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DESCASO COM IDOSOS | Corujão tem idosos na madrugada e exames sem reavaliação médica

O programa teve início nesta terça-feira (10) e afetou de formas distintas. Inúmeros pacientes relataram a dificuldade de chegar ao local para a realização dos exames na madrugada.

sexta-feira 13 de janeiro de 2017 | Edição do dia

De acordo com a publicação da revista Folha de São Paulo, que expõem inúmeros casos e relatos dos primeiros idosos a serem chamados pelo programa Corujão da Saúde, que é o mutirão da gestão de João Dória (PSDB), e se propõem a acabar, em três meses, com a fila de mais de 485 mil pacientes, que aguardam exames há de 6 meses pelo SUS.

O programa teve início nesta terça-feira (10) e afetou de formas distintas, uma série de famílias que dependem da saúde pública, mas também do transporte coletivo. Ainda que o prefeito tenha prometido priorizar as marcações apenas no período da noite, entre 20h e meia-noite, no horário em que ainda há transporte público e uma maior movimentação de pessoas, o Sr Elzo, por exemplo, foi agendado para a 1h20 no Hospital Alemão Oswaldo Cruz, no bairro da Bela Vista, que é cerca de 20 quilômetros de sua casa, localizada no Jardim João 23, extremo da zona oeste. Para chegar lá, o idoso precisou pegar ônibus, metrô e ainda caminhar cerca de 1 quilometro.

“Acho que a Prefeitura devia olhar a idade das pessoas quando for marcar os exames para não expor um idoso a ficar na rua nesse horário, né?", reclama.

O idoso teve de sair de casa com bastante antecedência para pegar o metro e chegar ao Hospital pela 0h20. Ele teria de esperar até as 4h40, a reabertura da estação para voltar pra casa, mas a filha insistiu em acompanha-lo para que pudessem solicitar um Uber e retornar para casa, conforme contou a analista jurídica Érica de Souza Oliveira, de 36 anos.

Do mesmo modo que Elzo, inúmeros pacientes relataram a dificuldade de chegar ao local para a realização dos exames na madrugada. A empregada doméstica Giracema Florinda de Sousa, de 38 anos, tinha exame marcado para as 2h22, mas optou em sair de casa com 4h de antecedência, devido o medo da violência nas ruas. "Moro em um bairro muito perigoso, não ia ter coragem de sair de madrugada. Mesmo que tivesse uma linha de ônibus noturna, como está prometendo o prefeito, como fica o caminho que eu tenho que andar do ponto até em casa?", questiona.

Sem dinheiro para Uber, Giracema teria de aguardar ao lado da filha de 12 anos, a reabertura do metro. Por sorte, conheceu outra paciente na sala de espera do Hospital que mora em sua região e havia ido de carro. "Ia esperar, mas consegui uma carona", comemorou.

Pra além do horário, o que também chamou atenção de Giracema, foi os exames terem sido agendados sem ter passado por reavaliação médica, já que esta era uma das promessas da gestão Dória, para os casos em que aguardavam exames há mais de seis meses. Giracema aguardou um ano e sete meses.

"Eu nem lembrava mais desse pedido médico. Se fosse para morrer, já tinha morrido. E se fosse para recusar esse horário de madrugada, era capaz de ser mais um ano e meio de espera. Então resolvi aceitar. Era pegar ou largar", comenta ela, que tem mancha no pulmão e precisa do exame para ser diagnosticada.

Uma situação similar é a da aposentada Maria José Andrade, de 69 anos, que aguardava exame há um ano. "Tenho tonturas, barulhos no ouvido, esquecimentos. Todo esse tempo convivendo com isso sem saber o que tenho", diz ela, que também não passou pela reavaliação.

Ainda que com dificuldades, a maioria dos pacientes não arriscou permanecer na lista de espera. "Quando ligaram e disseram o horário, eu estranhei, mas depois me disseram que era o Corujão. Acho que foi uma boa essa ideia porque, assim como eu, tem muita gente esperando", disse a costureira Vera Lúcia Conceição da Silva Faim, de 57 anos, também moradora do Jardim Paulo 6º , e responsável por dar a carona a Giracema.

De acordo com nota da Prefeitura de São Paulo, ao menos 160 exames foram ofertados nos três hospitais (Oswaldo Cruz, HCor e Sírio Libanês), ainda que somente o Oswaldo Cruz esteja a agendar pacientes de madrugada até o momento. A Secretaria da Saúde disse que irá reforçar a orientação nas 675 unidades municipais de saúde, para priorizarem os pacientes em fila entre 1 ano e 6 meses. "Em relação ao transporte, a SPTrans está monitorando as unidades hospitalares para verificar se as linhas de ônibus atendem as áreas e quais os horários. A partir do estudo, medidas para o transporte poderão ser implementadas, por exemplo, novas linhas noturnas durante o período do programa", diz ainda a nota.

A questão é que o Corujão é mais uma medida paliativa para amenizar temporariamente as queixas relacionadas à morosidade da área da saúde, ainda assim, não resolve de nada os problemas da atenção básica da saúde e a falta de integração e hierarquização entre as unidades assistenciais.

Em seu programa de governo, Doria prometeu, por exemplo, “reforçar o atendimento primário à saúde pelo preenchimento das vagas existentes nas equipes do Programa de Saúde da Família e das Unidades Básicas de Saúde (UBS), requalificando e valorizando os profissionais”, o que ainda não disse quando e nem como irá acontecer.

Hoje o paciente fica entre unidades de saúde municipais e estaduais, administradas por várias organizações sociais (OSs), que muitas vezes não conversam entre si. Como resposta a isso, Dória prometeu a integração dos sistemas municipais e estaduais, mas ainda não detalhou nada sobre essa integração, o que gera bizarrices como a fila de quase 500 mil pessoas à espera de exames, num mesmo momento em que existem AMEs (Ambulatórios Médicos de Especialidades), ligadas ao governo estadual, com taxas de absenteísmo de 30%.

Na opinião de especialistas, a medida é mais um paliativo, no sentido que seria muito mais barato oferecer estes serviços em unidades fixas, que pudessem incluir estes pacientes para cuidados de forma contínua e integral. O exemplo citado é o caso dos mutirões de oftalmologia, em que o paciente faz o exame e recebe tratamento, mas se é um caso, por exemplo, causado por diabetes, o mesmo usuário precisará ser acompanhado a partir da atenção primária da saúde, para manter a doença sob controle. Do contrário, o munícipe poderá ficar cego, sofrer amputações, dentre outros agravos, que se expressaram também, em ainda mais gastos na própria saúde pública.

Se a atenção primária funcionar de fato, com a ampliação e qualificação das equipes de saúde da família, por exemplo, a demanda por especialistas, exames e internações, tendem a ser menores. De acordo com os mesmos, até 80% das queixas podem vir a ser resolvidas na atenção básica, caso ela seja mais resolutiva e tenha como foco a saúde e o acompanhamento da população.




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