×

ARTE E CULTURA | Como Superman esmagou a estética jdanovista:

Quando o planeta Krypton explodiu nas páginas de uma revista em quadrinhos no ano de 1938, seu único sobrevivente não caiu em Moscou mas no Estado do Kansas.

segunda-feira 11 de abril de 2016 | Edição do dia

Embora a União Soviética tivesse sua própria mitologia expressa na estética do “ herói do trabalho “, as figuras estilizadas de operários batendo com o martelo na bigorna não podiam voar como Superman: para um guri/adolescente que vive num país capitalista e é atingido pelos efeitos visuais da indústria cultural, o super herói torna-se mais interessante do que o “ herói proletário “. Mas se a burocracia soviética tentou criar seus mitos, quem disse que o socialismo revolucionário precisa fabricar heróis? A cultura em seu viés progressista não combina com a figura de um herói: é a livre criação que permite aos trabalhadores exprimirem suas lutas e desejos, dispensando assim a necessidade de capas e cintos de utilidade. A classe trabalhadora não precisa ser salva por ninguém, pois cabe somente a ela lutar pelos seus interesses políticos.
Enquanto produto da tese do “ socialismo em um só país “, a arte do realismo socialista criou uma visão fria, estéril e que apesar do revestimento monumental(e marcial) esteve fadada ao artificialismo. Cartazes com Stálin rodeado por crianças de bochechas rosadas ou pinturas com Mao Tse Tung ao lado do sol, não inflamaram pra valer a imaginação da classe trabalhadora. Hoje, quando a produção artística dos Estados operários deformados torna-se um conjunto de objetos embalsamados, os super heróis imperialistas ainda estão a mil por hora: em cartaz nos cinemas, ou prestes a estrear, encontramos filmes tenebrosos de personagens como Batman, Superman, Capitão América, Homem de Ferro e outros heróis que tornam esteticamente atraente o poder bélico norte americano e legitimam com aquele velho discurso maniqueísta a agressão imperialista. O que a militância de esquerda pode fazer para, ao menos, rebater a estética exaustivamente repetitiva destes ícones das histórias em quadrinhos?
Com toda certeza não se pode combater a cultura dominante bebendo na mesma fonte da linguagem imperialista. Se o Superman decidisse lutar em nome do proletariado, estariam sendo reproduzidos no plano dos quadrinhos ou do cinema componentes ideológicos próprios de uma cultura alienada: suspense com cartas marcadas e demonstrações de superpoderes não esclarecem nada e nem enriquecem a subjetividade de ninguém . A perspectiva criadora da arte precisa ser um amplo e permanente conjunto de ataques aos valores da sociedade burguesa. A comunicação revolucionária da arte não pode perpetuar as estruturas dramáticas alienantes e a eterna repetição de imagens, como ocorre na indústria cultural. A questão do herói é um perigo ideológico constante que leva ao enaltecimento político de lideres e organizações políticas.
No início da União Soviética, a substituição do herói individual pelo herói coletivo foi uma experiência até certo ponto interessante. Lembremo-nos do emblemático filme O Encouraçado Potemkin(1925), de Eisenstein: a revolta dos marinheiros não contou com o Homem Aranha descendo pelo mastro no navio. Foram os próprios marinheiros e a solidariedade dos trabalhadores russos que exprimiram, em cada cena, o esforço heroico por uma Rússia livre do czarismo e da opressão em geral. Diferentemente do cinema hollywoodiano, que até hoje conta com cowboys desencarnados( eles podem fazer uso de chapéus, capas, máscaras ou fardas), nos primeiros tempos do cinema soviético é o proletariado quem age, coletivamente, para responder aos problemas históricos. Mas, como sabemos, este “ herói coletivo “ foi politicamente instrumentalizado pela burocracia e se tornou uma figura esteticamente pobre, congelada e acadêmica. A liga imperialista dos super heróis norte americanos levou a melhor sobre o empalhado modelo soviético.
A figura do “ herói do trabalho “ fabricada por Jdanov, funcionou inicialmente como base para a criação de peças publicitárias dos planos quinquenais de Stálin. Suas lições formais foram posteriormente importadas pela China, por outros Estados operários deformados e até mesmo pelos partidos comunistas no interior dos países capitalistas. O triste nisto tudo é que em relação à agilidade catártica de um gibi ou de um filme de ação hollywoodiano, o realismo socialista não passa de um melancólico esforço burocrático. Este esforço pode ser encontrado, por exemplo, no cinema e na literatura de orientação jdanovista. Nicolai Ostrovski no seu clássico romance stalinista Assim Foi Temperado o Aço (1932) narra a partir do personagem Pavel, um protagonista proletário, o processo revolucionário russo. Na ânsia de realizar um tipo de educação política através da literatura, de fazer propaganda política via romance, Ostrovski cria sequências de aventura nas quais a cartilha escancara ridiculamente/artificialmente lições para a militância comunista. O engrandecimento proletário de proveniência maniqueísta, o elogio do ativismo cego, o enaltecimento dos sacrifícios, o humor enquanto coronhada, o simplismo que negligencia o debate político e as lições morais formam um verdadeiro manual para o militante que deve apenas obedecer ao partido. Mas tratando-se de manipulação política por meio de manifestações culturais, o imperialismo norte americano é mais competente do que o stalinismo.
A imagem do Batman surrando um fora da lei e assegurando o mandamento da propriedade privada, permitiu nos jovens leitores/espectadores um sentimento de empatia, de anestesia da personalidade que naufraga diante da capa do homem morcego: é o super herói quem devolve inconscientemente a satisfação roubada pelo trabalho alienado e preenche ilusoriamente a perda de identidade na cultura contemporânea. Estas táticas manipuladoras estão firmes e fortes no cinema e na TV. Se a militância socialista não pode mais produzir a lenga lenga burocratizante do “ herói do trabalho “(este felizmente ruiu junto com o stalinismo) a saída é insistir na criatividade revolucionária. Não é a imagem idealizada do trabalhador que poderá funcionar como kyptonita. O que pode fazer frente à cultura dominante são criações artísticas que abram o horizonte político e a percepção estética da classe trabalhadora.


Temas

cultura    Arte    Cinema    Cultura



Comentários

Deixar Comentário


Destacados del día

Últimas noticias