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LIÇÕES MABE | Com o aumento das demissões, as lições da luta da MABE para as próximas que virão

Em um ano de aumento do desemprego, superando a cifra de mais de 11 milhões de brasileiros sem conseguir o sustento mensal da sua família, e a tendência que já se expressa de aumento das demissões em especial no setor industrial, publicamos esse artigo para que através da experiência da ocupação de fábrica ocorrida na MABE no início desse ano, os trabalhadores possam estar melhor preparados para enfrentar o agravamento da crise econômica. O governo golpista de Michel Temer deu o seu recado “Não fale em crise! Trabalhe!”. Cabe a nós trabalhadores nos prepararmos para que não paguemos por uma crise que não é nossa.

Danilo ParisEditor de política nacional e professor de Sociologia

quarta-feira 8 de junho de 2016 | Edição do dia

Um processo de falência fraudulento

Através de um fraudulento processo de falência, a multinacional mexicana já em 2011 havia descapitalizado em quase 800 milhões a MABE-Brasil. Como parte de uma reestruturação produtiva, a empresa aplicou um calote a quase 2000 trabalhadores que por décadas entregaram suas vidas para aumentar cifras exorbitantes de lucro da gigante multinacional de eletrodomésticos.
Para isso, contaram com toda a conivência da justiça que autorizou e legalizou o calote, do apoio de diversos governos através da isenção de impostos e da força policial que foi utilizada para desocupar uma das fábricas. São nesses momentos, quando as duras batalhas na luta de classes ocorrem, que as estratégias das direções do movimento operário se colocam a prova. Sobre essa reflexão, nos debruçamos nesse artigo.

O MRT, a juventude Faísca e o Esquerda Diário no conflito

Nós do MRT – Movimento Revolucionário de Trabalhadores, da Faísca (até então Juventude às Ruas) e do Esquerda Diário apoiamos ativamente esta luta voltando todos nossos esforços para ampliar a solidariedade aos trabalhadores e acreditando que era possível que essa luta triunfasse se transformando em um exemplo de como lutar contra as demissões no país. Junto a professores e secundaristas da região, onde se encontra a fábrica de Campinas, e estudantes da Unicamp e PUC, organizamos uma grande campanha em solidariedade a luta contra a falsa falência e as demissões. Impulsionamos uma importante campanha de arrecadação de alimentos nos bairros, escolas e nas Universidade de Campinas para ocupação e as famílias que sentiam a falta dos meses de salários não pagos. Organizamos, com mais 200 pessoas, o primeiro corte da Rodovia Santos Dumont que deu grande visibilidade para o conflito, conseguindo uma expressão em mais de 16 dos principais veículos de mídia impressa e escrita da cidade e do estado. Participaram deste ato as entidades que compomos como o Sindicato dos Trabalhadores da USP, a chapa “Sobre Jandiras e Simones” do Centro Acadêmico de Ciências Humanas da Unicamp, os centros acadêmicos da Letras e Educação da USP, além dos diretores de oposição do MRT na APEOESP e agrupação Metroviários Pela Base.

Além disso, estivemos diariamente com os trabalhadores nos somando a esta rica experiência combativa, passando noites e dias, e, diante da ameaça de reintegração policial, mobilizamos dezenas de estudantes e trabalhadores para também colocarem o corpo à frente da defesa dos trabalhadores. Publicamos no Esquerda Diário dezenas matérias, entrevistas e análises econômicas que tiverem ampla repercussão e acessos, para dar visibilidade aos trabalhadores e suas demandas. Temos orgulho de termos contribuído, com todas nossas forças e energias, para essas importantes ações no decorrer do conflito, e para nós representam uma parte do que poderia ser feito para uma política que de fato elevasse o conflito para uma magnitude superior.

Intervimos nessa perspectiva também com o objetivo de construir uma esquerda totalmente distinta do "script", aquela esquerda de calendários e em que "tudo é muito difícil de fazer da noite para o dia", mostramos como é possível e necessário uma esquerda orientada para o combate, que tenha a luta de classes como seu terreno de atuação como prioridade. Nós nos espelhamos, por exemplo, na luta dos operários da multinacional LEAR da Argentina, que sofreu dezenas de demissões e lutaram por mais de 9 meses, foram 29 bloqueios de avenidas e dezenas de cortes de rua, ações jurídicas, uma juventude incansável acordando de madrugada todos os dias, uma busca incessante por apoio popular, estes eram os indomáveis da LEAR, e o partido que estava ali todos os dias era o PTS, organização irmã do MRT na Argentina.

Neste texto, queremos abrir uma discussão com a corrente ASS e diretores sindicais em que apresentamos críticas e nossas posições sobre as lições que a esquerda e os trabalhadores podem tirar deste conflito. Sabemos da dureza da batalha e da dificuldade de se enfrentar com uma patronal multinacional, a questão é que se poderia ter construído uma imensa batalha que transformasse a luta dos trabalhadores da MABE como um símbolo da luta de todos os trabalhadores do Brasil, que avançasse para responder os grandes problemas políticos do país, o que não ocorreu por conta da estratégia adotada pela direção do sindicato que levou a ocupação ao isolamento e derrotada pelo desgaste.

A MABE poderia ter sido uma batalha de classe com impacto nacional

Era expressivo, entre os ocupantes da empresa, o desejo de mais políticas que pudessem dar mais visibilidade ao conflito. Organizar atos e fechamentos de rodovias, que pudessem dialogar com a população e expressar amplamente a luta, sempre foram exigências de vários trabalhadores desde o acampamento em frente à empresa. Porém, a resposta do sindicato, na maior parte das vezes, foi contrapor a necessidade de fortalecer a ocupação internamente com essas medidas. Opinamos que esta contraposição é essencialmente errada. Concordamos com os trabalhadores que defendiam que essas medidas não eram para debilitar a ocupação, mas sim para ganhar apoio popular para o conflito, moralizar e fortalecer a ocupação.

A experiência do primeiro fechamento da Rodovia Santos Dumont (que da acesso ao aeroporto Viracopos) foi o exemplo de que estes trabalhadores estavam corretos. Táticas como essa tem o poder de expandir a luta e seu significado para além do conflito na própria fábrica, ganhando apoiadores, expondo a fraude empresarial e expandindo nacionalmente a luta contra as demissões. Alguns atos ocorreram depois do primeiro, fruto da pressão que os trabalhadores exerceram na direção do sindicato, e ainda assim opinamos que a Intersindical e a ASS possuíam capacidade de fazer o mesmo em inúmeras regiões a partir de outros sindicatos, mas que infelizmente não se colocaram nessa perspectiva.

Expressão aguda dessa prática foi o fato dos trabalhadores estarem a praticamente um mês acampados em frente à fábrica, quando a falência já estava prevista, e sequer uma nota havia publicada no site dos Metalúrgicos de Campinas. Ou seja, desde antes da ocupação não preparam uma grande batalha que estava por vir, desarmando os trabalhadores para uma luta dura que estava mais do que anunciada.

A nosso ver, a recusa destas táticas expressou uma péssima tradição do sindicalismo brasileiro: a negativa em romper o rotineirismo e aceitar os limites locais que a patronal impõe para que as lutas singulares não se transformem em uma batalha de classe, e não apenas de uma categoria ou fábrica. Em meio ao aumento das demissões, principalmente no setor industrial, essa poderia ser uma batalha de classe com impacto nacional que inspirasse o conjunto dos trabalhadores a seguir esse exemplo, mas a opção da direção do sindicato foi mantê-la no isolamento desde o princípio.

As centrais sindicais poderiam ter tirado um dia de mobilização contra as demissões e pela vitória dos trabalhadores da MABE

Dentro da CSP-Conlutas, nós do MRT, travamos uma grande batalha para que o PSTU e outros grupos que compõem o Espaço de Unidade de Ação aprovassem um dia de luta contra as demissões que cercassem a MABE de solidariedade e a projetasse como um exemplo. Infelizmente, o rotineirismo sindical também se expressou nestes espaços. A proposta de um ato unificado da CSP-Conlutas foi negada pelos militantes do PSTU que votaram contra essa resolução apresentada pelo MRT. Nesse momento os trabalhadores da GM de São José dos Campos, sindicato dirigido pelo PSTU, estavam sofrendo um duro ataque da patronal que resultou na demissão 517 trabalhadores. Este poderia ser um grande momento de unificação das lutas contra as demissões, mas o PSTU optou por abandonar essa luta levando os trabalhadores da GM a mais uma derrota sem luta. Vergonhosamente, além de enterrar o processo de luta na própria fábrica onde dirigem, defendiam para a MABE, estampado na capa de seu jornal partidário, o programa de “Estatização sob controle dos trabalhadores”, com o objetivo de encobrir com um programa de esquerda sua prática sindical que nada fez a favor da luta dos trabalhadores. Construir uma verdadeira batalha pela estatização, principalmente em empresas localizadas em uma complexa cadeia produtiva, só pode ser possível com imensas forças em movimento. O PSTU também alardeou aos quatro ventos a ocupação de fábricas em São José dos Campos a partir do exemplo da MABE, mas não se passou de blefe.

Da mesma forma a Intersindical e a ASS nada fizeram nesse sentido. Em nenhum momento propuseram-se a impulsionar uma articulação real entre sindicatos e centrais sindicais, nem sequer nas fábricas da região, para transformar o conflito em uma ampla batalha não corporativista que ganhasse fortes aliados para derrotar a patronal. Mobilizar aqueles que sabem que o mesmo ataque que sofreram os trabalhadores da MABE, cedo ou tarde também chegaria até eles, pareceu para a direção sindical como uma ideia distante. Assim sendo, o conjunto da estratégia adotada pela ASS foi se limitar, desde o início, aos objetivos por um limitado “acordo melhor” com a patronal através de melhores indenizações. Não é casualidade que nunca defenderam a necessidade de estatizar a fábrica em qualquer momento do conflito.

Temos total consciência que a CUT e demais centrais, que foram base de sustentação dos governos petistas, não compartilham o desejo de que lutas como a da MABE triunfem. Sabemos que o caminho escolhido por estes é o da parceria e da proteção aos empresários, como por exemplo negociar redução de jornada com redução de salários. Porém, exigir paralisações e atos a favor da luta da MABE cumpriria o papel de desmascarar estas direções sindicais frente a suas bases, mostrando que é possível lutar contra as demissões e redução de direitos. Não será através de consecutivas eleições sindicais que retomaremos os sindicatos das mãos dessa burocracia traidora, mas provocando através de exemplos e exigências, experiências que permitam aos trabalhadores perceberam o verdadeiro papel de suas próprias direções.

Entendemos que a negativa destas políticas por parte da ASS expressa uma visão economicista, limitada a lutas nos limites da própria legislação trabalhista, na qual cada categoria negocia apenas com seus próprios patrões. Porém, em momentos de crise aguda, são as grandes batalhas que envolvem o conjunto da classe que podem trazer vitórias e inflamar os trabalhadores que ainda não lutam a seguir o mesmo caminho.

A falta de exigências políticas, ou a negativa do “fazer política” de classe

Outro traço economicista expresso na direção da ASS foi a ausência de qualquer exigência a qualquer governo frente às demissões e ao golpe da multinacional MABE. Um conjunto de táticas que poderiam denunciar as relações entre empresários e governos poderiam ter sido feitos tanto à prefeitura de Hortolândia (PT), quanto a prefeitura de Jonas Donizete (PSB) em Campinas. Também poderia se exigir do governo federal, já que através da redução do IPI (imposto sobre produtos industrializados) engordou os lucros das fábricas produtoras da chamada “linha branca” (fogões, geladeiras e eletrodomésticos), como a MABE. Mais uma vez só se centrou força nas exigências à própria patronal e justiça.

É de um grande aprendizado político a percepção de que os governos atuam junto aos empresários contra os trabalhadores. Por isso defendemos a exigência aos governos, como parte da batalha para a estatização da empresa sobre controle dos trabalhadores. Nada mais lógico que quando esta empresa rouba, golpeia e demite, que ela passe para as mãos daqueles que realmente a fazem funcionar, para que a possam administrá-la para sua sobrevivência. A opção adotada pela direção da ASS, na prática, foi inofensiva aos governos que administram o Estado, pois aos olhos dos trabalhadores e da população foram “inocentados” ao não serem denunciados. Não responsabilizá-los é um grave erro, mais uma expressão trágica incorporada pela ASS das direções traidoras: que os trabalhadores não devem, ou não podem, ser sujeitos e fazer sua “própria política”.

Direção sindical e democracia operária

Outro ponto crítico, e fundamental, na forma como foi dirigido o conflito é a falta de democracia interna. As assembleias eram na verdade um palanque de diretores sindicais onde nenhum trabalhador falava. Não se debatia amplamente as opiniões e quando visões destoantes da posição do sindicato eram expressas, logo eram brutalmente combatidas pelos dirigentes sindicais. Diversos trabalhadores se retiraram da ocupação pois não tinham suas opiniões consideradas, fator que também contribuiu com seu esvaziamento. Consideramos que esse método tem tudo a ver com a tradição da burocracia sindical conciliadora e não com os métodos necessários para que os conflitos operários vençam.

Métodos como assembleia com direito a voz aos trabalhadores, comissões de negociação votadas e revogáveis são métodos não somente democráticos, mas despertam energias que podem ser decisivas para o desenlace de um conflito. A democracia operária fortalece a luta, garante que a linha decidida pelos trabalhadores seja aplicada e aumenta a confiança e coesão da ocupação. Foi a forma mais avançada na história da luta de classes, para unificar a classe e derrotar seus inimigos, ausente das práticas da ASS e seus diretores.

Passividade da base ou falta de política?

Decorrente da falta de democracia interna, do isolamento, da dureza da patronal e do próprio desgaste do conflito, ou seja, do conjunto de erros levados pela direção do sindicato, foi visível o esvaziamento da ocupação em um momento decisivo do conflito. Para não assumir suas próprias responsabilidades, essa direção recorreu novamente à uma prática comum no sindicalismo burocrático, jogar a culpa nos próprios trabalhadores.

A radicalidade e a massividade de um conflito não é só um fenômeno espontâneo. Ela depende de políticas corretas. Neste sentido, eram necessárias táticas mais audazes, como as que modestamente impulsionamos com nossas pequenas forças. Quando muitos trabalhadores perceberam a necessidade de ter política para trazer trabalhadores de volta para a ocupação e massifica-la, o sindicato respondia que “não dava para puxar todo mundo pelo braço” e naturalizava o esvaziamento.

Infelizmente, o sindicato não jogou força para organizar medidas como essa e preferiu o discurso que divide os que lutam e os que não lutam, aceitando o esvaziamento da fábrica. O mesmo discurso feito pela direção sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos (PSTU) que antecipava que não teria greve contra as demissões porque os trabalhadores só queriam lutar pela PLR. Para acobertar a sua prática política que levou os trabalhadores a uma derrota, querem agora atribui-la a “falta de vontade de lutar” dos mesmos trabalhadores que por meses passaram dias e noites no acampamento e na ocupação, sofrendo com a carestia da falta de salário, dispostos a fazer de tudo para vencer.

Conclusão

Com esses argumentos, fica evidente que desde antes das ocupações a ASS não preparou os trabalhadores para vencer. Ao contrário, para sua auto preservação, adotou medidas parciais e radicalizadas, para poder dizer que lutaram contra um ataque brutal, mas que essencialmente levaram os trabalhadores a derrota.

Agora querem convencer os trabalhadores que o pagamento de 5 salários, que já estava previsto juridicamente, é resultado de uma suposta vitória dos trabalhadores. Mesmo nas derrotas, os trabalhadores podem extrair grandes lições e aprendizados, e voltarem mais fortalecidos para o próximo embate, mas não é isso que a direção dos sindicatos dos Metalúrgicos tem em perspectiva. Afinal sua estratégia, desde o princípio, nunca foi impor uma grande batalha para vencer.

Os meios e práticas adotadas por essa direção levaram ao desgaste, desmoralização e isolamento dos trabalhadores. A manutenção da ocupação, que deveria ser uma fortaleza desde onde os trabalhadores pudessem golpear a patronal e seus governos, se transformou em uma justificativa para negar ações desse tipo. Confinaram os trabalhadores em uma posição exclusivamente defensiva, portanto inofensiva, esperando a boa vontade da justiça ou os novos planos da patronal. Sem haver uma política que possibilitasse aos trabalhadores contra golpear, foi impossível gerar uma força que derrotasse essa poderosa patronal e seus aliados na justiça e no Estado.

Hoje, uma ocupação de fábrica poderia ser uma catalisador de uma luta nacional contra os ajustes e o governo golpista de Michel Temer. Sem separar as demandas políticas da econômicas, um processo como esse poderia desencadear um amplo movimento nacional que impusesse uma nova Assembleia Constituinte para resolver os problemas mais profundos do país, impedindo novas demissões, estatizando as fábricas que entrassem em falência e colocando as produção e a riquezas naturais do país a serviços do povo trabalhador e da juventude.

De nossa parte, a experiência adquirida ombro a ombro com a vanguarda de trabalhadores nessa imensa e difícil batalha, e todos nossas energias dedicadas para que eles vencessem, são a força que guardaremos para as próximas que virão. Com essas conclusões, difundidas e discutidas com os trabalhadores da MABE, mas também com a vanguarda de trabalhadores e da juventude pelo país, podemos sair mais fortes para enfrentar batalhas ainda mais duras em um contexto de aprofundamento dos ataques aos trabalhadores, a juventude e ao povo pobre que já começam a ser implementado pelo governo golpista de Michel Temer.




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