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Esquerda | Chile: oportunismo eleitoral da LIT/PSTU diante do colapso da Lista del Pueblo

O colapso da Lista del Pueblo no Chile impõe urgentemente a necessidade de realizar um balanço crítico dessa experiência. Este balanço seria incompleto sem medir o papel de grupos de esquerda que se reivindicam revolucionários e que apostaram na Lista del Pueblo como opção política. Nos referimos ao Movimiento Internacional de Trabajadores (parte da LIT-QI, que no Brasil é representada pelo PSTU), de María Rivera; ao Trabajadoras y Trabajadores al Poder, de Gloria Pinto; e também grupos como o Movimiento Anticapitalista.

quinta-feira 16 de setembro de 2021 | Edição do dia

Publicamos artigo do La Izquierda Diario Chile sobre a debacle da chamada Lista del Pueblo, coalizão frentepopulista com um programa de reformas nos marcos do capitalismo, que havia emergido como fenômeno durante as eleições constituintes no Chile mas que se dissolveu fruto de inúmeras fraudes. Muitas organizações da esquerda se adaptaram à Lista del Pueblo e inclusive fizeram parte de suas fileiras, como a LIT/PSTU. A política oportunista da LIT/PSTU no Chile não é um privilégio daquele país: no Brasil, essa organização conduz uma orientação oportunista no terreno político e sindical. Politicamente, o PSTU levanta o impeachment como saída (tendo participado da entrega do superpedido de impeachment junto a Kim Kataguiri e Joice Hasselman) e defende abertamente uma "unidade de ação, com quem quer que seja" contra Bolsonaro, que envolve o MBL, o PSDB, e demais forças burguesas oposicionistas (usando argumentos parecidos ao de Valério Arcary, do Resistência/PSOL, para defender a presença do PSDB nos atos). Não há independência de classes "preservada" aqui. Sindicalmente, à frente da CSP-Conlutas, o PSTU assina junto às centrais sindicais petistas (CUT, CTB) o chamado a que o "Supremo Tribunal Federal, o Congresso e os governadores" assumam o leme do país. Esses que são nossos inimigos, e que foram pilares do golpe institucional em 2016, que já estão no leme ha muito tempo: aplicando ajustes e ataques econômicos contra os trabalhadores. O grau zero de independência de classes que a LIT/PSTU dispõe com sua política no Brasil corresponde à dissolução no interior da Lista del Pueblo no Chile, que entre outras coisas defendia o papel dos mercados no crescimento econõmico, e o respeito às instituições da ordem constitucional chilena, como veremos abaixo.

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O colapso da Lista del Pueblo no Chile impõe urgentemente a necessidade de realizar um balanço crítico dessa experiência. Este balanço seria incompleto sem medir o papel de grupos de esquerda que se reivindicam revolucionários e que apostaram na Lista del Pueblo como opção política. Nos referimos ao Movimiento Internacional de Trabajadores (parte da LIT-QI, que no Brasil é representada pelo PSTU), de María Rivera; ao Trabajadoras y Trabajadores al Poder, de Gloria Pinto; e também grupos como o Movimiento Anticapitalista. Desviar o olhar, se fazer de surpreendidos ou desentendidos não é uma opção caso se queira construir uma superação pela esquerda diante do fracasso do projeto eleitoral, e assim combater o ceticismo ou a resignação ao mal menor, produtos da decepção de milhares que confiaram na Lista del Pueblo.

A queda do ex-candidato presidencial Diego Ancalao por apresentar 23.135 apoiadores (65% do total apresentado), com assinatura e carimbo de um tabelião que faleceu em fevereiro deste ano, marca o fim da Lista del Pueblo. Se encontra sem candidato presidencial, sem Fabiola Campillai como candidata a senadora, sem candidatos a deputados ou a conselheiros regionais, e com uma bancada constituinte (já diminuta) que anunciou sua independência em relação à estrutura da Lista del Pueblo.

Dentro da esquerda se abre um debate sobre o balanço dessa experiência, considerando que vários grupos que se reivindicam revolucionários apostaram na Lista del Pueblo como hipótese de construção. Até o momento, se apressaram para lançar comunicados se desvinculando da Lista del Pueblo e lavando as mãos. O MIT comunicou que se “surpreendiam” com a quebra, para logo esclarecer que há meses não participavam das reuniões da Lista del Pueblo. Uma verdadeira “ruptura” silenciosa. Para não ficar de mal com ninguém, se abstiveram de anunciar publicamente, até que a explosão do caso Christian Cuevas tornou insustentável seguir escondendo. Agora pretendem apresentar essa abstenção como prova de sua "consequência" e falta de responsabilidade na crise.

Porém, dentro destes grupos há alguns argumentos que se repetem e que mostram a falta de um balanço crítico do oportunismo eleitoral que embalou suas decisões.

Os motivos do fim

Hoje, María Rivera sustenta que isso era uma espécie de “crônica de morte anunciada” e que era previsível. Mas desde quando era previsível? Porque há poucos meses não diziam isso. A finais de dezembro do ano passado, diziam que “a Lista del Pueblo é uma das melhores expressões de organização de lutadores para intervir neste Processo Constituinte, os membros desta lista seguem nos protestos, aos pré-candidatos se exige provas de confiança que garantam que não tenham casos de corrupção nem de vinculação com os partidos dos 30 anos, etc. Nesse sentido, a Lista del Pueblo é um esforço importante de unidade para buscar passar por cima das restrições dos poderosos contra os independentes. É por isso que como Movimiento Internacional de los Trabajadores participamos da Lista del Pueblo”.

Que efetiva prova de confiança! Mas se o problema não estava em sua composição nem em seus métodos de eleição de candidatos, então estava em seu programa? Em seu comunicado anunciando a ruptura, o MIT afirma “que dissemos que o programa apresentado pela Lista del Pueblo não tinha grandes discrepâncias com o programa da Frente Ampla ou do Partido Comunista”. Mas se lemos a “crítica” (“El MIT en la Lista del Pueblo: Encuentros y diferencias con “La Propuesta País”), é provável que esse seja um dos documentos mais condescendentes que já foram escritos sobre programa. Levantam que “coincidimos em defender uma sociedade democrática e com todas as reivindicações anteriores”, mas que como programa é uma proposta “perigosa”, “para além das boas intenções”. O Movimiento Anticapitalista colocou em seu balanço que a Lista del Pueblo “fundou sua acumulação em base às figuras da revolta, ícones da revolta social, dos setores populares e em definições amplas que permitem conter em um mesmo espaço setores de esquerda e de posturas liberais, sem um programa que sustente um objetivo dificilmente é possível avançar”. Ou seja, que o programa era ambíguo.

Aqui existe uma primeira questão de diferença central. O programa da Lista del Pueblo não era nem ambíguo, nem “perigoso” em geral, como dizia o MIT, nem era um conjunto de “luzes e sombras”. O Programa que fundou a Lista del Pueblo tinha como objetivo avançar para “um Chile de direitos sociais” e tinha como estratégia que “o povo escreva a constituição”. Analisando suas medidas, fica claro que se trata de um programa anti-neoliberal moderado e socialdemocrata.

Isto não é um detalhe se consideramos que um dos requisitos essenciais que a direção da Lista del Pueblo colocou para que candidatos e organizações formassem parte de suas candidaturas, era fazer uma declaração juramentada concordando com seu programa. Assinar esse programa e logo fazer uma crítica rasa e ambígua (ou diretamente carecer de uma análise detalhada sobre o caráter do programa, como é o caso do MA e da TP), mostra que, na equação, primou mais cumprir as exigências para entrar nas urnas eleitorais do que um esforço genuíno por abrir um debate programático diante dos milhares que apoiaram a Lista del Pueblo.

O bumerangue do eleitoralismo

Resulta chamativo que o MIT sustente que: “a Lista del Pueblo nasce como uma importante alternativa eleitoral para fazer frente às travas que a institucionalidade impõe às candidaturas independentes. A reconhecemos como um importante espaço de unidade dos ativistas”, para no parágrafo seguinte dizer: “não obstante, nos meses posteriores, a Lista del Pueblo se transformou cada vez mais em um aparato eleitoral”. É ou não é? Participar foi só uma mera tática eleitoral instrumental ou também uma aposta política de construção? Como vimos, claramente para eles foi uma aposta de construção, sendo o MIT um dos grupos que formou a Lista del Pueblo desde seus primeiros meses. Eles confiaram e foram promotores do projeto político da Lista del Pueblo: por isso seu entusiasmo em defini-la como a unidade dos ativistas, desvalorizando seu programa de conciliação de classes.

É evidente que a Lista del Pueblo gerou grandes expectativas e apoio em importantes setores que foram protagonistas da rebelião e, portanto, uma organização que não se propusesse a dialogar com essa base e gerar um debate político e programático comum, cairia presa do sectarismo. Porém, para intervir nesse fenômeno político novo e à esquerda dos partidos dos trinta anos, não fez falta embelezá-lo ou apontar nele características que não tinha. Já vimos que não tinha um programa “confuso” ou “centrista”. E fica claro que a Lista del Pueblo nunca foi um movimento militante: nasceu e morreu como uma ferramenta eleitoral. Em função disso é que aglutinou dezenas de candidatos/as e também foi utilizado por algumas organizações sociais para impulsionar candidaturas e romper as barreiras antidemocráticas. Mas nunca foi participativo ou aberto. Não teve assembleias abertas, nem Congressos públicos. Desde o início esteve controlado por profissionais de marketing e experts eleitorais, alguns com longo histórico em campanhas de partidos tradicionais.

Se fazer de surpreendidos agora só piora as coisas. Grupos como o MIT fizeram uso de um oportunismo e utilitarismo eleitoral tão claro que assumiram sem diferenciação a onda “independente” e “contra os partidos”. Chegaram ao extremo de ser “mais papistas que o papa” criticando a Lista del Pueblo por claudicar em sua luta contra o partidarismo, levantando isso como principal crítica frente à deriva que já se avistava após o êxito eleitoral de maio, que “em nossa opinião vai no caminho da formação de um partido político, com um programa e uma organicidade muito similar aos partidos que existem”. Por sua vez, o Movimiento Anticapitalista afirma que havia “setores oportunistas cuja única intenção foi utilizar a plataforma para seus próprios interesses eleitorais”. A quem se referem precisamente? Porque quem usou a ferramenta para seus fins eleitorais foi justamente o MA e o Trabajadoras y Trabajadores al Poder, que passaram do anti-eleitoralismo mais grosso ao eleitoralismo mais febril.

A explicação do colapso da Lista del Pueblo não é por inexperiência, programa ambíguo ou falta de participação. Uma organização que reduz seu programa a que “o povo escreva a constituição” para garantir um “Chile de direitos sociais”; um grupo que não fundamenta sua força em sua inserção na classe trabalhadora, nem na auto-organização operária e popular e que não apela à mobilização popular, e sim à “força do voto”, é uma folha ao vento no jogo dos poderes reais.

A Lista del Pueblo foi cooptada em tempo recorde, e o fizeram por duas vias fundamentalmente: a parlamentarização dos convencionais constituintes, que acabaram totalmente adaptados a todos os ritos parlamentares de uma instituição que não é mais que outro pilar do Estado. Tanto é assim que os “convencionais do povo” terminaram votando a favor de uma declaração da Frente Ampla que reconhecia a subordinação da Convenção às instituições do regime frente à liberdade das e dos presos da revolta. E a outra via de cooptação foi através dos fundos eleitorais, da luta por cifras milionárias, próprias de um aparato eleitoral integrado ao regime.

Nossa localização diante da Lista del Pueblo

Do nosso ponto de vista, a única forma de intervir audazmente sobre um fenômeno político com apoio de massas, como a Lista del Pueblo, é vendo de frente as contradições concretas que possui, não inflar ou embelezar, e dessa forma centrar os esforços em abrir diálogo e debate político com as e os milhares de trabalhadores, lutadores, jovens e moradores dos bairros populares que confiaram na Lista del Pueblo.

Com esse objetivo, participamos das Assembleias do Povo e propusemos que estes espaços fossem abertos à todas e todos os lutadores, e que se propusessem a tarefa de coordenar territorialmente sindicatos e organizações sociais para lutar por um programa de ação que partisse da exigência de que a Convenção decretasse a liberdade das e dos presos da revolta, se declarando soberana para discutir e deliberar sobre todas as urgências populares, bem como que estes espaços servissem também para potencializar a exigência às centrais sindicais e demais organizações de massas para impulsionar a mobilização.

Porém, conhecíamos de perto os métodos e intenções dos “fundadores” e também vimos como as Assembleias do Povo foram pensadas simplesmente como canal de informação das e dos constituintes, não como espaços deliberativos. Vimos como muitos dos ativistas se decepcionavam rapidamente e saíam dos grupos desde muito antes do estouro da crise.

Por outro lado, sobre a forma de participação eleitoral, para nós o centro está em definir qual é a tática que mais ajuda na construção de uma referência anticapitalista e socialista da classe trabalhadora, com os olhos postos na construção de um partido revolucionário. Ou seja, participar como “independente” e sem um programa próprio na Lista del Pueblo pode ter sido uma tática para ganhar votos e até mesmo cargos, mas, como ficou demonstrado, não é uma tática que colabore à construção de um partido revolucionário ou de uma esquerda da classe trabalhadora que não se subordine à cozinha parlamentar do Acordo de Paz com Piñera.

Por isso, para nós fica claro que, tendo a possibilidade de apresentar candidaturas próprias sem depender de um aparato que imponha limites de todo tipo ( produto da luta que demos para conseguir a legalidade como partido nas principais cidades do país), podendo ir com bandeiras limpas, com um perfil operário e revolucionário, essa constituía a melhor tática de participação eleitoral e o maior aporte que podíamos fazer nesse terreno. Apresentar-se como partido legal ou como independentes são só algumas táticas legais e sua utilização depende quanta força militante se possui para ter legalidade própria. Nós também apresentamos Dauno Totoro como candidato independente em 2017. Fomos bem e tivemos mais de 7.500 votos no distrito 10, em uma eleição onde o fenômeno eleitoral era a Frente Ampla, que nesse distrito tinha Jackson e Mayol, mas jamais nos enganamos e dissemos que isso era espaço e influência própria. Se nesse momento tivéssemos a possibilidade de integrar uma frente com programa e identificação própria, não teríamos hesitado.

Queiram ou não, grupos como o MIT devem explicar por que tendo hoje uma deputada constituinte, foram incapazes de gerar uma referência política além da sua tribuna. O MA deve explicar o fato de por que tiveram “18 mil votos” e não conseguiram reunir as assinaturas para voltar a apresentar candidaturas independentes nas eleições parlamentares. É evidente que esses votos e patrocínios na convenção foram obtidos porque “ocuparam um espaço alheio” por serem parte da onda do fenômeno de independentes.

É por isso que a luta por influência política própria não se resolve com uma candidatura ou com uma figura conhecida, pois é uma combinação entre a agitação política para “semear ideias” e lutar pela independência de classe, a organização e construção em lugares de trabalho, estudo e moradia, através de frações revolucionárias nos sindicatos e demais organizações, e do debate de ideias revolucionárias e socialistas.

Isso é o que está por trás de nosso trabalho em lugares como Antofagasta, onde o avanço eleitoral não pode ser explicado pela sorte e sim como produto de um trabalho de anos na luta de classes e pelo papel que tivemos durante a rebelião, impulsionando o Comitê de Emergência e Resguardo. Só assim se explica que um dos principais analistas políticos da região, Cristian Zamorano, diga que “um ponto interessante para o doutor em Ciências Políticas é o que está sendo realizado pelo PTR”. Diferente da extrema direita, ele felicita o trabalho deste partido do ponto de vista do ativismo, já que não apresentaram candidaturas em todas as regiões e em Antofagasta conquistaram uma conselheira, foram às eleições constituintes e agora levantaram uma lista completa de candidatos a deputados e senadores. Para o analista, isso corresponde a uma dinâmica de ativismo nos sindicatos, no movimento operário e no mundo universitário. “O candidato a governador, Lester Calderón, teve mais de 21 mil votos e concorre a deputado. Tudo isso é um fenômeno que tanto a direita como a ex Concertación não se deram conta. Pode ser que conquistem a quinta vaga em Antofagasta, o que seria um marco”.

Um chamado para fortalecer a “Frente pela Unidade da Classe Trabalhadora”

Grupos como o MIT, MA ou Trabajadores al Poder tinham como alternativas somarem-se ao aparato eleitoral da Lista del Pueblo ou fortalecer uma frente política de independência de classe, uma referência da esquerda anticapitalista e da classe trabalhadora. Pese que eles mesmos reconhecem que a Lista del Pueblo estava controlada por cima e estava a anos luz de ter um programa de independência de classe, escolheram a primeira opção. Sobretudo Maria Rivera, que entrou como figura e que, como reconhece o MIT em sua declaração, renunciou a dar uma luta política pública e só se retiraram abertamente agora que o barco já está afundando.

Diante da crise da Lista del Pueblo e do fortalecimento das variantes reformistas, se torna mais necessário que nunca fortalecer uma referência política da classe trabalhadora, uma esquerda que não se subordine à cozinha do “Acordo pela Paz e pela Nova Constituição” e que se coloque com um programa claramente revolucionário, socialista, que lute por um governo das e dos trabalhadores.

Acreditamos que este balanço a modo de polêmica deve ser a base para um processo de esclarecimento político, estratégico e programático coletivo, e estamos convencidos de que caso ocorra com ímpeto de unidade dentro das fileiras da esquerda revolucionária, permitirá seu fortalecimento. É por isso que novamente convidamos as e os companheiros do Movimiento Internacional de Trabajadores (PSTU no Brasil), do Movimiento Anticapitalista e do Trabajadoras y trabajadores al Poder à apoiarem e somarem-se à Frente de Unidade da Classe Trabalhadora, tal como fizemos mêses atrás antes da inscrição de candidaturas. Não só apoiando seus candidatos, como também fortalecendo essa coordenação e o acordo político e programático de independência de classe.




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