando Geral da Polícia, de uma mensagem mais provocativa e mais comprometida em relação à liberdade de expressão. Para seguir o trabalho deste artista convidamos você a segui-lo em sua conta instagram @yuliergraffiticuba ou em seu canal do Youtube Yulier P.

Outros expoentes deste fenômeno contemporâneo na ilha que por força de persistência querem abrir espaço propondo outro horizonte estético do que costumamos ver nas ruas de Havana são @mr_myl @fulanaletal @mr_sad26, podendo encontrá-los no Instagram.

Que a arte urbana em Cuba veio para ficar, é uma realidade inegável. Os artistas que têm a necessidade de expressar o que vivem, sentem, pensam e comprometem sua obra com a realidade de seu tempo, continuarão encontrando os interstícios para poder ser e fazer. Hoje, mais do que nunca, continua vigente esta citação do Manifesto por uma Arte Revolucionária Independente escrito por Leon Trotsky e André Breton em 1938: "Em matéria de criação artística, importa essencialmente que a imaginação escape de toda coação, que não permita sob nenhum pretexto que se lhe imponham caminhos. A quem nos incitem a consentir, seja para hoje ou para amanhã, que a arte seja submetida a uma disciplina que consideramos radicalmente incompatível com os seus meios, opomo-lhes a nossa recusa inapelável e a vontade deliberada de nos atermos à fórmula: total liberdade na arte."

Em Cuba, hoje mais do que nunca é preciso voltar a dar à palavra revolução todo o seu sentido revolucionário e libertário, para isso os artistas que se propõem a levar sua arte às ruas têm uma tela privilegiada para tomar este objetivo em suas mãos.

Publicado originalmente no La Izquierda Diario, em 23 de Janeiro de 2020.
Traduzido por Dani Alves


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