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Grécia | Conversa com trabalhadores e ativistas sociais na Grécia

Conversamos com Dimitris, Thanasis y Mirto, trabalhadores e ativistas sociais da Grécia. Os dois primeiros são integrantes do Sindicato de trabalhadores do libro da região de Atenas, e Mirto é professora desempregada. Apresentamos a nossos leitores suas reflexões sobre a situação, depois da capitulação de Tsipras.

Josefina L. MartínezMadrid | @josefinamar14

quarta-feira 5 de agosto de 2015 | 00:35

Nos encontramos com eles em duas ocasiões diferentes, mas as discussões estão marcadas por um estado de ânimo frequente em vários setores da vanguarda de esquerda, já que tiveram antes mais ou menos ilusões no Syriza: raiva, incerteza, e muita gana em contar o que se viveu nas últimas semanas na Grécia. É por isso que apresentamos a nossos leitores as reflexões destas duas conversas em um mesmo artigo. Todos veem a necessidade de continuar a luta, após o recesso do verão.

Perguntamos-lhes como viveu o ativismo na semana previa ao referendo…

Mirto: Essa semana foi muito intensa, muito combativa, com muita energia. A maioria das pessoas acreditava no começo que iríamos perder, porque o que se via nos jornais e na TV era terrível, havia muito medo. Era um “terrorismo”, diziam que OXI significava “Grexit”, ficar “fora do euro”. Ademais, estava o controle de capitais nos bancos, e com toda esta situação pensávamos que o NAI (SIM) fosse ganhar. Houve manifestações de pessoas do NAI; seu lema era “vivemos na Europa”...E na semana do referendo tivemos manifestações do NÃO e do SIM no mesmo dia, em diferentes lugares. E no local do NAI havia gente, mas não tanta. No entanto, em Syntagma, a manifestação do NÃO era uma coisa enorme, havia muita gente. E não só os ativistas e militantes de esquerda, eram as pessoas de Atenas que foram ali para apoiar. Depois disto, todos começamos a pensar que o NÃO era possível.

Na conversa com Dimitris, ativista do Sindicato de trabalhadores do livro, lhe perguntamos qual foi a posição do sindicato com respeito ao referendo...

Dimitris: Nós soltamos uma declaração pública, onde dizíamos que nosso “NÃO” era um “não” da classe operária, e que a classe operária tinha que se expressar. As pessoas discutiam sobre o referendo e sobre o NÃO por todos os lados, nos cafés, nos bairros, nos locais de trabalho, esperando o ônibus ou no metrô.

Os dias prévios ao referendo se viveu uma extrema polarização social, um clima vertiginoso de discussão política. Thanasis conta que em todos os locais de trabalho se discutia e se enfrentavam posições. Os chefes estavam a favor do SIM, e diziam que se ganhasse o NÃO iriam fechar. De fato, contavam que muitos trabalhadores que fizeram campanha pelo NÃO, hoje estão sendo perseguidos pela patronal, com ameaças de demissão.

Perguntamos-lhes o que expressava para eles o voto popular no NÃO, tendo em conta que seu sentido estava em disputa e era ambíguo por como foi chamado o referendo pelo governo desde o primeiro momento...

Dimitris: Muitos dizem que havia muitos NÃO, e é verdade. Mas eu acredito que o NÃO era majoritariamente “NÃO à austeridade e os memorandos”. Creio que o NÃO também significava um NÃO aos governos e ao sistema político que aplicam as medidas de ajuste. E para mim pessoalmente também foi um NÃO contra o capitalismo, mas bem, esse era o meu NÃO. É difícil saber se a maioria das pessoas que votou NÃO queria sair da União Europeia, mas creio que ao menos uma parte importante pensava. É por isso que quando Tsipras fez esta manobra e negociou, esse setor do NÃO se indignou terrivelmente.

Durante a conversa com Mirto, ela nos comentava que “tinha um problema com o NÃO e o SIM. Cada um traduzia o NÃO e o SIM como queria. E isso foi um problema. Por isso era fácil para eles dizer que NÃO significava “Grexit” e que SIM significava “apoiar a Europa”, ou que “queremos que a Grécia esteja na Europa”, e tudo isso. O NÃO tão pouco significava que todos queríamos um Grexit.”

Por outro lado, nos interessava saber como se percebeu nesses dias, a atitude de Tsipras que argumentou que continuaria negociando com a Troika para alcançar um “melhor acordo”.

Thanasis: Eu pessoalmente pensava que Tsipras queria era sair do governo, e resolver o problema por cima. Se tivesse um resultado como 51% a 49%, poderia dizer algo como “eu fiz todo o possível, mas as pessoas não querem ir além, então não posso seguir...” Mas aconteceu o contrário. Na grande manifestação do dia 3 de julho, estava claro que o quê as pessoas gritavam era totalmente diferente do que Tsipras dizia em suas declarações...As pessoas gritavam coisas muito agressivas contra a Troika, e inclusive contra o capitalismo.

Mirto: Eu não sei se Tsipras buscava retirar-se do governo, mas o que sim está claro é que depois deste NÃO, com um triunfo tão forte, Tsipras fez uma tradução do NÃO completamente diferente do que esperávamos todos (inclusive os militantes dentro do Syriza). Era tão distinto o quê dizia do que esperavam as pessoas que aqui se fazia uma piada que dizia que “o que voltou de Bruxelas era um clone”, que algo lhe haviam feito em Bruxelas para que voltasse tão modificado em relação ao mandato que lhe havia dado as pessoas... No princípio eu acreditava que queria fazer uma negociação desde uma posição mais forte. Mas no dia seguinte pudemos ver que não, que o acordo era ainda pior.

A conversa se segue sobre como se viveu a capitulação de Tsipras...

Mirto: Estávamos atônitos, desconcertados. A maioria tinha esperança de que ao menos negociaria um plano melhor, e não, foi o plano do Juncker. Entretanto, durante seis meses estiveram negociando em Bruxelas, e não fizeram nada aqui na Grécia, não legislaram nada...

Thanasis: Por exemplo, no tema de direitos humanos, ou a questão da polícia, que está cheia de fascistas, é um problema grande aqui, mas tão pouco fizeram nada... Eles diziam que tinha que esperar porque estavam negociando com a Troika e isto era o urgente. Bom, agora já não se pode fazer nada porque já negociaram e o governo está atado de pés e mãos, e não pode nem sequer legislar livremente sem autorização da Troika.

Mirto: O governo disse que o terceiro “resgate” é melhor que os outros dois porque tem um aumento do IVA só de 13% a 23%, enquanto que os demais tiveram que reduzir 40% dos salários das pessoas... E que supostamente, por isso, seria melhor que os demais...

Nas distintas conversas que tivemos, perguntamos se acreditavam que esta capitulação tão rápida de Tsipras havia aberto uma nova experiência para setores de vanguarda...

Dimitris: Com o aprofundamento da crise, há uma ruptura com as ilusões que havia com a União Europeia. O Syriza colocou desde o início que rechaçava a austeridade, mas que queria seguir dentro da União Europeia. Agora ficou claro que isto é impossível. Ainda que muita gente siga apoiando Tsipras, creio que muita gente já não tem ilusões na União Europeia.

Mirto: Creio que tanto o “resgate” como o “Grexit”, como está atualmente a situação, são duas opções ruins. Porque um Grexit, segundo os que querem, é também muito ruim, não é uma saída nem uma solução para os trabalhadores. Querem sufocar este povo para sempre, porque queria fazer algo diferente, e queria ir contra o grande capital. Essa é minha impressão.

Thanasis: Muita gente, creio que agora, quer sair da União Europeia, mas também dizem que não podemos, por que a Grécia é um país muito pequeno, e os outros países e especialmente a Alemanha vão esmagar-nos.

Mirto: Quando Tsipras foi eleito disse que seria o primeiro governo que implementaria tudo o que prometeu durante a campanha eleitoral. E o que fez? Fez algo pior do que criticava a Nova Democracia quando era da oposição. Ele disse que o que houve foi uma chantagem, e isto eu creio também, era uma chantagem, mas o problema é por que chegamos a esta situação.

Com Dimitris conversamos sobre a manifestação de 15 de julho, no dia que se votava a favor do acordo no Parlamento grego. Nesse dia foram detidos 54 manifestantes, 14 deles levados a julgamento, e finalmente 3 foram condenados com penas condicionais – que podem voltar a ser efetivas a qualquer momento -. Dimitris foi como testemunha no julgamento, em defesa dos ativistas processados e nos comentava: "participamos como sindicato na manifestação e fizemos uma declaração pública para convocar todos os trabalhadores a participar também. Havia bastante gente, e a polícia começou a reprimir-nos com muita violência, usaram gases e arrastaram companheiros, que foram levados a julgamento imediatamente. Entre os detidos se encontrava o secretário geral do nosso sindicato. Fizemos uma campanha pela sua liberação e eu mesmo fui como testemunha no julgamento. O resultado do julgamento é que houve três manifestantes condenados sem nenhum motivo, sem nenhuma prova. O manifestante que é originário da Albânia teve a pena mais dura, o que significa um duplo ataque por ser imigrante. Provavelmente tenha problemas para renovar sua documentação e poder ficar na Grécia, quando vive aqui desde os três anos de idade! Na Grécia temos herdado um sistema judicial e umas forças repressivas da época da ditadura, quer dizer, lotados de corrupção.”

Para terminar, estes ativistas combativos nos comentam quais são as perspectivas que veem na situação...

Thanasis: Tem um grande problema, porque o Syriza havia encarnado as ilusões da maioria dos movimentos populares e agora muita gente, combativa, se sente perdida, desanimada...

Mirto: Tem um sentimento de traição também, de desilusão... Mas em outubro, quando as medidas começarem a se sentir, creio que vamos ter algumas lutas. Mas acredito que para que as coisas mudem de verdade vamos precisar de lutas muito fortes. A situação todavia segue aberta, por isso há esperança de que algo diferente possa passar. O que querem fazer é terrível, querem privatizar tudo, vender tudo, querem vender tudo, até as ilhas, a Acrópolis...

Depois destas conversas, ficamos de manter o contato. Seguramente nos próximos meses voltaremos a escutar as vozes de Thanasis, Dimitris e Mirto no Esquerda Diário, como protagonistas de novas lutas nesta Grécia convulsionada, contra os planos de governo do Syriza e da Troika.




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