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Breve história dos judeus anti-sionistas

Nathaniel Flakin

Breve história dos judeus anti-sionistas

Nathaniel Flakin

Nas últimas semanas, mais de mil israelenses e mais do triplo desse número de palestinos perderam a vida. Qual é a causa desse conflito? Geralmente, é apresentado como uma antiga disputa entre religiões. Benjamin Netanyahu, por exemplo, falou de uma luta "entre os filhos da luz e os filhos das trevas", enquanto o Hamas considera que isso é uma luta entre muçulmanos e judeus.

Na realidade, muçulmanos, judeus e cristãos viveram relativamente em paz na Palestina por séculos. Foi apenas na era do capitalismo imperialista, especialmente com o início da colonização sionista no final do século XIX, que esse suposto conflito "eterno" teve início.

Frequentemente nos dizem que todos os judeus são sionistas e que qualquer um que se oponha a Israel é antissemita. Mas isso nunca foi verdade. Sempre houve judeus anti-sionistas, tanto na diáspora quanto em Israel, unindo-se aos palestinos em prol de uma coexistência pacífica.

Os primeiros socialistas anti-sionistas

Enquanto as ideias do sionismo estavam se formando no final do século XIX, a maioria dos judeus via a ideia de colonizar a Palestina como algo absurdo. Os judeus proletários no leste da Europa cantavam canções zombando, como "Oy, Ir Narishe Tsionistn" ("Oh, esses pequenos sionistas tolos"). A organização operária anti-sionista mais famosa era a Liga Geral dos Trabalhadores Judeus, conhecida simplesmente como o Bund. Em vez de buscar uma solução para a opressão em uma terra distante, eles queriam lutar contra ela ao lado de todos os trabalhadores, não importa onde estivessem vivendo. Eles viam a colonização como uma espécie de "doikayt" ou "heresia".

Rosa Luxemburgo, uma das revolucionárias judias mais famosas da história, explicava por que se interessava pelo sofrimento humano como um todo, e não apenas pelo sofrimento dos judeus: "Me preocupo tanto com as pobres vítimas dos campos de borracha em Putumayo quanto com os negros na África, cujos cadáveres os europeus usam para seus jogos", escreveu a uma amiga. "Não tenho um lugar especial no meu coração para o gueto. Me sinto em casa no mundo inteiro, onde quer que haja nuvens, pássaros e lágrimas humanas".

O Bund não foi uma exceção. Socialistas e comunistas de diferentes tipos se opunham ao sionismo. Leon Trotsky descreveu o congresso sionista de 1903 como um evento "patético e vazio" liderado por um "aventureiro sem vergonha". Além dos sionistas burgueses como Herzl, havia outros "sionistas socialistas" que se opunham à colonização na Palestina, mas com base socialista. O sionismo socialista serviu como base para organizações como Poale Zion e a Hashomer Hatzair. Já no início do século XX, os judeus marxistas apontavam que esse "sionismo socialista" significava colaboração de classes com a burguesia judia e apoio ao colonialismo e ao imperialismo, pois apenas levaria a novos conflitos nacionais com o povo da Palestina, assim como a um novo antissemitismo. Karl Kautsky, por exemplo, escreveu que os trabalhadores judeus deveriam aspirar à "revolução na Rússia" em vez de emigrar para a Palestina [1]

O Partido Comunista Palestino

A primeira organização comunista na Palestina foi fundada em 1919 por imigrantes judeus. O Partido Socialista dos Trabalhadores (MPS em hebraico) surgiu de uma divisão na organização sionista socialista global Poale Zion. A ala esquerda do Poale Zion, inspirada na Revolução de Outubro na Rússia, tornou-se comunista. Alguns proletários judeus, ao chegar à Palestina, perceberam que o objetivo de uma pátria exclusivamente judaica na Palestina, mesmo "socialista", era uma utopia reacionária. Eles assumiram a luta contra o imperialismo britânico e chamaram à união dos trabalhadores judeus e palestinos: o objetivo deles era uma "Palestina soviética" para todos os povos. Após uma série de divisões e fusões, o Partido Comunista Palestino foi fundado em 1923. Seu nome oficial era em ídiche ("Palestinische Komunistische Partei") e não em hebraico, pois preferiam a língua da diáspora à do novo Estado em formação.

Apesar de seu começo promissor, o PKP foi destruído pelo estalinismo, não apenas politicamente, mas também fisicamente. A Comintern estalinizada impôs constantes zig-zags na política, e o PKP recebeu ordens para dar um apoio acrítico ao nacionalismo árabe burguês. Na segunda metade da década de 1930, Stalin reavivou o antissemitismo na União Soviética com os Julgamentos de Moscou. Antigos líderes da Revolução de Outubro, muitos deles judeus, foram acusados de serem espiões e traidores que haviam escondido suas origens judaicas. No curso do Grande Terror, a maioria dos líderes do PKP foi aniquilada, juntamente com muitos outros comunistas judeus.

Mais tarde, Stalin decidiu apoiar a criação do Estado de Israel. Isso não foi apenas uma manobra diplomática: a Checoslováquia estalinista forneceu armas para as milícias sionistas realizarem a limpeza étnica. Ao mesmo tempo, na União Soviética e em seus estados satélites, Stalin conduziu terríveis campanhas antissemitas e julgamentos manipulados. No novo Estado de Israel, o partido comunista estalinizado, agora chamado Maki, não apenas apoiou o sionismo, mas desempenhou um papel fundamental na aquisição de armas para perpetrar a Nakba [2].

A Liga Comunista Revolucionária da Palestina

Os comunistas palestinos que se opunham ao estalinismo se reuniram na Liga Comunista Revolucionária. Era composta principalmente por trabalhadores judeus, alguns nascidos na Palestina e outros que haviam fugido do fascismo na Alemanha. A LCR se opôs aos planos imperialistas de dividir a Palestina e defendeu uma pátria socialista para árabes e judeus. Ativistas da LCR, como Jakob Moneta, organizaram sindicatos conjuntos para trabalhadores árabes e judeus e por esse "crime" foram detidos pelas autoridades coloniais britânicas.

No entanto, a LCR não era uma organização exclusivamente judaica. Após o pacto Hitler-Stalin de 1939, o comunista palestino Jabra Nicola juntou-se à LCR e permaneceu trotskista pelo resto de sua vida. Após a Segunda Guerra Mundial, vários ativistas da LCR retornaram à Europa e se tornaram líderes do movimento socialista revolucionário. Yigael Gluckstein adotou o pseudônimo de Tony Cliff e liderou o Partido Socialista dos Trabalhadores (SWP) na Grã-Bretanha. Jakob Moneta e Rudi Segall tornaram-se membros proeminentes do Grupo Marxista Internacional (GIM) na Alemanha. No entanto, após os horrores da Nakba, a LCR entrou em grande declínio, embora alguns ativistas tenham mantido suas convicções socialistas.

Matzpen: a organização socialista israelense

Em 1962, nasceu a Nova Esquerda em Israel, quando jovens ativistas críticos foram expulsos do Maki, o partido comunista pró-soviético. Eles fundaram a Organização Socialista Israelense, mais conhecida pelo nome de sua revista, Matzpen (que significa bússola em hebraico). Matzpen uniu jovens politizados em 1967-68 com dois veteranos trotskistas na Palestina, os já mencionados Jabra Nicola e Jakob Taut.

Taut merece uma breve biografia: ele cresceu como operário em Berlim e teve que fugir para a Palestina em 1934 - nunca havia apoiado o sionismo, mas não conseguiu obter visto para nenhum outro lugar. Taut trabalhava na refinaria de petróleo de Haifa e, em 1948, um grupo terrorista sionista colocou uma bomba lá que matou meia dúzia de trabalhadores árabes. Em resposta, uma multidão enfurecida começou a massacrar judeus. Taut sobreviveu, gravemente ferido, enterrado sob os corpos de seus companheiros. Esse terrível trauma não destruiu o espírito internacionalista de Taut, que continuou convencido de que, ao lutar contra o sionismo, os trabalhadores judeus e palestinos poderiam construir juntos um futuro. [[Para mais informações sobre Taut, ver: Alain Brossat y Sylvie Klingberg, Revolutionary Yiddishland: Una historia del radicalismo judío(Londres: Verso, 2016)].

Matzpen sempre foi um grupo pequeno, mas eles se pronunciaram claramente contra a ocupação de mais territórios palestinos em 1967, o que fez com que todos em Israel - incluindo o Primeiro Ministro - falassem sobre eles. Eles também ajudaram a criar os Panteras Negras israelenses, um grupo de jovens mizrahi - judeus de ascendência norte-africana ou do Oriente Médio - ativistas que lutavam contra a discriminação.

Os ativistas de Matzpen realizaram turnês de palestras pela Europa e pelos Estados Unidos, contribuindo para que a esquerda internacional entendesse as contradições dentro de Israel. Matzpen colaborou com a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) e especialmente com grupos palestinos de esquerda como o Frente Democrática para a Libertação da Palestina (FDLP), buscando criar alianças entre o movimento de libertação palestino e os setores oprimidos de Israel.

Na metade da década de 1970, o grupo se dividiu em duas seções: o braço de Tel Aviv seguiu um caminho "não dogmático", enquanto o braço de Jerusalém se alinhou mais estreitamente com o trotskismo. Embora ambas fossem chamadas Matzpen, esta última também adotou o antigo nome de LCR. Durante a Primeira Intifada, o líder da LCR, Michael Warschawski-, foi condenado a três anos de prisão por seu trabalho de apoio aos ativistas palestinos. [[A história de Matzpen ainda está por ser totalmente escrita. Além do notável documentário "Matzpen: Israelenses Antissionistas" de 2003, existe um vasto arquivo digital multilíngue em matzpen.org. Warschawki publicou sua autobiografia há 20 anos — Michael Warschawki, On the Border (Cambridge, MA: South End Press, 2005) —, mas ela carece de detalhes sobre Matzpen. Um estudioso alemão escreveu um extenso livro: Lutz Fiedler, Matzpen: História da Dissidência Israelense (Edimburgo: University of Edinburgh Press, 2020). Embora contenha muitos detalhes interessantes, como observado por Matan Kaminer na Tel Aviv Review of Books, e como eu destaco em minha resenha em Klasse Gegen Klasse, Fiedler emprega uma análise cínica e paternalista na qual os revolucionários socialistas acabam contribuindo para consolidar um Estado-nação israelense.]

Em 2003, foi lançado este espetacular documentário sobre Matzpen:

O ativismo judaico anti-sionista nos dias de hoje

Hoje em dia, ainda existem muitos anti sionistas em Israel e ao redor do mundo. Durante os protestos em massa pela "democracia" no ano passado (que na maioria das vezes nunca questionaram o caráter etnonacionalista de Israel), sempre houve um "Bloco Anti-Apartheid" com dezenas ou até centenas de ativistas exigindo democracia também para os palestinos.

No entanto, muitos dos grupos de esquerda em Israel não são verdadeiramente anti sionistas. Maki, o Partido Comunista, se reformulou na década de 1960, mas não é anti-sionista, apenas não sionista. Ma’avak, o Movimento de Luta Socialista, foi fundado nos anos 90 e reivindica a tradição trotskista, mas enfrenta o mesmo problema. Esses grupos acreditam que algum tipo de "solução de dois Estados" poderia resolver o conflito causado pelo imperialismo.

Temos diferenças políticas e estratégicas significativas com muitas das organizações socialistas em Israel. Mas é importante demonstrar que sempre houve judeus anti sionistas. As alegações de que todos os israelenses ou mesmo todos os judeus apoiam o sionismo nunca foram verdadeiras e continuam não sendo nos dias de hoje. Acreditamos que a única solução para o conflito "eterno" é criar uma Palestina socialista, com direitos democráticos para todos os seus habitantes, como parte de uma federação socialista no Oriente Médio. Como os trotskistas palestinos já afirmavam em 1948:

Para resolver o problema judaico, para nos libertar do jugo do imperialismo, há apenas um caminho: a luta de classes em conjunto com nossos irmãos árabes; uma luta que é um elo inseparável da luta anti-imperialista das massas oprimidas de todo o Oriente Árabe e do mundo inteiro.


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FOOTNOTES

[1Para conhecer a história de um militante jovem do sionismo socialista que se tornou trotskista, consulte: Nathaniel Flakin, Martin Monath, um trotskista judeu entre soldados alemães (Buenos Aires: Ediciones IPS, 2021), apresentado aqui.

[2Joel Beinin, Was the Red Flag Flying There? Marxist Politics and the Arab-Israeli Conflict in Egypt and Israel 1948-1965 (Estava a Bandeira Vermelha Voando Lá? Política Marxista e o Conflito Árabe-Israelense no Egito e Israel - 1948-1965) (Oakland, University of California Press, 1990).
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