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ARTE | Campanha por uma literatura revolucionária

quarta-feira 7 de fevereiro de 2018 | Edição do dia

Engana-se redondamente quem considera a literatura uma arma de papel. No Brasil, já faz tempo que o produto literário não é refém das pesadas barreiras de classe. Como vem sendo assinalado em vários outros artigos desta coluna, existem fatos literários que apontam para novas evidências: hoje em dia autores proletários estão lendo e divulgando seus trabalhos em botecos, vagões de metrô, pontos de ônibus, nos sinaleiros, na internet etc. Uma literatura realista, não raramente influenciada pela rima que nasce em solo hip hop, constitui relatos sem maquiagem. Voltar ao tema da produção literária dos trabalhadores é mais urgente do que se pensa. Para o jornalismo que não vive de mera badalação e para a crítica literária que não se ocupa de letras mortas, o problema é um só: como a literatura brasileira feita por e para trabalhadores, pode agir num momento em que a crise de representatividade política e de direção política, agravam as condições subjetivas para que a classe trabalhadora se reconheça como classe.

Já faz algum tempo que a maré não está pra peixe. Em bairros operários tremulam práticas ideológicas embasadas num liberalismo mequetrefe. É impressionante como palavras tais como empreendedor e gestor, além de expressões como “ vestir a camisa da empresa “ , “ fazer sucesso “, “ criatividade para vencer na vida “, tornam-se parte do vocabulário de pessoas que quando não estão desempregadas, vivem da venda do seu trabalho para um capitalista que continua ganhando muito em cima delas. Às vezes um jovem operário deixa-se levar pelo fantasma do fascismo, sonhando com soluções políticas autoritárias para o país. Muitas vezes um jovem operário mergulha de armas e malas no crime. Geralmente muitos rezam enquanto a barriga ronca. Mas ali, aonde o exército de reserva da indústria está, aonde empregados e desempregados olham a miséria como ira divina, podemos encontrar(e por que não nos tornarmos?) poetas/escritores interessados em falar das coisas como elas são.

Sabe-se que enquanto escritores- trabalhadores tentam cravar seu verbo como uma âncora na cultura, a classe dominante continua fazendo da literatura um enfeite a mais na sua sala de visita. Isto não é surpresa e não vamos nos ocupar disso agora. Para a dinâmica cultural da esquerda, interessa pensar como esta recente produção literária brasileira (que alguns classificam como literatura periférica, literatura marginal e literatura prisional) pode fortalecer sua estética através do marxismo. Esta questão já foi enfatizada aqui em artigos como O Escritor Periférico No Caminho da Literatura Revolucionária, em 2016. Longe de ser repetitivo(aliás martelar ideias, insistir num ponto de vista que não é dominante, também é papel da imprensa de esquerda) este é um problema que adquire gravidade política nos nossos dias. A situação é a seguinte: muitos trabalhadores não compreendem sua condição social, isto é, de classe. Paradoxalmente existe uma produção literária que não apenas se insere no cotidiano de comunidades, mas cria as condições históricas para que o poema e o texto em prosa passem de olho em olho, de cérebro em cérebro, assim como a bola de futebol passa de pé em pé, de coração em coração, nos jogos e campeonatos. Ou seja, diante da possibilidade da literatura enraizar-se na vida das comunidades, seu alcance ideológico revolucionário ganha uma vaga na cultura. Neste sentido a crítica marxista é indispensável para o desenvolvimento desta literatura.

Pode parecer assombroso mas alguns artistas trabalhadores consideram o marxismo como sendo coisa de estudante rico: é como se o Materialismo Histórico Dialético fosse propriedade do ambiente acadêmico. Que despautério! O marxismo é expressão das lutas históricas do movimento operário. São os trabalhadores quem devem apropriar-se dos clássicos do marxismo, debatendo e produzindo inclusive no campo teórico. Logicamente que a universidade é importante: além das lideranças do movimento estudantil(e muitas vezes não são jovens que possuem os bolsos cheios, já que muitos são filhos de trabalhadores e não raramente trabalham), a universidade é um espaço para o debate de ideias, para a produção do conhecimento(e o marxismo atende às pesquisas interessadas em discutir a realidade). Mas o marxismo nada tem a ver com títulos acadêmicos. Um escritor periférico beneficia-se da crítica marxista na medida em que seu trabalho literário deixa se ser um mero retrato para se tornar parte integrante da luta ideológica contra a burguesia. Sem contar que o caráter estilístico e temático da chamada literatura periférica, impede com que as lastimáveis deformações do Realismo Socialista se manifestem nesta produção: a atitude realista que não faz concessões com uma visão idealizada da realidade, dialoga com estéticas cosmopolitas(como o rap e o grafite) e possibilita a atenção para o problema da pobreza e das questões de gênero. Esta é uma situação nova em que o marxismo terá uma contribuição ímpar.

Sabe-se que a literatura consiste numa experiência única em que autor e leitor constroem uma interpretação da realidade. Para que o texto literário possa expressar mudanças na consciência e apresentar um profundo conhecimento do processo histórico, ele precisa ser gestado no estômago, no cérebro e na língua do escritor. Caso este processo de gestação, que culmina no nascimento da obra de arte, possua uma intenção realista, ele pode se beneficiar do entendimento científico da vida social. Para um autor proletário, cuja escrita não pode admitir a interferência externa de quem quer que seja(nunca é demais dizer que o realismo aqui é entendido como uma estética dinâmica, aberta às inovações formais e não congelada numa receita literária) esta compreensão científica da realidade possibilita a ele entender aonde ele mora e trabalha. Compreendendo o modo de produção capitalista através do estudo da História, um escritor operário não vai apenas descrever seu bairro, sua vida e a vida dos seus conhecidos. Este escritor vai costurar criticamente imagens reveladoras das condições de vida no sistema capitalista. Uma arte livre e revolucionária brota de uma posição política revolucionária.

O marxismo não é um elemento alienígena na escrita, mas sim uma concepção filosófica que impulsiona os movimentos literários de caráter anticapitalista. As comunidades do país necessitam dela para sua emancipação política. Que os escritores das periferias do Brasil apropriem-se do legado de Marx e Engels!


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