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FRANÇA EM CHAMAS | “Coletes Amarelos” franceses fincam uma posição da luta de classes contra os ajustes neoliberais

Nessa segunda-feira, Emmanuel Macron anunciou um aumento de 100 euros no salário mínimo e isenção de impostos aos aposentados que ganham menos de 2 mil euros. Essa é uma importante conquista ao movimento, que encurralou Macron e obrigou que este tivesse que conceder algumas das reivindicações, claramente tentando com elas e a repressão fortíssima, estancar o movimento sem se ver obrigado a ceder mais e abrir mais fissuras no regime. Evitando retornar o imposto às grandes fortunas que desagradaria seus “amigos” capitalistas. E sem obviamente, renunciar, já que seria seu atestado de derrota escancarando a ferida aberta.

Isabel Inês São Paulo

quarta-feira 12 de dezembro de 2018 | Edição do dia

O movimento dos Coletes Amarelos se já tinha importância internacional, ganha ainda mais relevância. Podemos dizer que após a abertura da crise econômica de 2008, nesse período recente de ofensiva capitalista em diversos países para impor planos de ajustes que rebaixem as condições de vida das massas e dos trabalhadores, as jornadas na França se configuram como um dos principais movimentos de magnitude internacional que impôs uma conquista ofensiva, não só garantiram o objetivo estopim da luta que era uma medida defensiva contra o aumento do combustível, como impondo algumas demandas positivas.

O principal nesse aspecto é o “ganho subjetivo”, como se expressa em todos processos de luta de classes a consciência se acelera em meio as experiências das massas com suas direções tradicionais, com os políticos e as instituições do regime. Na medida em que entram em ação a questão de onde esta localizado o poder na sociedade se coloca, nesse sentido impor que Macron tenha que fazer concessões para tentar desviar o movimento é em primeiro lugar um ganho enorme subjetivo, justamente por mostrar a força da luta. O presidente ficou encurralado e em nada está garantido que o movimento recue após essas medidas.

Na realidade, ainda que esteja em aberto, os primeiros sinais são que as medidas atuais são percebidas como insuficientes e parciais frente a magnitude da mobilização. Isso porque na medida em que a luta se desenvolveu houve um processo de moralização de massas, ao conquistar primeiro a demanda defensiva. Em não recuarem frente a política de medo da repressão feita por governo e mídias, e se agregaram novos setores sociais, principalmente o movimento estudantil fazendo assembléias massivas. Com destaque a brutalidade da polícia que fez ajoelhar centenas de estudantes os humilhando, e gerando uma revolta massiva e expressões de unidade de trabalhadores aos estudantes.

Essa é a “magia” da luta de classes, que acelera os tempos e abole qualquer tipo de script economicista das burocracias sindicais tradicionais, que se mobilizam por demandas controladas e econômicas, de forma negociada com o governo para que nada saia de controle, e que justamente nenhuma demanda acabe se escalonando ao ponto de abrir crises políticas. Não a toa as centrais sindicais francesas atenderam ao chamado de Macron para “manter a ordem” e fizeram de tudo para impedir ações operarias coordenadas, ou seja, elas tem como objetivo manter a classe trabalhadora dispersa e desorganizada, para que está não entre com seus métodos de greve, onde colocaria ainda mais o problema de onde de fato se localiza o poder na sociedade. Ao parar os postos de produção.

Nada assusta tanto as burocracias sindicais do que movimentos espontâneos. Não por acaso os processos que melhor conseguem ter movimentos ofensivos são justamente os que saem da rotina sindical. Sem nenhum apelo espontaneista, o fato é que, ainda sendo heterogêneo e policlassista e com o déficit de não possuir hegemonia operária (o principal perigo, tendo em vista o desenvolvimento dos acontecimentos), o movimento dos “coletes amarelos” fincaram uma posição da luta de classes contra os ajustes neoliberais.

Para impor um revés contundente ao governo, entretanto, precisa aprofundar o movimento para impor uma greve geral contra todos os ajustes de Macron, avançando ao questionamento de todo o regime da V República.

Não está predefinido para onde rumará o movimento do "coletes amarelos". Como viemos dizendo no Esquerda Diário, as correntes políticas que "prenunciam" fatalisticamente a guinada à direita do movimento dos "gilets jaunes" camuflam sua própria covardia atrás do "perigo da extrema direita" - como faz o PT. O ódio à atividade independente das massas, por cima do controle das burocracias políticas e sindicais, aterroriza o PT, que tem em seu DNA a defesa da institucionalidade burguesa. Por outro lado, não está descartada a eventualidade de que, caso a classe trabalhadora francesa não imponha sua marca e conquiste a hegemonia do movimento, Marine Le Pen e a extrema direita capitalizem. A chave é saber o destino da hegemonia operária, e para isso os revolucionários precisam atuar audazmente.

Dessa forma, colocar a classe trabalhadora no centro da situação superando suas direções que querem junto a Macron restabelecer a ordem. Esse é o caminho para avançar um programa e uma estratégia que, apoiado no movimento, busque influenciar setores de massas para substituir o Estado atual por um governo dos trabalhadores, de ruptura com o capitalismo, apoiado em seus próprios organismos de luta e de auto-organização.

Jornadas francesas marcam uma contra tendência mundial

As jornadas dos “coletes amarelos” marcam uma contra tendência na luta de classes ao ascenso de governos de direita que ganharam as eleições em diversos países do globo, como Donald Trump nos EUA, Bolsonaro no Brasil, o processo do Brexit no Reino Unido, Matteo Salvini na Itália, e outros.

Esse fato não é apenas um dado analítico, a luta de classes na França influencia o desenvolvimento da crise mundial e pode ser - na condição de que a hegemonia dos trabalhadores avance e ganhe predominância sobre o programa do conjunto das massas em luta - um ponto de inflexão ao crescimento da direita como “resposta radical” a crise do neoliberalismo e a crise orgânica, levantando a luta de classes como exemplo. Disso decorre algumas conclusões.

1. Um processo tão profundo e sem perspectiva de resoluções fáceis num país central como a França, poderia servir de exemplo e ter reflexos mundiais. Assim como a Primavera Árabe foi o motor para uma série de movimentos internacionais posteriores, como o 15M na Espanha, Junho de 2013 no Brasil, as greves na Grécia contra os ajustes da Alemanha, entre outros. Por esse receio a mídia tradicional vem buscando fazer um cerco ao processo, tentando evitar que a população do mundo vire os olhos para a França. Contudo já ocorreram atos na Holanda, Bélgica e Bulgária, inspirados nos “Coletes Amarelos”, e nessa segunda o Egito restringiu a venda de coletes amarelos para evitar movimentações inspiradas na França. Por outro lado, na Alemanha, a extrema direita xenófoba (organizada no PEGIDA) utilizou coletes amarelos para desfilar suas consignas reacionárias contra os imigrantes, o que mostra a urgência de que na França o movimento operário e seus métodos adquiram preponderância, para barrar a extrema direita nacionalista de Le Pen.

2. O capitalismo neoliberal em crise esta buscando intensificar a taxa de exploração da classe trabalhadora em nível mundial, nesse sentido que governos de países como Brasil, Argentina, França e outros vem tentando aprovar reformas como trabalhistas e da previdência, e privatizações. A principal tarefa colocada pela burguesia ao governo Macron seria aprovar a reforma trabalhista e privatizar setores como o ferroviário. Contudo a classe trabalhadora francesa é herdeira de uma tradição de revoluções e luta que vem desde a Revolução Francesa, as insurreições de 1848, a Comuna de Paris de 1871 que deu origem ao primeiro Estado Operário, das jornadas de Maio de 68 e a primeira luta categórica contra a ofensiva neoliberal em 1995. No período recente, a França passou por processos de luta desde 2010, que expressavam unidade estudantil e operaria na luta contra a reforma da previdência. E outras diversas onde a classe trabalhadora foi protagonista, tendo a mais recente a dos ferroviários contra a privatização da SNCF por Macron.

A luta atual é resultado desses processos e da crise orgânica - de autoridade do estado burguês - que se desatou pós crise de 2008. É um ponto de apoio a todas as lutas contra os ajustes a nível mundial a esse intento da burguesia de descarregar a crise nas costas da população e dos trabalhadores.

Ver que pelo método da luta de classes é o único caminho para se arrancar direitos é uma prova da realidade contra estratégia reformistas como do PT no Brasil e do kirchnerismo argentino, segundo os quais para derrotar a direita é necessário esperar as eleições, em 2022 e 2019 respectivamente.

3. Macron era tido como uma referencia de suposta “renovação da política” com um candidato novo, de centro e que aparecia como anti política tradicional, dessa forma era uma promessa de resposta a crise orgânica, evitando governos de extrema direita, como a Le Pen. Essa promessa não durou muito tempo, o governo passou rapidamente para uma situação de ampla impopularidade, perdendo base social e base de apoio parlamentar. Macron se sustenta no ar.

Lembremos que durante as eleições no Brasil, Fernando Henrique Cardoso declarou mais de uma vez elogios a Macron, pesaroso da “falta de um Macron brasileiro”; em maio desse ano FHC declarou: “Macron tem revelado enorme audácia e capacidade de transgredir e derrubar tabus, algo de que, do meu ponto de vista, a França estava precisando.” Dando com a língua nos dentes alguns meses depois.

Exemplificando a nível internacional a importância dessa crise, e abre a reflexão de que se é possível deixar contra as cordas um governo imperialista, o que não seria possível fazer com o governo Bolsonaro débil, num país da periferia do capitalismo, como no Brasil, se a classe trabalhadora e as massas populares entrassem em ação?

As vulgares comparações petistas e o “pesadelo” de junho que sempre os bate a janela

Após 2013, quando as jornadas expressaram um rompimento da base social com as direções petistas e o choque entre as aspirações sociais e os ajustes que o PT vinha fazendo, o petismo demandou grande esforço para justificar como as jornadas já eram o inicio do fortalecimento da direita. Para isso mobilizaram seus intelectuais (com destaque a Marilena Chauí), mídias e todo seu aparato de opinião pública. Frente as mobilizações francesas o petismo retoma a "tese de Junho de direita" para fazer comparações estanques a partir de pontos semelhantes difusos, e assim dizer que as jornadas francesas são também o "prelúdio da direita".

Para aqueles de cabeça quadrada e engessada, a realidade é um todo linear sem atores nem sujeitos. Só não se lembram do papel das direções sindicais petistas em derrotar, atomizar e dividir as diversas lutas operarias e de juventude, reprimir as greves operárias do PAC, e iniciar a aplicação de duros ajustes em 2015 com Dilma Rousseff.

Como dizia Leon Trotsky “Quem se inclina frente a fatos consumados é incapaz de preparar o futuro”. Se todo movimento espontâneo e de massas é o prelúdio da direita – como quer a retórica petista – não haveria como superar o capitalismo. E este é justamente o sentimento servil que a estratégia de conciliação de classes do PT trata de injetar nas massas.

Ao contrário, é necessário preparar a destruição do capitalismo e a construção de uma sociedade superior. Os franceses em luta contra Macron mostram que, se lutarmos decididamente em ações comuns e coordenadas, podemos enfrentar os ajustes de Bolsonaro, os golpistas e o autoritarismo judiciário. Essa força de massas nas ruas, impondo pela luta suas reivindicações em nome das condições de vida dos trabalhadores, revela a completa impotência da "resistência democrática" passiva e por fora da luta de classes que o PT propõe junto a suas burocracias sindicais, permitindo que os ajustes econômicos enquanto "esperamos 2022".

Este é o exemplo no qual devemos nos inspirar para, superando os limites demonstrados até aqui - e que esperamos que os irmãos franceses nos antecipem nessa tarefa - construir uma grande força anticapitalista e revolucionária dos trabalhadores no Brasil.




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