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INTERNACIONAL | Como as trabalhadoras da saúde enfrentam a pandemia em Nova York

O capitalismo deu origem a um pesadelo. Quase dois milhões de pessoas no mundo ficaram doentes devido à pandemia do coronavírus. Hospitais na cidade de Nova York, como o nosso, foram completamente saturados pela avalanche de pacientes. Os corpos das pessoas mortas são colocados em caminhões refrigerados. Aqueles que não puderam ser identificados estão enterrados em valas comuns. O desemprego já quase alcança os 13% nos Estados Unidos.

quarta-feira 15 de abril de 2020 | Edição do dia

Foto: médico Mike Pappas e a enfermeira Tre Kwon

Abaixo, reproduzimos um artigo publicado no Left Voice, parte da Rede Internacional do Esquerda Diário. Seus autores são trabalhadores da saúde na cidade de Nova York.

Tal situação poderia ter sido prevenida

Por mais de um mês, Trump minimizou a ameaça de uma pandemia global. Mesmo quando seus conselheiros alertaram que até 1,2 milhões de vidas poderiam ser perdidas somente nos EUA. Uma e outra vez, os EUA alegaram que estávamos a salvo de tais danos. Sua negação nos deixou totalmente despreparados para lidar com a explosão de casos do COVID-19 que ocorreram alguns dias depois.

Em 24 de março, Trump estava pedindo que as empresas americanas reabrissem na Páscoa, demonstrando seu total desrespeito à saúde e segurança dos trabalhadores. A única preocupação de Trump, desde o início, era que os lucros continuassem a fluir para os cofres das empresas americanas. A isso se referia quando disse: "A cura não pode ser pior que o problema". Não colocaria em risco os lucros capitalistas ao fechar os negócios, mesmo que isso significasse que centenas de milhares de trabalhadores, ou mais, morreriam; o que está acontecendo agora é o resultado de sua negligência criminal. Os que mais sofrem são as pessoas da classe trabalhadora que vivem nos bairros mais pobres. 62% das mortes por COVID-19 na cidade de Nova York são pessoas negras e latinas.

A criminalidade e insensibilidade do governo Trump não param por aí. Também devemos considerar as consequências das ações deste governo em nível internacional. Os Estados Unidos continuam a manter um bloqueio brutal contra o Irã, impedindo que medicamentos, equipamentos e alimentos cheguem ao país. Foram as ações de Trump, acima de tudo, que levaram a uma crise humanitária no Irã, onde mais de 4.000 pessoas morreram, o maior número no Oriente Médio. Em meados de março, quando os casos do COVID-19 já estavam na casa das dezenas de milhares em todo o mundo, o governo Trump lançou uma campanha de bombardeio contra o Iraque. De que outra forma podemos descrever isso se não como a barbárie?

No entanto, Trump não é o único responsável pela devastação. Os democratas como Andrew Cuomo (governador de Nova York) têm desempenhado um papel importante ao longo dos anos, supervisionando fechamentos e fusões de hospitais, cortando serviços de redes de segurança como Medicaid e abrindo caminho para os promotores imobiliários. Essas ações enfraqueceram gravemente o sistema de saúde de Nova York, deixaram as pessoas com medo de procurar atendimento e aumentaram o custo de vida, forçando a classe trabalhadora e os pobres a viver em casas e apartamentos cada vez menores e mais lotados. Esse era o combustível que o vírus precisava para se espalhar a uma velocidade arrasadora pela cidade e pelos subúrbios vizinhos.

Cuomo e os democratas, igual a Trump, agiram inteiramente no interesse da classe capitalista e às custas de nossa saúde. A mídia tem comentado sobre a "liderança" e "firmeza" de Cuomo durante esta crise. Eles ignoraram que o governador estava pressionando para manter os negócios de Nova York abertos em meados de março. "Não haverá quarentena, ninguém trancará você em sua casa, ninguém lhe dirá ’você não pode deixar a cidade’ ... Isso não vai acontecer." Sua imprudência coloca em risco a vida de dezenas de milhares de pessoas.

A classe capitalista e sua mídia tentaram apresentar a pandemia como algo que pode ser combatido através de ações individuais: lave as mãos. Pratique o isolamento social. Fique em casa! Mas essa crise não foi causada pela irresponsabilidade individual. Essa emergência foi causada pela anarquia inerente ao sistema capitalista. A indústria da saúde dos EUA, por exemplo, não se importa nem um pouco em salvar vidas se não for um esforço lucrativo. Portanto, nenhuma atenção é dada à prevenção de doenças infecciosas, embora o desenvolvimento de vacinas para essas doenças salvasse a vida de milhões de pessoas em todo o mundo a cada ano. Como David Harvey ressalta, “Os grandes laboratórios raramente investem em prevenção. Eles têm pouco interesse em investir para preparar o sistema público de saúde para uma crise de sanitária. Eles adoram criar curas. Quanto mais doentes estamos, mais eles ganham. A prevenção não contribui para o valor do acionista”.

Mesmo agora, as empresas de saúde estão lucrando uma fortuna com essa emergência da saúde pública. Hospitais, companhias de seguros, empresas farmacêuticas e de equipamentos médicos receberão pagamentos generosos por seus serviços, enquanto milhares morrem e centenas de milhares estão doentes. Trump fez um grande show ao invocar a Lei de Produção de Defesa para obrigar a General Motors a produzir respiradores. Mas a empresa recebeu meio trilhão de dólares para fazê-lo.

Da luta por condições de trabalho à nacionalização do sistema de saúde

Em todo o país, existe uma grave escassez de máscaras e equipamentos de proteção individual (EPI) nos hospitais. Em nosso hospital, sentimos o estresse de não ter EPI suficiente ou apropriado dia a dia, e sabendo que nossas chances de infecção são altas. Todas as enfermeiras e trabalhadores de hospitais de Nova York com quem conversamos relatam uma situação semelhante em seu hospital. Os profissionais de saúde são forçados a reutilizar máscaras, contra protocolos de segurança ou diretamente sem máscaras. Não apenas colocam suas próprias vidas em risco, como também colocam em risco a vida de seus pacientes, familiares e todos com quem entram em contato.

Empresas multinacionais como a 3M estão garantindo acordos multimilionários para a produção de máscaras N95, mas ainda assim não produzirão o suficiente para alcançar todos os funcionários da linha de frente que precisam delas. Isso não precisa ser assim. A produção massiva de máscaras e EPIs seria uma tarefa relativamente simples se existisse tal vontade. Todas as grandes fábricas nos EUA capazes de converter sua produção em EPI ou produção de dispositivos médicos devem ser imediatamente apreendidas e forçadas a fazê-lo, com trabalhadores totalmente remunerados e com as proteções necessárias para realizar seu trabalho. OS trabalhadores, como os funcionários da fábrica da General Electric em Lynn, Massachusetts, já estão exigindo isso. Além disso, esse esforço poderia garantir emprego para milhões de pessoas em todo o país que perderam o emprego no mês passado.

Mas planificar a escala de produção nacional, ainda mais a escala internacional, é visto como maldição para o capitalismo. Como observa a enfermeira Shreya Mahajan, de Washington DC, existem milhares de enfermeiras em todo o país que não apenas estão sendo colocadas em serviço para cuidar de pacientes com COVID-19, mas também os hospitais estão cortando suas horas para recuperar os custos do cancelamento de "procedimentos eletivos mais lucrativos". O sistema capitalista é totalmente ineficiente.

A única maneira de superar essa irracionalidade é nacionalizar todo o sistema de saúde, sob o controle de trabalhadores e membros da comunidade. Os trabalhadores, desde médicos e enfermeiras a técnicos e pessoal de apoio, são os que administram os hospitais todos os dias. Somos os que têm mais conhecimento sobre o tratamento e atendimento de nossos pacientes. As empresas de saúde parasitárias e seus executivos não têm nada a oferecer à sociedade. Necessitamos de um sistema de saúde único, gratuito e público, no qual a tomada de decisão seja realizada por aqueles que são mais qualificados para fazê-lo, seus funcionários. Isso vai além do Medicare para todos. A demanda pelo Medicare para todos (M4A) é progressiva e precisamos apoiá-lo, mas ainda deixaria intactos os hospitais privados, as empresas farmacêuticas e as empresas de dispositivos médicos.

Joe Biden argumentou cinicamente que a Itália tem atendimento de saúde pública e que eles ainda estão enfrentando um dos piores surtos do mundo. Mas isso ocorre porque na Itália, como nos Estados Unidos, a classe capitalista fez cortes devastadores no sistema de saúde, incluindo o fechamento de centenas de hospitais nas últimas duas décadas. Não é porque o sistema de saúde pública "não funcione lá", como diz Biden. É porque o neoliberalismo corroeu os alicerces do sistema público de saúde a um ponto em que o surto causou um colapso completo. Os mesmos padrões foram repetidos nos EUA, com resultados semelhantes. Vinte hospitais fecharam em Nova York desde 2000. Não é de admirar que o sistema hospitalar esteja agora perigosamente preparado, com muito pouco leitos, poucos funcionários epouquíssimo equipamento para lidar com essa pandemia.

Trabalhadores essenciais e luta de classes

Criamos o Grupo de Trabalhadores da Linha de Frente COVID-19 em nosso hospital para servir de voz aos trabalhadores que arriscam suas vidas durante esse surto. No entanto, os trabalhadores da linha de frente não incluem apenas trabalhadores do setor da saúde. São trabalhadores de logística, como funcionários da Amazon, UPS e Fedex, funcionários de supermercados, trabalhadores de metrô e ônibus.Na cidade de Nova York, 41 funcionários do MTA já morreram do COVID-19, pois o governo da cidade não forneceu a eles proteção e testes adequados. Outros 1.500 foram infectados. A única resposta foi a interrupção do serviço, o que, é claro, levou à superlotação dos metrôs, uma armadilha mortal para funcionários da classe trabalhadora e passageiros que são forçados a continuar usando o metrô. Esta é uma cidade administrada pelo governo supostamente "progressista" de Bill DeBlasio.

Estamos lutando contra uma emergência da saúde pública, diferente de tudo o que se viu neste país no século passado. É por isso que nós, desde o Left Voice, apresentamos um programa de emergência de dez pontos que inclui o fechamento imediato de negócios não essenciais, com renda garantida durante a quarentena para todos os funcionários. Ao mesmo tempo, todos os fabricantes de larga escala, como Ford, GM e General Electric, devem converter sua produção na fabricação de máscaras, respiradores e outros equipamentos e dispositivos de saúde. Precisamos de testes imediatos para todos os que apresentam sintomas do COVID-19 e todos os que correm o risco de contrair a doença, como trabalhadores do metrô, supermercados e da saúde.

O movimento operário e a necessidade da representação política

Embora essa crise tenha trazido enormes dificuldades para a classe trabalhadora, há sinais de raiva, organização e luta que florescem em todo o país. Os funcionários da Whole Foods e da Instacart largam seus empregos para exigir maior segurança. Os funcionários do McDonalds entraram em greve em várias cidades com licença paga por enfermidade. Os funcionários da General Electric demonstraram a conversão de sua planta na produção de respiradores. Com o desemprego agora em seu nível mais alto desde a Grande Depressão, também podem surgir organizações de pessoas desempregadas. Há uma oportunidade sem precedentes para nós socialistas, unir essas lutas e liderar a organização do movimento operário com uma perspectiva combativa e de luta de classes.

É uma luta que requer não apenas organização nos locais de trabalho, mas também representação política. No último ano e nos antecedentes, milhões de jovens que apoiaram a campanha de Bernie Sanders mostraram que aspiram por uma sociedade melhor. Mas, apoiando Biden, assim como apoiou Clinton em 2016, Sanders mostrou sua relutância em desafiar verdadeiramente o Partido Democrata, um partido centenário da classe capitalista. É o mesmo partido que executou planos e cortes de austeridade no sistema de saúde e nas redes de segurança social, garantindo ao mesmo tempo que as empresas privadas de assistência médica continuem a lucrar bilhões. Chegou a hora da classe trabalhadora, empregada e desempregada, ter seu próprio partido, um Partido dos Trabalhadores que defenda nossos interesses sempre e não apenas durante o período eleitoral.

Precisamos de um partido com independência de classe para intervir em todos os ascensos de luta dos explorados e oprimidos no país. Organizações como o DSA (Socialistas Democratas da América) devem começar a trabalhar para a construção de um partido com os sindicatos e outras organizações de trabalhadores. Os capitalistas garantirão que seja a classe trabalhadora a que mais sofrerá com essa pandemia. Assim, devemos começar a nos organizar, independentemente dos nossos opressores, em vista dos nossos próprios interesses, nossa própria saúde, nossas próprias vidas.




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