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Caroline Bahniuk: "Este livro desmistifica a ideia de que o marxismo não deu atenção às opressões"

Redação

Caroline Bahniuk: "Este livro desmistifica a ideia de que o marxismo não deu atenção às opressões"

Redação

Recentemente o livro Mulheres, Revolução e Socialismo foi lançando na UnB (Universidade de Brasília) com a presença de Diana Assunção, organizadora do livro e fundadora do grupo internacional de mulheres socialistas Pão e Rosas e a participação de Caroline Bahniuk, professora da Faculdade de Educação da UnB, que estuda Pedagogia Socialista, Trabalho e Educação. Reproduzimos abaixo a fala de Caroline Bahniuk neste lançamento.
Mulheres, revolução e socialismo é uma publicação conjunta das editoras militantes Ediciones IPS Argentina, Ediciones IPS Estado espanhol e Edições Iskra do Brasil. É parte de um trabalho de elaboração e edição a partir do marxismo, que nossa corrente internacional de mulheres, Pão e Rosas, vem fazendo há anos.

Uma boa noite a todos e todas. É um prazer estar aqui. Primeiramente gostaria de agradecer o convite, a oportunidade de conhecer essa obra que eu teria adjetivos já de início depois eu vou explicar porque, mas que eu acho muito necessária, engajada e atual. "Mulheres, Revolução e Socialismo", agradeço muito por poder ter contato com essa literatura, uma forma tão bem organizada. Enfim, acho que ela nos inspira ainda hoje, inspira muito ainda hoje as nossas lutas. Eu sou professora como a Luísa falou.

Sou professora da Faculdade de Educação aqui da UnB, sou da área de Educação e trabalho e também discuto a educação dos movimentos sociais, pedagogia socialista, e quando a Lu me chamou eu falei olha meu recorte não é mulher não sou dedicada, apesar de ser feminista, me engajar nas lutas da classe trabalhadora que compõe também as lutas das mulheres, não sou uma especialista na discussão de gênero, mas entendo que fazer esse diálogo talvez mais com a perspectiva do marxismo, da revolução e o encontro da própria luta da classe trabalhadora. Aí vou deixar para a Diana, que acho que tem mais especialidade em falar do gênero em si, nessa relação.

Então eu estudei parte do meu doutorado, a pedagogia socialista soviética, a Comuna de Paris então foram os primeiros movimentos de construção do que a gente chama de pedagogia socialista. E esse momento principalmente da Revolução Russa vai muito de encontro a alguns textos do livro, principalmente o terceiro bloco do livro e é nesse que eu vou me deter um pouco mais. Antes ainda nessas falas mais introdutórias, eu já falei que acho que o livro apresenta um dedicado importante seleção de textos clássicos sobre mulheres, revolução e socialismo, é uma obra coletiva acho que deve ter dado muito trabalho nessa seleção dos textos que a gente percebe o cuidado nessa seleção.

E acho que também frisar que esses textos são feitos por uma organização internacional que também está na luta dos trabalhadores. Então me parece, são impressões que eu tive da leitura do livro e depois as meninas podem falar melhor, mas me parece que é uma leitura ou uma publicação que tem muito esse elo também com a própria formação política.

Acho que tem muito a acrescentar aqui na academia, mais para além da academia, para a própria formação política da classe trabalhadora em si. Acho que a gente não faz esse contraponto entre eles, não são antagônicos o conhecimento acadêmico e conhecimento popular da militância, mas eles podem ganhar uma potencialidade nesse encontro.

Eu conhecia, estava até conversando com a Diana, que eu conhecia das edições do grupo o livro Mulher, Estado e Revolução, da Wendy Goldman, quando eu estudei a Revolução Russa eu li o livro, é muito interessante esse livro também, ele traz um apanhado, uma pesquisa empírica de documentos, uma seleção de coisas que não são muito visíveis ainda nos dias de hoje sobre a revolução russa e sobre as contradições que é o fato de lutar pela emancipação das mulheres no contexto de revolução, mas num contexto em que ainda muitas contradições emanam desde aí.

Então acho que vale muito a pena a gente conhecer também esse livro, assim como esse aqui. Muito do que aconteceu na Revolução Russa e as autoras aqui também trazem esse debate desde o período revolucionário, esses textos são esquecidos e hoje em dia ainda mais, mas eles foram esquecidos pelo próprio stalinismo. Por exemplo, na educação a gente está conhecendo a obra mais coletiva, a gente só tinha um livro publicado até então, que era do Pistrak, sobre a experiência educacional soviética, e agora a gente já tem seis livros publicados.

Então, isso também é um esforço da expressão popular, movimentos sociais que fazem esse esforço de recuperar essa história que é tão importante que a gente recupere, que ela é muito enviesada, ela chega para a gente com um olhar muito já determinado pelo capitalismo. O próprio olhar sobre a revolução russa, enfim, a gente sabe que foi um evento histórico grandioso a revolução Russa, mas que teve muitas contradições, teve muitos períodos, muitos autores e tudo isso a gente precisa conhecer antes de colocar tudo no lixo da história, como se fala jogar o bebê com a água da bacia dentro.

Então tem muitos aprendizados desde ali. Muita dessa produção, foi o bloco três do livro que eu estava lendo mais, é dialogar necessariamente com a revolução em curso da Revolução Russa e com a possibilidade da revolução a nível mundial.

Então, as autoras estavam lidando ali com questões concretas e vivendo o que seria esse processo revolucionário. E eu acho que então, mais uma vez, falar que essa publicação é ela tem uma cuidadosa seleção de textos conhecido, principalmente do Marx e Engels, esse recorte das mulheres e da luta das mulheres, mas também tem outros textos que são praticamente desconhecidos, e a gente vê a qualidade desses textos para pensar a luta das mulheres e a classe trabalhadora hoje.

Uma primeira afirmação nesse sentido, acho importante porque ele ajuda a desmistificar uma ideia de que o marxismo e seus fundadores, Marx e Engels, não falaram das opressões, então ele traz muito desses elementos. Ele vai mostrar claro Marx e Engels eram sujeitos do seu tempo histórico, muitas das questões que a gente fala hoje aqui que certamente talvez eles não fariam, mas eles trouxeram um arcabouço teórico para a gente entender a sociedade capitalista e a classe trabalhadora, que é muito potente. E as opressões, particularmente das mulheres, aparecia na preocupação do desses autores.

Então não é uma coisa que o marxismo não olha, marxismo economicista, então a gente ajuda a responder essas críticas que nos chegam pelo primeiro bloco de textos do Marx e do Engels, é uma boa escolha feita.
O segundo bloco é um bloco de precursoras do pensamento feminista socialista. E tem Eleonora Marx, Clara Zetkin, Rosa Luxemburgo, Alexandra Kollontai e elas vão mostrando como é construir esse primeiro arcabouço feminista ou um arcabouço para pensar a luta das mulheres articulada com o socialismo. Como eu disse, vou ficar mais no terceiro bloco, que é o bloco onde eu acabei podendo me dedicar um pouco mais na leitura e fazendo mais paralelo com a minha formação e com os meus estudos.

O terceiro bloco se chama Revolucionar o mundo, transformar a vida. E aí tem Inessa Armard, Clara Zetkin e Alexandra Kollontai , principalmente, as mulheres, que tem textos registrados nesse bloco, e os dirigentes da Revolução Russa, Vladimir Lênin e o Trotsky. Aqui também, como eu estava dizendo anteriormente, aqui parece essa contradição, esse fazer o processo da revolução muito mais pulsante.

Nesses textos em particular, você identifica como significa pensar a luta das mulheres, mas também fazer a luta das mulheres no interior da construção da sociedade socialista, e na Revolução Russa. Quando eu falo da Revolução Russa, é sempre bom entender que a gente chama a Revolução Russa, em outubro de 1917, ela é uma síntese de um processo, ela não começa e nem termina ali. Não é com a tomada do poder político que todos os problemas são resolvidos. Muito pelo contrário, a tomada do poder político na Rússia, os dirigentes, os trabalhadores organizados agora no Estado, tiveram que lidar com inúmeras questões.

A Rússia era uma sociedade muito agrária e pouco desenvolvida, entre aspas o desenvolvida, mas comparado com o desenvolvimento capitalista na Europa, só algumas cidades da Rússia tinham industrialização, a maioria era agrária. No campo da educação, mais de 80% eram analfabetos na Rússia. E é nesse contexto de uma guerra mundial, fome, e que eles começaram a construir o socialismo. Então não se constrói do dia para a noite, um processo de construção que não se resolve, o embargo econômico com o imperialismo em cima e com todos os outros países e a burguesia internacional querendo acabar com aquela experiência.

A Rússia resistiu e a ideia era que se construísse uma revolução mundial, de fato Marx pensa que a revolução e o socialismo é um modo de produção que tem que gerir o mundo inteiro, não é um país que se sustenta nessas condições pela própria organização social hoje. E a Rússia foi tentando, nesse contexto, produzir uma nova sociedade, novos homens, novas mulheres, uma nova subjetividade.

No campo da educação como eu falei, a gente estuda aspectos da escola, como que a escola, naquele período, foi colocada a atender os objetivos da própria revolução, ou seja, a escola não é uma coisa apartada da revolução socialista, ela tem que ajudar a construir jovens, crianças, adultos, lutadores e construtores do socialismo. Lênin fala muito também disso, é importante, o socialismo não é obra nem de analfabetos e nem de uma geração passada, ele é de todos e principalmente a juventude, as crianças precisam se desenvolver nessa formação para poder construir algo que não se constrói do dia para a noite.

Em particular em relação a luta das mulheres, assim como na educação a gente tem principalmente esse primeiro período de 1917 a 1931, a gente tem demarcado na Rússia esse período mais inventivo, mais criativo, com a classe trabalhadora mais pujante, com o Estado menos repressor no sentido de uma ditadura do que a gente pode discutir o que veio vir a ser com o stalinismo e outras questões, então as autores que eu estudo também são datados desse momento histórico, de 1917 a mais ou menos 1931 quando teve uma reforma educacional na Rússia que voltou a uma educação muito parecida com uma educação do capital, para formar técnicos ou educação profissionalizante, rompeu um pouco da ideia dessa formação mais ampla que a gente estava colocando de lutadores e construtores.

E ai eu acho que esses momentos eles se encontram, estava acontecendo muita coisa bacana na Rússia, muita construção, e no campo da luta das mulheres a gente pode registrar aqui o Código completo do casamento da família e da tutela de 1918, então um ano depois da revolução, pouco tempo depois, se construiu um código, um conjunto de normas, de leis, para tentar frear o patriarcado na Rússia e tentar construir relações mais igualitárias entre as mulheres e todos os seres humanos e o definhamento da própria família, então a gente vê essas autoras, quando a gente lê Alexandra Kollontai você fala nossa, quando eu li na graduação eu falei nossa que legal nunca tinha ouvido alguém falar nada parecido sobre a moral sexual e outras coisas, e isso foi escrito lá em 1917, antes ainda.

Então veja só como esse processo de luta social também provoca a gente sair do nosso lugar e pensar numa emancipação do ser humano. E aqui a gente está falando, como eu disse, eu estudo mais a emancipação no campo da educação mas aqui a gente está falando mais da emancipação das mulheres, como a luta das mulheres precisa estar atrelada a uma luta também de emancipação humana, de expansão social.

E aí, voltando ao código, ele traz muitas coisas, coisas que depois até os próprios países capitalistas europeus vão tendo que assumir como bandeiras, até no sentido de frear a revolução nos seus países. O código vai registrar o direito ao divórcio, ao aborto, à libertação do trabalho doméstico, então como que a gente faz com que as mulheres possam, de fato, participar tanto do trabalho produtivo como da participação política? É necessário que o trabalho doméstico seja socializado, seja função também, a construção de lavanderias. Eu lembro que tinha, eu não trouxe enfim, o tempo era curto, mas tem alguns cartazes da Rússia no período, tem a mulher, a lavanderia te liberta o trabalho doméstico, enfim, tinham vários cartazes na época falando das creches, das lavanderias, dos restaurantes públicos, para que as mulheres não precisassem ficar todo o tempo em casa como era antigamente.

Então, até o Lenin aqui no texto, que acho que é a Clara Zetkin, vai registrar a fala que ela tem com ele, eles vão se indagar de fato quanto o avanço dessas políticas, desses registros, dessas normatizações, essas possibilidades que não estavam dadas em lugar nenhum. A gente fala em direito ao aborto no Brasil hoje isso ainda é ilegal, em 1917 na Rússia, isso se tornou legal.

Então, assim, foram coisas grandiosas que foram feitas nesse âmbito mais em relação à luta das mulheres. Porém, mesmo Lenin, eles tinham consciência que muito dessas coisas ainda estavam mais no papel e com um grupo de pessoas, a Wendy Goldman vai trazer no texto dela também muitas contradições que existiam desde ali.

A gente também fala, o socialismo a gente não constrói do dia para noite, também é um processo de construção, de formação intensa. Então estava em colocação, mas também estava dado e já acontecia em diferentes locais. Então, muito dessas lutas que depois reverberaram em alguns países do capitalismo central na Europa, principalmente, foram frutos da Revolução Russa. Então, muito do que a gente tem ainda hoje de luta pelas mulheres, algum tipo de conquista, também tem essa pauta originária ou esse local também de origem, que foi muito importante para a gente pensar em questões das próprias mulheres.

Indo para finalizar porque eu acho que já estou passando do meu tempo, só também registrar porque é importante ler os clássicos, é por que esse livro é tão atual. Acho que é uma delícia mesmo ler ele, agora vou ter mais tempo vou ler inteirinho, até agora fiquei mais com o bloco terceiro, mas vale muito a pena ler, porque ele é muito didático e atual. Ele nos provoca a pensar questões da atualidade, em todo momento desde o prefácio da Diana, mas os textos também, ele vai nos provocando a pensar a luta das mulheres, articulada com a luta mais geral, a necessidade da supressão da propriedade privada, do capitalismo em si, como que o capitalismo também vai colocando a luta das mulheres, a opressão das mulheres, uma outra cadeia de colocações vai incorporando algumas lutas.

Acho que ele ajuda a diferenciar também o feminismo burguês do feminismo socialista, nos remete a pensar que a classe trabalhadora é uma classe heterogênea, não é uma classe que não tenha diferenças no sentido de algumas questões específicas entre elas e uma delas são as opressões que hoje são colocadas mais socialmente, a gente está falando mais sobre elas, das mulheres, LGBTQIA+, de raça, enfim, mas muitas vezes a gente tem discutido essas questões dissociadas de uma perspectiva de classe, o que limita a potência das possibilidades de superação desses próprios problemas.

Para terminar, eu acho que em momentos, a Luísa falou isso, mas em momentos em que a crise social ela se aprofunda, como é o momento que a gente está vivendo, a gente vê quem são, quem sofre mais na classe trabalhadora, a quem que cabe o maior encargo das questões e a gente está vendo nas ruas, são sei se vocês, eu não sou de Brasília, mas cheguei em 2020 e quando eu cheguei aqui o Plano Piloto é uma coisa assim, você não vê a população periférica, enfim, e hoje em dia a gente vê qualquer lugar que a gente sente na Asa Norte, no mercado que a gente vai, a gente vê muita gente pedindo, mulheres com crianças na porta dos mercados, no bar, no café que a gente senta, isso tem cada vez se tornado mais corriqueiro.

Essas mulheres vendendo pano de prato e tudo o que a gente possa imaginar da forma mais precária para conseguir sobreviver nessas condições. Então, para terminar mesmo, agradeço mais uma vez e reforço a necessidade de a gente pensar então a classe trabalhadora nesses sujeitos que são, é uma classe heterogênea, mas que tem uma unidade de ser da própria classe trabalhadora e que a gente possa pensar de fato e encarar essas desigualdades que existem no campo dessa classe e que a gente possa colocar em xeque que a luta das mulheres, e uma luta radical das mulheres ela só se complementa e se efetiva com uma relação com um projeto político, pedagógico, não só político, mas a gente também vai dizer que é pedagógico, de transformação das relações sociais de uma forma substantiva, uma emancipação humana de fato.
Então, acho que esse livro nos traz essa grande questão, não é possível pensar numa perspectiva mais crítica e mais radical a luta das mulheres fora de uma luta pela emancipação social e humana. Agradeço muito meninas, gostei muito do livro, e é um prazer estar aqui com vocês.


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