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Dossiê Stonewall | Brasil e EUA: os limites do movimento por direitos democráticos

No Brasil e nos EUA, a igualdade perante a lei, significa a igualdade perante a vida? É necessário retomarmos a estratégia de hegemonia e de tribuno do povo e dos setores oprimidos.

Adriano FavarinMembro do Conselho Diretor de Base do Sintusp

domingo 28 de junho de 2015 | 03:28

Como o mundo todo acompanhou, na sexta-feira, dia 26/06, a Suprema Corte dos EUA tomou uma decisão histórica a favor da igualdade de direitos no que diz respeito a possibilidade de união civil entre casais hétero e homossexuais, e a garantia de todos os benefícios e direitos sociais que disso advém.

No Brasil, já em 2011 o Supremo Tribunal Federal havia reconhecido a equiparação entre a união homossexual e heterossexual. Em 2013, esse reconhecimento foi fortalecido pela decisão do Conselho Nacional de Justiça de obrigar os cartórios brasileiros a celebrarem o casamento entre pessoas do mesmo sexo e converterem uniões estáveis homoafetivas em casamento.

Um cabo-de-guerra de quatro décadas

Sabemos que muitas são as pressões políticas e as relações que envolvem a aprovação ou não desse e de outros direito democráticos básicos, como o direito ao aborto. A dificuldade de se equalizar entre homens e mulheres, entre heterossexuais e homossexuais as mesmas condições perante sequer as instituições burguesas (como o casamento e a família) é apenas uma demonstração do nível de reacionarismo da classe burguesa e empresarial no atual estágio de desenvolvimento do capitalismo.

Nos EUA, o primeiro pedido de casamento por parte de um casal homossexual data de 1971, em meio aos processos de revolução sexual que cortavam o mundo apresentando a homossexualidade como parte da sexualidade humana. Como resposta, em 1973 Maryland incorpora no Código de Família a menção de que essa só seria considerada a partir do “casamento entre um homem e uma mulher”. Na década de 90, no auge da restauração neoliberal que transformou o antigo “movimento por libertação sexual”, que se chocava com as estruturas do capitalismo, em um novo “movimento por conquista de direitos”, dentro do capitalismo, o Congresso norte-americano adota a “lei de Defesa do Casamento”, proibindo o reconhecimento federal dos casamentos celebrados entre pessoas do mesmo sexo. É somente a partir do início do século XXI que alguns Estados começam a legalizar uniões estáveis e casamentos por vias judiciais, populares ou legislativas até a derrubada dessa Lei em 2013 pela Suprema Corte culminando na recente aprovação do casamento homossexual.

No Brasil a possibilidade de se estender o direito ao casamento para casas homossexuais começou a ganhar relevância a partir de 1995, quando Marta Suplicy (PT) propôs um projeto de lei que regulamentaria este direito. Até hoje tal projeto já sofreu inúmeras modificações em diversas Comissões da Câmara, mas ainda não entrou em Plenário. Em 2004 o Rio Grande do Sul foi o primeiro estado a determinar que cartórios registrassem contratos de união civil entre pessoas do mesmo sexo. Decisão seguida nos anos posteriores por Piauí, São Paulo, Rio de Janeiro e vários outros Estados do país. Finalmente em 2011 o STF reconhece a união civil e em 2013 o CNJ o casamento igualitário, concedendo os mesmo direitos e benefícios para qualquer casal. Por ser uma decisão judicial, porém, todas as reclamações estão sujeitas a recurso contra e, ainda que tenha a prerrogativa do STF e do CNJ, a tramitação de leis e menções no Estatuto da Família no Congresso que tratam apenas de casais heterossexuais mantem uma nuvem permanente sobre a garantia desse direito básico aos homossexuais.

A que passos avança a conquista de igualdade na lei?

Após 30 anos da emergência e hegemonia do “movimento pelos direitos dos homossexuais” em contraposição ao “movimento pela libertação sexual” das décadas de 60 e 70, devemos fazer um balanço dos alcances de sua estratégia de conciliação com o Estado capitalista na busca da cidadania e igualdade de direitos.

Esse movimento surgiu no esteio da restauração capitalista da URSS, no momento do auge da propaganda que vinculava AIDS/HIV à práticas homossexuais, na derrota e fragmentação da classe operária e consolidação do neoliberalismo. Por isso, surge combatendo qualquer recorte de classe na luta LGBT e defendendo a estratégia de “empoderamento” dos homossexuais em cargos executivos de empresas, em profissões liberais e instituições governamentais apontando como objetivo final a conquista da igualdade de direitos entre heterossexuais e homossexuais nas leis e dentro da ordem do Estado capitalista. Apresentando os dados abaixo podemos ver que sequer o objetivo de igualdade de direitos sob o capitalismo esse movimento alcançou com sua estratégia de conciliação.

De 2001 até hoje, em 14 anos, apenas 21 países no mundo (5 na América do Sul, 14 na Europa, 1 na Oceania e 1 na África) reconhecem o casamento entre pessoas do mesmo sexo com os mesmo direitos e benefícios. Em contraposição, 86 países possuem algum grau de restrição legal à liberdade de expressão homossexual, dos quais 38 com prisão (de 10 anos a perpétua) e 27 com pena de morte. Inclusive a própria resolução de 2011 sobre os direitos LGBT – limitadíssima – apresentada pelo Conselho de Diretos Humanos na Assembleia Geral da ONU (que congrega 194 países) foi assinada por apenas 93 membros, enquanto outros 54 assinaram uma declaração de 2008 contra os direitos LGBT e 46 sequer se manifestaram.

A luta por direitos democráticos carece de estratégia

A burguesia demonstra mais e mais que é incapaz de garantir os mínimos direitos que apregoavam nas bandeiras da Revolução Francesa de “igualdade, liberdade e fraternidade”. Em todo o mundo o fundamentalismo e as ideias reacionárias ganham força e as posições das altas cúpulas das Igrejas (sejam islâmicas ou cristãs, de qualquer vertente) tomam parte nas decisões públicas dos Estados e dirigem as políticas dos setores burgueses. No Brasil, a vinculação da Igreja ao Estado adquiriu tal potência que o Legislativo se utiliza do “Nome de Deus” para propor emendas e projetos contra a liberdade dos indivíduos, e declaradamente contra os homossexuais, os negros e as mulheres.

A estratégia de conquista de direitos igualitários sob o capitalismo e em base a alianças com setores da burguesia faliu. É necessário retomarmos a estratégia de luta dos movimentos pela libertação sexual das décadas de 60 e 70, retomar o recorte de classe na luta pelos direitos das mulheres, dos negros e das LGBT’s e ver que nosso aliado – ainda que seja negro, homossexual ou mulher – não está nas fileiras da burguesia e sua estratégia de conciliação pelo “empoderamento”, mas dentro da classe operária e sob sua estratégia de hegemonia e de tribuno do povo e dos setores oprimidos.

Países e as datas da aprovação do casamento gay:

Holanda 2001
Bélgica 2003
Espanha 2005
Canadá 2005
África do Sul 2009
Noruega 2009
Suécia 2010
Portugal 2010
Argentina 2010
Islândia 2012
Dinamarca 2013
Brasil 2013
Uruguai 2013
N. Zelândia 2013
França 2013
Inglaterra 2014
País de Gales 2014
Escócia 2014
Luxemburgo 2014
Irlanda 2015
EUA 2015




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