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Cadeias de produção, gargalos e posições estratégicas

Esteban Mercatante

Ilustração: Marcos Kazuo @rompts.comic

Cadeias de produção, gargalos e posições estratégicas

Esteban Mercatante

Com a recuperação econômica pós-pandemia ainda tentando se afirmar, os EUA e outros países imperialistas sofrem com várias interrupções na cadeia de suprimentos. Uma amostra das fragilidades da configuração do capitalismo com base na internacionalização produtiva. E uma amostra do potencial que têm setores da classe trabalhadora que ocupam lugares-chave na logística dessas cadeias.

Tormenta perfeita e gargalos

Nas últimas semanas, imagens de navios encalhados em frente a portos norte-americanos percorreram o mundo, este último abarrotado de contêineres que não chegam a ser descarregados. Também foram notícia as gôndolas de supermercados vazias sem os mais diversos produtos. As compras eletrônicas que os consumidores normalmente recebem de graça em alguns dias (ou horas) podem levar semanas. O que se vê de forma exacerbada nos Estados Unidos também ocorre em vários outros países que, de forma semelhante, satisfazem boa parte de seu consumo com a entrada de bens produzidos em outras latitudes por meio de cadeias produtivas globais. Essas cadeias são o resultado de décadas de internacionalização produtiva organizada por multinacionais para aproveitar os baixos salários, as isenções tributárias e a possibilidade de “dumping” ambiental em países pobres e em desenvolvimento. Baseava-se na localização de boa parte dos processos produtivos fora dos países imperialistas, que até a década de 1970 possuíam indiscutível primazia industrial, e contava com esquemas “just-in-time” que buscam reduzir estoques para reduzir custos. Uma série de falhas neste mecanismo levou aos problemas que se acumulam nos dias de hoje.

O abarrotamento de mercadorias, que permanecem dentro dos contêineres à espera dos navios, ou empilhadas nos portos, ou na - tortuosa - jornada ao longo da cadeia logística dentro dos países, é resultado de um aumento abrupto da demanda que se deparou com o estreitamento da infraestrutura - resultado de anos de investimento débil - e a falta de pessoal suficiente para lidar com o stress na distribuição. Mas esta é apenas a ponta do iceberg da tempestade perfeita que assola as cadeias globais de valor.

"Sentimos muito. Não há batatas fritas em nenhum pedido. Não temos batatas”. Este anúncio foi visto há pouco tempo em uma loja do Burger King na Flórida, Miami. O fato de não haver batatas fritas para acompanhar hambúrgueres nos países do McDonald’s é o suficiente para ilustrar o escopo da interrupção da cadeia de suprimentos. Faltam alimentos básicos, refrigerantes (entre outras coisas devido à falta de garrafas de vidro para embalagens), faltam produtos à base de milho, como tortilhas. Roupas e chinelos. Da mesma forma, aumentaram os preços dos que chegam às prateleiras dos supermercados. Também há escassez de medicamentos e equipamentos médicos. Celulares, computadores, carros, máquinas de lavar, geladeiras, micro-ondas. Também faltam brinquedos, árvores de natal e copos plásticos. Basicamente, tudo que entra nos EUA pelos portos, mas também o que depende de extensas cadeias de distribuição dentro do país, ficou escasso ou - no melhor dos casos - ficou mais caro devido ao aumento dos custos para chegar ao destino, o que explica em grande parte o aumento da inflação verificada nos últimos meses.

O que está acontecendo aqui? Vamos começar pelo final, com o funil que aflige a entrada de mercadorias nos Estados Unidos, e que se reproduz de forma semelhante em outros países ricos. Temos, em primeiro lugar, um forte aumento da demanda. Se já durante a pandemia havia uma tendência de canalizar para a compra de bens os recursos que não eram mais gastos em outros serviços e atividades restritas pela quarentena, com a recuperação esses gastos cresceram de forma acentuada. De acordo com a Container Trades Statistics, o crescimento dos embarques da Ásia para a principal economia do planeta teve um crescimento muito acentuado: em janeiro-agosto deste ano foi 25% maior do que em 2019, um ano antes da pandemia e que de crescimento econômico nos EUA. Essa estimativa é consistente com a robustez do consumo de bens naquele país, que segundo a Capital Economics foi 22% maior em agosto de 2021 do que em fevereiro de 2020, quando a Covid-19 parecia um problema apenas da China e as compras nos EUA continuavam normalmente.

Pode parecer que esse percentual maior de volume de mercadoria poderia ser administrado sem atritos. Mas não foi assim. Após um longo período de desinvestimentos em infraestrutura portuária que reforçou a lógica de operar apenas com o suficiente para maximizar os lucros, a margem extra que os principais portos dos Estados Unidos tinham não deveria ser superior a 5%, como estimou Gary Hufbauer, do Instituto Peterson de Economia Internacional. Um aumento que quintuplicou essa margem poderia, previsivelmente, levar a um congestionamento que rapidamente se converte em caos. Tudo o que em condições normais é processado sem problemas vira desordem: os contêineres, que geralmente são esvaziados rapidamente e devolvidos aos navios, acumulam-se no porto por falta de pessoal portuário e porque não há caminhões suficientes para carregar a mercadoria fora o Porto; Os navios com novos contêineres se demoram na frente do porto ou são desviados para outros portos - geralmente pior preparados - onde o congestionamento tende a se reproduzir.

Aos problemas de infraestrutura se somou a falta de pessoal nos portos e de caminhoneiros. Embora em parte isso seja resultado da pandemia, responde também a um problema de maior alcance, que é a degradação das condições de trabalho no setor, que nada tem a ver com as que existiam há décadas. Como Rebecca Heilweil afirma na Vox, “A piora das condições para os caminhoneiros nos Estados Unidos tornou o trabalho incrivelmente impopular nos últimos anos, embora a demanda por motoristas tenha aumentado à medida que o comércio eletrônico se tornou mais popular”. Que a Amazon, que não se caracteriza apenas por oferecer boas condições de trabalho aos motoristas que despacham seus produtos, está roubando motoristas de empresas de transporte rodoviário, é dado suficiente para se ter uma ideia de como está o setor. Como observa Matt Stoller

Dirigir um caminhão, que costumava ser um trabalho de classe média nos anos 1970, tornou-se uma profissão cíclica de baixa remuneração, alto desgaste e pouca estabilidade, uma das chamadas "fábricas de exploração sobre rodas". Embora seja tentador culpar as transportadoras por isso, a realidade é que o problema se deve a estrutura do mercado de transporte criada pela desregulamentação na década de 1970.

Com a pandemia, muitos caminhoneiros veteranos se aposentaram mais cedo e os novos motoristas não conseguiram obter licenças porque as autoescolas de caminhão foram fechadas durante o isolamento. Isso significou que "à medida que os estadunidenses se tornaram mais dependentes das compras online durante a pandemia, levar mercadorias dos portos às portas tornou-se um desafio". Agora, o governo Biden conseguiu o compromisso das empresas de logística trabalharem 24 horas por dia para liberar o congestionamento de mercadorias. Mas a falta de pessoal pode conspirar contra esses esforços.

Mas o gargalo de garrafa na entrada de mercadorias nos locais de destino são apenas uma das turbulências que as cadeias globais enfrentam. Após as paralisações de produção ocorridas durante o pior período da pandemia - embora seja preciso dizer que os empresários se esforçaram para classificar suas atividades como essenciais independentemente dos riscos à saúde da força de trabalho - muitas empresas viram seus estoques caírem abaixo do normal, o que gera dificuldades para fazer frente aos aumentos bruscos de demanda. Recompor estoques leva tempo. Requer colocar o aparato produtivo a todo vapor para produzir a ritmos mais rápidos do que o normal, mas também depende de ter matérias-primas e componentes que nem sempre estão disponíveis. A escassez de estoques se estende ao longo das cadeias produtivas. Além disso, o trânsito entre países (do qual depende o despacho ao destino dos produtos, mas também o trânsito dos componentes até os locais de montagem) não acabou de se normalizar e os tempos de frete tornaram-se mais longos.

A isso se somam outros conflitos anteriores à própria pandemia, como o que afeta a produção de semicondutores. Como Chad P. Bown observa no Foreign Affairs, um dos maiores culpados da escassez de semicondutores "foi uma mudança repentina na política comercial dos Estados Unidos". Em 2018, o governo Trump lançou uma guerra comercial e tecnológica com a China “que abalou toda a cadeia global de suprimentos de semicondutores. O fiasco contribuiu para a atual escassez, prejudicando empresas e trabalhadores estadunidenses." Em maio, os tempos de espera para os pedidos de chips foram estendidos para 18 semanas, quatro semanas a mais do que o pico anterior. Isso atinge os mais diversos setores: Informática, telefonia, automotivo, linha branca. A produção de aeronaves também foi prejudicada pela falta desse componente crítico.

O fato de que as coisas estão longe de se normalizarem é pressagiado pelo fato de a China, principal produtor e exportador industrial mundial, estar passando por uma crise energética que a obrigou a impor paralisações recorrentes em seu setor manufatureiro. Isso significa novas tensões que continuarão a sobrecarregar uma cadeia de suprimentos que já está sob tensão máxima.

Cadeias globais de valor, benefícios e contradições

Durante as últimas décadas, as empresas multinacionais aperfeiçoaram estruturas produtivas internacionalizadas que foram batizadas de cadeias globais de valor. Elas se configuraram como resultado de uma formidável reestruturação da produção de bens (e cada vez mais também de serviços). Dois processos andaram de mãos dadas. O primeiro, a decomposição gradual das linhas de produção em uma série de produções parciais a serem realizadas em diferentes unidades produtivas independentes que se encarregam de uma única etapa do processo produtivo ou se especializam em uma série de componentes. A segunda, uma realocação geográfica da produção que mudou boa parte dessas operações, especialmente aquelas caracterizadas como "intensivas em mão de obra" para fora dos países ricos (historicamente definidos como "industrializados", embora tenham deixado de sê-lo relativamente nestes anos) para uma série de países dependentes, em sua grande maioria no Sudeste Asiático. Dessa forma, a "linha de montagem" pode cobrir dezenas de milhares de quilômetros ou mais e ser implantada em dezenas de países.

A criação de cadeias globais de valor foi possibilitada tecnicamente pela melhoria nas comunicações e transporte mais barato (que teve um grande marco com a implantação de contêineres e, desde então, sofreu inúmeras “revoluções” que baixaram os custos de carga). Seu principal motor foi a busca de aproveitar essas condições para aproveitar como nunca a mão-de-obra barata dos países pobres e de renda média, que viram crescer sua produção industrial. A oficina de manufatura do mundo mudou-se do final do século XX para a China e, mais de conjunto, para uma série de países dependentes, que de conjunto viram sua força de trabalho voltada para a indústria ir de 322 para 361 milhões, enquanto nos países desenvolvidos essa força de trabalho de manufatura caiu de 107 para 78 milhões (que ainda é um número significativo que desmente qualquer ideia de um desaparecimento da força de trabalho industrial nesses países) [1]. A industrialização ocorrida nesta periferia beneficiada com a realocação da produção foi na maioria dos casos deformada pela especialização em processos produtivos muito parciais, sempre liderados por multinacionais. Isso gera transformações muito limitadas nas estruturas produtivas em relação ao que foi a industrialização nos países desenvolvidos, ou mesmo nos países dependentes durante parte do século XX. A aspiração de subir a escada do desenvolvimento por meio da inserção em cadeias de valor se mostrou ilusória na esmagadora maioria dos casos.

As cadeias globais de valor tornaram-se a última moda da eficiência produtiva, sob a noção de que todos os processos de produção que usam intensamente o “fator” trabalho, ou seja, aquelas tarefas mais simples e mais repetitivas, deveriam estar localizados nos países que ofereciam abundância do dito “fator” (tudo isso falado nos termos da economia mainstream). As mais conceituadas consultorias e analistas convidaram as empresas industriais e de serviços dos países imperialistas, grandes ou pequenas, a tomar parte nesta grande deslocalização e internacionalização da produção em nome da "racionalidade" econômica, sob pena de serem relegadas às mãos dos competidores mais experientes para se internacionalizarem, e até correr o risco de morrer. Com a consolidação das cadeias globais e o desenvolvimento de tecnologias que aumentam a possibilidade de prestação de serviços digitais à distância, a relocação e internacionalização, conseguiu abranger cada vez mais produções intangíveis, com a qual deixaram de ser apenas os trabalhos mais simples e repetitivos aqueles que foram submetidos a esta competição internacional que impôs o capital às forças de trabalho em todo o mundo.

A racionalidade das cadeias globais de valor do ponto de vista do capital multinacional se baseou no fato de que os países competiram para oferecer condições de trabalho mais “flexíveis” (leia-se, precárias), cobrar menos impostos e aceitar práticas poluentes que os países imperialistas já não toleram mais. Desta forma, parecia razoável, porque era lucrativo para as empresas, decompor os processos produtivos especializando tarefas em determinadas unidades produtivas, o que poderia perfeitamente aumentar a produtividade e baixar os custos, mas fazendo-o de tal forma que multiplicaram as demandas da logística. Não se trata apenas de que os produtos acabados percorram distâncias enormes para chegar aos mercados consumidores; ele também deve ser atravessado por componentes para chegar aos locais de montagem final. Em tempos de combustível barato - que não é o atual, com um barril de petróleo bruto superior a US$80 - se trata de um resíduo poluente que no plano social não tem eficiência nem racionalidade, muito pelo contrário. As “externalidades” (outro termo mainstream que converte arbitrariamente as consequências das ações das empresas sobre o meio ambiente em algo “externo”) das cadeias de valor resultaram em um agravamento do impacto ambiental gerada por esta expansão da escala geográfica das linhas de produção. A internacionalização da produção, que em outros termos e em outras bases sociais poderia permitir uma melhor articulação da produção do que é socialmente necessário em todo o mundo, com foco na redução do tempo de trabalho e buscando uma relação harmoniosa entre a sociedade e a natureza que hoje têm uma relação alienada, é levada ao absurdo pelas multinacionais que só buscam maximizar seus lucros. Os mesmos dirigentes empresariais que nos fóruns de Davos fazem gestos contritos quando falam sobre as mudanças climáticas e defendem a necessidade de se envolver, são os principais protagonistas desta internacionalização produtiva que só faz sentido - como se faz hoje - para os capitalistas. E mesmo para eles, só a possuem sob certas condições. Quando, como hoje, o combustível sobe e o custo do frete em contêineres se multiplica (que segundo o Statista cresceu 8 vezes entre julho de 2019 e setembro de 2021), pode ser economicamente catastrófico.

As cadeias globais, com todas as vantagens que oferecem para que as empresas transnacionais possam oferecer produtos mais baratos à sua porta a baixo custo em tempos normais, podem se tornar em um pesadelo quando ocorrem eventos inesperados, como os fechamentos de fronteiras e as quarentenas do ano 2020. Por isso, esse ano ganhou força o conceito de “resiliência”, como um novo elemento a ser incorporado na álgebra das cadeias de valor. Dadas as evidências da precariedade desse esquema de internacionalização produtiva, que ameaçou deixar muitos países ou regiões sem bens básicos, agora os consultores concluíram que depender excessivamente de poucas empresas ou países fornecedores pode multiplicar os riscos e é preciso diversificar. É uma forma de colocar em meias palavras o seu desconserto e nervosismo perante um mundo que parece cada vez menos propício a que as multinacionais tirem proveito das diferenças de custos que lhes têm sido tão lucrativas nas últimas décadas. Se, antes da pandemia, os fantasmas protecionistas e os vislumbres das guerras comerciais colocavam um ponto de interrogação sobre a continuidade da internacionalização produtiva, que de fato desde 2015 ou antes apresentava inúmeros sinais de fraqueza (o comércio e os investimentos estrangeiros cresceram aquém do ritmo da economia mundial), depois das convulsões da pandemia e dos transtornos de hoje, multiplicam-se as questões sobre o futuro. Mas tudo isso está para ser visto. O seguro é uma série de reviravoltas que, apesar dos esforços para acelerar os ritmos da logística para desbloquear os portos, seguirão por mais vários meses, porque seguirão aparecendo as consequências dos problemas que existem ao longo de toda a cadeia de produção mundial.

Os pontos de estrangulamento como dimensão estratégica

O shok produzido nas cadeias de suprimentos pelo congestionamento, deixou claro para todos algo que alguns setores da classe trabalhadora dos setores de logística já puderam vivenciar em primeira mão. O capitalismo organizado por meio de cadeias de valor que permitiram às empresas colocar em competição as forças de trabalho de todo o mundo para impor uma arbitragem que degradou as condições de trabalho e remunerações em todo o mundo, está exposto a inúmeras fragilidades que são intrínsecas à configuração dessas linhas de montagem transnacionalizadas, que estão sendo reveladas. Mas não se trata apenas de uma série de pontos de falha que podem levar a interrupções como as que vemos hoje em dia como resultado de fatores objetivos contingentes. Também está em jogo a possibilidade que têm setores da força de trabalho de atuar nos elos fundamentais das cadeias de produção, de que o capital precisa para funcionar com a precisão de um mecanismo de relógio. Esses pontos de estrangulamento são fundamentais do ponto de vista estratégico na luta contra o capital.

Como Kim Moody observa no livro On New Terrain, “cada vez mais aspectos da produção estão interligados em cadeias de suprimentos just-in-time que reproduziram a vulnerabilidade da qual o capital procurou escapar por meio de métodos de produção flexível e da realocação” [2].

Consideremos o caso dos Estados Unidos. O desenvolvimento que tiveram as cadeias de produção com o objetivo de acelerar os ritmos da circulação de mercadorias, concentrou neste segmento uma formidável força de trabalho: hoje empregam 9 milhões de pessoas, 6,3% da força de trabalho do país. Isso inclui setores que, longe de serem confusos e apresentarem desafios para a organização, estão concentrados em depósitos de grande escala que empregam centenas de pessoas.

Em uma entrevista mais recente, Moody retoma essa questão. Lá ele observa que a concentração de recursos e forças de trabalho na logística, destinada a fazer com que o trânsito de mercadorias aconteça de forma rápida e fluida, criou clusters gigantescos. Só em Chicago, calcula, eles formam um exército de 200.000 pessoas empregadas no setor.

O que eles têm feito, ele argumenta, foi recriar o que as empresas estadunidenses tentaram destruir há trinta anos quando se mudaram de cidades como Detroit, Gary ou Pittsburgh. Tentaram fugir desses enormes aglomerados de operários de colarinho azul, principalmente sindicalizados e negros. Agora, para transportar mercadorias por cadeias de produção muito mais dispersas do que no passado, eles recriaram essas enormes concentrações de trabalhadores mal pagos. Esses aglomerados (clusters) são pontos de estrangulamento em um sentido muito real. Se você parar uma pequena porcentagem da atividade nesses locais, você bloqueia todo o movimento de mercadorias e o conjunto da economia.

No mesmo sentido, Jake Alimahomed-Wilson e Immanuel Ness afirmam no prólogo de Choke Points: Logistics Workers Disrupting the Global Supply Chain que:

Os trabalhadores de logística estão em uma posição única no sistema capitalista global. Seus locais de trabalho também estão nos pontos de estrangulamento do mundo, nós críticos na cadeia de abastecimento capitalista global, que, se estão organizados pela classe trabalhadora, representa um desafio chave para a dependência do capitalismo da "circulação fluida" do capital. Em outras palavras, a logística continua sendo um local crucial para aumentar o poder da classe trabalhadora na atualidade [3]

Os empresários estão cientes do perigo que implica o reagrupamento de milhares de trabalhadores nestes clusters, por isso têm uma política antissindical agressiva que, através de chantagens e ameaças, procuram impedir a organização dos trabalhadores - contando para isso com a colaboração de setores da própria burocracia -. É o caso da Amazon, que enfrenta ferozmente tentativas de organização tanto em seus armazéns quanto em sua frota de caminhões, seguindo o exemplo do Walmart e do McDonalds, os dois principais empregadores (que a firma de Bezos está a caminho de destronar).

Os setores da força de trabalho dedicados à logística estão hoje, em decorrência das cadeias produtivas just-in-time, mais entrelaçados do que nunca aos setores dedicados à fabricação de mercadorias (que nos Estados Unidos apesar da tão chamada “desindustrialização”, continuam a incluir uma força de trabalho de nada menos que 12 milhões, 8,5% do total do país) e também com aqueles que prestam vários serviços. Longe de qualquer ideia de “fim do trabalho” ou perda de relevância da classe trabalhadora, não podia ser maior a centralidade que as cadeias globais lhe conferem na produção e distribuição de bens básicos e na prestação de serviços fundamentais - sem contar as tarefas de reprodução da força de trabalho que ocorrem fora do mercado e são invisibilizadas pela economia política do capital -. Essa é a força social que pode assumir o desafio de acionar o freio de emergência diante da irracionalidade do capital que mais uma vez oferece novas amostras nas múltiplas crises das cadeias produtivas globais. As posições estratégicas ocupadas pela força de trabalho da logística, mas também pelos setores dedicados à produção de bens e à prestação de serviços nessas cadeias de abastecimento cada vez mais integradas, conferem-lhes um poder central no confronto com o capital; podem paralisar a circulação normal da mercadoria e de valorização. Essas posições estratégicas são também um ponto fundamental de apoio para - superando as burocracias sindicais que mantêm a divisão da classe trabalhadora - articular uma força independente capaz de unir os explorados e oprimidos, a partir das unidades de produção e outros pontos nevrálgicos (empresa, fábrica, escola, hospital, centro logístico, sistema de transporte com suas estações, etc.) e com seus próprios métodos de auto-organização, com vistas a enfrentar o capital com a perspectiva de reorganizar a sociedade sobre novas bases. É imprescindível tirar as conclusões do que esses estrangulamentos expostos pela crise da cadeia produtiva implicam para a luta de classes, em um momento em que a classe trabalhadora se põe em movimento nos Estados Unidos como mostra uma série de lutas em inúmeras empresas também acompanhada de processos antiburocráticos.


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FOOTNOTES

[1UNIDO, Industrial Development Report 2018. Demand for Manufacturing: Driving Inclusive and Sustainable Industrial Development, Viena, 2017, p. 158.

[2Kim Moody, On New Terrain, Chicago, Haymarket Books, 2017. Tradução nossa

[3Jake Alimahomed-Wilson e Immanuel Ness (Eds.), Choke Points Logistics Workers Disrupting the Global Supply Chain, Londres, 2018, p. 2. Tradução nossa.
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