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OPINIÃO | Contrato de Trabalho Verde e Amarelo: nova modalidade de trabalho precário, com menos direitos.

Publicamos opinião do professor de direito do trabalho da UNB, Felipe Gomes da Silva Vasconcellos sobre os ataques contidos na MP905 e suas inconstitucionalidades.

segunda-feira 18 de novembro de 2019 | Edição do dia

Se contrato de trabalho pretensamente menos oneroso fizesse o empresariado contratar mais, haveria pleno emprego no Brasil hoje. O raciocínio, porém, é diferente. Contrata-se mais se a demanda justifica o aumento da produção, não porque contratar está mais barato.

De fato, depois de dois anos de vigência da contrarreforma trabalhista (Lei nº 13467/2017), que criou modalidades de trabalho precário como o contrato de trabalho intermitente e a terceirização irrestrita, a taxa de desocupação segue estável, em níveis absurdos, condenando mais de 12,6 milhões de pessoas à marginalidade2 .

A solução para o problema segundo o Governo Federal, porém, não está em aumentar a rede de proteção social dos trabalhadores, e sua renda, mas em criar novas modalidades de trabalho precário, com menos direitos. A receita não funcionou antes, e não funcionará agora.

No caso, a Medida Provisória 905/2019 cria uma nova modalidade de contrato de trabalho por prazo determinado (verde e amarelo), muito semelhante à modalidade criada pela Lei nº 9601, de 1998, que criou o contrato de trabalho por prazo determinado para admissões que representassem acréscimo no número de empregados.

Na proposta atual, porém, a implementação dessa modalidade pode se dar de forma unilateral pela empresa e não apenas mediante convenção ou acordo coletivo de trabalho, conforme prevê a Lei nº 9601/1998. Ainda, a nova modalidade não se restringe a “acréscimo no número de empregados”, mas a qualquer criação ou até substituição de postos de trabalho.

O contrato de trabalho verde e amarelo, na forma da Medida Provisória destina-se a um público específico: primeiro emprego formal de pessoas entre 18 e 29 anos (art. 1º, caput, MP 905/2019). Para os fins do disposto na MP 905/2019, não se considera primeiro emprego o contrato de aprendizagem, de experiência, intermitente e avulso (art. 1º, parágrafo único, MP 905/2019).

A inconstitucionalidade da nova modalidade se evidencia em cada artigo, tanto pela discriminação que estabelece com relação aos trabalhadores jovens, que terão menos direitos realizando o mesmo trabalho que outros trabalhadores em outros contratos de trabalho por prazo determinado, quanto por reduzir o valor do trabalho humano e equipará-lo a mera mercadoria, viabilizando a substituição de postos de trabalho com direitos por postos de trabalho precários.

Ainda, a medida permite o fim do 13º salario, das férias e da multa sobre o saldo do FGTS, ao viabilizar o pagamento diluído, por mês ou período inferior, descaracterizando, assim, a natureza dos institutos. Adiante buscarei analisar, de forma preliminar, os principais termos dessa nova modalidade precária de contrato a termo e o impacto nas condições de trabalho e vida desses trabalhadores.

Contrato de trabalho verde e amarelo para precarizar as relações de trabalho.

Cumpre observar, em primeiro lugar, que o contrato de trabalho verde e amarelo é uma modalidade de contrato de trabalho por prazo determinado, excepcional em nosso ordenamento jurídico, tendo em vista o princípio da continuidade da relação de emprego, que privilegia modalidades de contrato por prazo indeterminado.

Com efeito, tratando-se o trabalho assalariado de fonte de renda e sobrevivência da maioria da população, a predeterminação de prazo para o fim do contrato gera instabilidade e insegurança na vida da classe trabalhadora.

Dessa forma, os contratos por prazo determinado são aplicáveis a hipóteses restritas e rígidas na forma do artigo 443, §§1º e 2º, da CLT, utilizado basicamente para serviços cuja natureza ou transitoriedade justifique a predeterminação do prazo, atividade empresarial transitória e contrato de experiência.
A MP 905/2019, porém, transforma a exceção em regra, dispondo que o Contrato de Trabalho Verde e Amarelo poderá ser utilizado para qualquer tipo de atividade, transitória ou permanente, e para substituição transitória de pessoal permanente (art. 5º, §1º). Ainda, permite que o contrato possa ser renovado diversas vezes, dentro do prazo de vinte e quatro meses, afastando a regra de que os contratos por prazo determinado podem ser renovados apenas uma vez, pelo mesmo prazo (art. 5º, §2º).

Embora a Medida Provisória afirme que o objetivo é a criação de novos postos de trabalho, o que ocorrerá é a substituição de trabalhadores contratados por prazo indeterminado ou determinado por trabalhadores precários sob a nova modalidade verde e amarela. É o que consta dos termos da própria MP 905/2019.

De fato, empresas que apuraram, em outubro de 2019, média de emprego, no mínimo, 30% inferior em relação a outubro de 2018, poderão contratar pela nova modalidade precária independentemente de se tratar de novos postos de trabalho ou de substituição de postos de trabalho já existentes, observando-se apenas o limite de 20% sobre o total de empregados (art. 2º, §5º, MP 905/2019).

Ainda, empresas constituídas após 1º de janeiro de 2020 poderão desde logo contratar na nova modalidade, respeitando-se apenas o percentual de 20% sobre o total de empregados (art. 2º, §2º).

Ora, não se alegue que uma empresa se constituirá apenas porque foi criada uma nova modalidade contratual precária, na medida em que, como mencionado, não é a onerosidade do contrato que estimula ou impede o empresariado de contratar, e sim a demanda por bens e serviços.

O critério de acréscimo no número de postos de trabalho, na perspectiva já apontada pela Lei 9601/1998, aplica-se somente às empresas já constituídas, que não se encaixem na hipótese do §5º, e deve observar a média de emprego entre 1º de janeiro e 31 de outubro de 2019, respeitando-se, igualmente, o limite de 20% sobre o total de empregados (art. 2º, caput).
Como se observa, a tendência será a substituição de postos de trabalho, reduzindo o valor da força de trabalho em prol de uma lógica empresarial de lucro de curto prazo, que sem dúvidas ampliará a crise econômica no longo prazo.

Legislado sobre o negociado

Na contramão do “negociado sobre o legislado” estabelecido pela Lei 13.467/2017, a Medida Provisória 905/2019 estabelece que as Convenções e Acordos Coletivos de Trabalho beneficiarão os trabalhadores contratados na modalidade verde e amarela, “naquilo que não for contrário ao disposto nesta Medida Provisória” (art. 4º, parágrafo único). Ou seja, pretende-se fazer prevalecer a norma heterônoma estatal, ainda que menos favorável ao trabalhador.

Todavia, ainda que se entenda constitucional a nova modalidade de trabalho precário, o que é plenamente questionável, a prevalência da legislação heterônoma estatal sobre os instrumentos normativos negociados coletivamente somente serão efetivas naquilo em que for mais favorável ao trabalhador, respeitando-se, assim, o princípio constitucional da norma mais favorável, na forma do artigo 7º, caput, da Constituição da República.

Esta também deve ser a interpretação conforme à constituição dos dispositivos constantes do artigo 611-A e 620, da CLT, incluído e modificado, respectivamente, pela Lei 13.467/2017.

O fim do 13º salário, das férias com um terço e da multa sobre o saldo do FGTS

De forma semelhante à modalidade de contrato de trabalho intermitente, a MP 905/2009 permite o pagamento antecipado ao empregado, em cada mês, ou período inferior, do 13º salário proporcional, das férias proporcionais com um terço (art. 6º, II, III) e da indenização sobre o saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS (art. 6º, §1º), que será sempre de 20% sobre o saldo independentemente da modalidade de cessação do contrato de trabalho (art. 6º, §2º).

Atualmente, por força constitucional, a indenização por resilição contratual por iniciativa do empregador é de 40% sobre o saldo do FGTS. Ainda, a MP reduz o depósito mensal na conta vinculada do FGTS do trabalhador de 8% para apenas 2%, independentemente do valor da remuneração (artigo 7º).

Sobre o tema é interessante observar a inconstitucionalidade da diluição do pagamento das quantias relativas ao 13º salário, férias acrescidas de um terço e da multa sobre o saldo do FGTS. Isto porque, o pagamento mensal ou em período inferior dessas verbas descaracteriza a natureza jurídica dos institutos.

Com efeito, o que prevê a constituição é que o gozo das férias deve ser remunerado, ou seja, que o período de um mês ou inferior que venha a ser usufruído pelo trabalhador a título de férias possa ser remunerado com acréscimo de um terço.

Ao diluir esse pagamento, mês a mês ou em período inferior, o que se tem é a transformação do instituto das férias em salário básico, na medida em que passa a funcionar como renda mensal, para os gastos cotidianos e não mais com o objetivo de remunerar um período de descanso.

Da mesma forma o 13º salário, que tem natureza jurídica de gratificação de natal, cujo objetivo é conferir uma renda extra por ocasião de uma data específica que é o feriado de final de ano, independentemente da crença do trabalhador.

Ao diluir referida verba ao longo dos meses trabalhados, esvai-se a função de gratificação e referida verba passa a integrar a renda mensal básica, com a funcionalidade já característica do salário.

Por fim, a multa por ocasião da resilição unilateral por inciativa do empregador tem natureza de indenização pela cessação abrupta do contato de trabalho. O objetivo de referida indenização é possibilitar ao trabalhador uma maior estabilidade financeira por ocasião do desemprego.

Ao diluir referida indenização ao longo do contrato de trabalho verde e amarelo, o que se tem, também aqui, é o esvaziamento da função da indenização e sua integração ao salário base.
Ou seja, o pretenso pagamento antecipado em verdade representa o fim do direito às férias, ao 13º salário e à indenização pela cessação do contrato de trabalho, na medida em que descaracteriza a natureza jurídica e o conteúdo de referidos institutos.

Dessa forma, caso haja o pagamento antecipado ou diluído de referidas verbas, deverão ser consideradas salário básico, passando a integrá-lo para todos os efeitos, sob pena de se pactuar com a extinção desses direitos adquiridos dos trabalhadores.

Desoneração das empresas e oneração dos desempregados

Para incentivar o empresariado a contratar sob a nova modalidade de trabalho precário, a MP 905/2019 reduz direitos dos trabalhadores, como é o caso da redução do percentual de FGTS de 8% para 2%, da redução da multa por cessação do contrato de trabalho de 40% para 20%, e da tentativa de se acabar com o 13º salario e férias com um terço.

Além disso, a MP 905/2019 pretende desonerar as empresas que contratarem nessa nova modalidade, com isenção de contribuição previdenciária cota-empregador, salário-educação, e contribuições sociais ao Sistema “S”. Para compensar a desoneração, nas palavras do próprio Ministro da Economia Paulo Guedes na exposição de motivos da Medida Provisória, os desempregados passarão a contribuir sobre o seguro desemprego.

“A desoneração proposta será compensada por meio de aumento de receita obtido com contribuição previdenciária sobre os valores pagos aos beneficiários do seguro-desemprego, que poderão considerar o período de recebimento de seguro desemprego para fins de concessão de benefícios previdenciários. Prevê-se uma arrecadação de R$ 1,92 bilhão em 2020; R$ 2,39 bilhões em 2021 e 2,48 bilhões em 2022”2 .

É bem verdade, todavia, que a produção de efeitos das desonerações previstas depende de ato do Ministério da Economia atestando compatibilidade com as metas de resultados fiscais previstas da Lei de Diretrizes Orçamentárias (art. 53, §1º, I).

Da mesma forma o direito ao seguro-desemprego dos trabalhadores contratados pela nova modalidade não produzirá efeitos de forma imediata. O que se extrai do texto é que referidos trabalhadores somente terão direito ao seguro-desemprego depois de atestada a compatibilidade do acesso a esse direito com as metas e resultados fiscais, conforme artigo mencionado. Ou seja, até lá, trabalhadores contratados na nova modalidade não terão direito ao seguro desemprego.

Conclusão

Como se observa, o contrato de trabalho verde a amarelo reduz mais uma vez os direitos dos trabalhadores, sob a pretensa justificativa de gerar empregos. Diversas medidas de austeridade já foram tomadas desde 2016 com esse argumento e até agora o desemprego segue em níveis alarmantes.

O que dificulta a compreensão da perversidade da medida e do quanto ela pode vir a precarizar ainda mais a vida e o trabalho da classe trabalhadora é que ela vem carregada de elementos simbólicos e ideológicos que talvez impeçam algumas pessoas de enxergar.

Soma-se a isso a criação da figura do inimigo de Estado, que enquadra todos os críticos das medidas do governo dentro de um espectro de pessoas que se deve combater, não dialogar.

A realidade, todavia, se impõe, se não pela reflexão e crítica, pela miséria a que somos levados por políticas públicas austeras que retiram das populações mais vulneráveis seus mais básicos direitos, em benefício de grandes empresários.

Evidente que a nova modalidade precária de trabalho não resiste a uma análise constitucional ou convencional da matéria, notadamente quando verificamos que os princípios e regras constitucionais e internacionais sobre o tema contingenciam as políticas públicas a partir do respeito aos direitos dos trabalhadores e da melhora progressiva de suas condições de vida e trabalho e não o contrário (C. 122, 144, OIT c/c. art. 1º, III, art. 3º, art. 7º, art. 170, art. 193, da Constituição da República de 1988).

O Direito, todavia, não está nos seus melhores momentos. A racionalidade econômica ultraliberal despreza o Direito, o Estado e a Democracia. A necessidade de resistir a esse estado de coisas chega a um ponto em que não se trata mais de preservarmos direitos ou democracia, mas a nossa própria sobrevivência.

É essencial que essa modalidade contratual seja repudiada por todos nós, denunciada em qualquer lugar em que se pratique e fiscalizada pelos sindicatos profissionais, sem prejuízo do controle difuso ou concentrado de constitucionalidade e convencionalidade a que referida medida deve ser submetida.

Notas de rodapé

1 IBGE. PNAD Contínua: taxa de desocupação é de 11,8% e taxa de subutilização é de 24,6% no trimestre encerrado em julho de 2019. Agência de notícias. 30 de agosto de 2019. Disponível em:-> https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/25315-pnad-continua-taxa-de-desocupacao-e-de-11-8-e-taxa-de-subutilizacao-e-de-24-6-no-trimestre-encerrado-em-julho-de-2019. Acesso em 16 de novembro de 2019.

2 EM 352/2019 ME. Disponível em -> http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Exm/Exm-MP%20905-19.pdf. Acesso em 15 de novembro de 2019.

Felipe Gomes da Silva Vasconcellos é Professor substituto de direito do trabalho na Universidade de Brasília (UnB). Advogado e consultor de entidades sindicais de trabalhadores. Advogado responsável pelo Setor de Proteção do Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH). Mestre em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela Universidade de São Paulo (USP)




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