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OPINIÃO | As eleições e os trabalhadores

Com a crise política nacional tomando conta das conversas na hora do almoço no trabalho, das viagens de ônibus de ida e volta, do jantar com a família, são muitos os trabalhadores que se interessam pela política ao mesmo tempo que acumulam enorme indignação e desconfiança com os políticos corruptos que hoje governam o país. Mas a política não é pra enriquecer, e por isso o Movimento Revolucionário de Trabalhadores vai participar das próximas eleições municipais de 2016 pela legenda do PSOL pra fortalecer uma voz anticapitalista que contribua na mobilização independente dos trabalhadores e da juventude. Publicamos aqui o diálogo entre dois trabalhadores sobre essa experiência atual resgatando a tradição do movimento operário e sua atuação no parlamento.

quarta-feira 29 de junho de 2016 | Edição do dia

Vi algumas matérias no Esquerda Diário sobre a participação do MRT nas eleições. Queria entender como o MRT enxerga o parlamento (poderes políticos).

A primeira coisa que acredito ser importante esclarecer é a respeito do que pensamos sobre o parlamento entendido como o centro político em regimes democráticos com todas suas divisões de poderes (executivo, legislativo, judiciário). Assim como hoje, com todos os escândalos de corrupção, um grande setor da população brasileira enxerga o parlamento como um centro de privilegiados corruptos, uma instituição podre que nada tem a ver com o interesse dos trabalhadores, também nós o enxergamos dessa forma.

O nosso ponto de vista difere em que entendemos que o parlamento é podre, não pela má índole de certas pessoas ou partidos políticos e que, portanto basta troca-los (muitas vezes dizem em trocar todos) por pessoas de boa fé para resolver o problema, mas sim que é de sua estrutura ser dessa forma, atendendo os interesses do capitalismo. Por um lado a corrupção e os altos salários garantem que sempre ali estejam os carreiristas, por outro as propinas e financiamentos de campanha garante o namoro entre os grandes empresários e a casta política composta pelos carreiristas (o que nos EUA se chama lobby e é legalizado), e por ultimo a separação dos poderes da forma antidemocrática como é feita (separação da câmara e do senado, executivo inflado, judiciário sem ser eleito) garante que nenhuma transformação profunda seja possível.

De fundo se trata de um grande balcão de negócios, onde o executivo é o administrador do capitalismo no país, obedecendo as ordens dos grandes empresários internacionais. Aos trabalhadores fica a ilusão de participar das decisões do país, quando na verdade se trata de escolher a cada eleição os seus capatazes dos próximos anos.

Mas então qual a solução?

Entendemos que a superação profunda desse estado de coisas não se da por dentro do parlamento, tentando conquistar uma maioria (inalcançável) e aprovando gradualmente leis que alterem a realidade. Essa foi a estratégia do PT e o resultado todos conhecem, com o Partido que se dizia dos trabalhadores fazendo o mesmo que todos os outros partidos da burguesia, com os mesmos métodos corruptos e as mesmas alianças infames. A superação se da pela luta revolucionaria contra o capitalismo e, por essa luta, a formação de um novo tipo de poder comandado pela base dos trabalhadores, em contraposição ao parlamento – poder da burguesia.

E do que se trata esse novo tipo de poder dos trabalhadores?

Se trata de conselhos (ou soviets em russo) que decidem e executam em uma só câmara os rumos da política e a organização da economia. Seus membros são eleitos em assembleias em cada local de estudo, trabalho, bairro (podendo variar) e seus mandatos são revogáveis caso não correspondam as posições de sua base. Um verdadeiro governo dos trabalhadores que atua de acordo com os interesses dos próprios trabalhadores. Obviamente que o governo dos conselhos e o governo parlamentar (dos grandes empresários capitalistas) são antagônicos, não podendo viver um sem perecer o outro.

Esse governo dos conselhos, profunda democracia de base que decide a política e a economia (diferente do que acontece hoje) é a tão mal falada “ditadura do proletariado”, que como se pode perceber, nada tem em comum com o regime despótico e burocrático que se transformou a Rússia soviética pelas mãos do estalinismo, nem com a China “comunista” formada pelo partido-exército de Mao Tse Tung e muito menos com a aberração que é a Coreia do Norte, como nos fazem crer os grandes meios de comunicação.

Entendi. Mas como surge esses conselhos?

Os conselhos sempre surgem em situações revolucionarias, ou pelo menos embriões deles. A primeira aparição de tal modelo político se deu na luta dos trabalhadores franceses de 1871, na chamada Comuna de Paris (posteriormente derrotada pela burguesia), sendo base para reflexão teórica da primeira geração de revolucionários comunistas. Depois vemos seu surgimento na derrotada revolução russa de 1905 e posteriormente nos sovietes de soldados, operários e camponeses da vitoriosa revolução de 1917, também russa (alguns anos depois os soviets foram sufocados pelo stalinismo). Na década de 20 a China viria a ter experiências de conselhos operários em situações revolucionarias (traídas também pelo stalinismo).Nas décadas de 20 e 30 embriões de conselhos surgiam na insurgente Europa pelas comissões de fabrica. Nos 70 na America Latina tivemos também nossos embriões de conselhos operários com as Coordenadoras Interfabris na Argentina, com os Cordões Industriais no Chile, com as Assembleias Populares na Bolivia e com as Comissões de Fábrica no Brasil.

Nossa, é muita história da classe trabalhadora pra se conhecer. A questão é: como atuar para alcançar esse objetivo?

De forma bem resumida, a tarefa principal para tal objetivo é o convencimento da maioria dos trabalhadores e oprimidos da necessidade da luta revolucionaria contra o poder burguês, pela sua substituição pelo poder dos conselhos de trabalhadores (sim, a luta é necessária, pois a burguesia não se deixa perecer sem combate, como mostra a história). Sem o convencimento da maioria, ou a revolução fracassará, ou trinfará através de minorias armadas, gerando regimes burocráticos e autoritários como o socialismo cubano.

A ferramenta necessária para tal tarefa é a construção de fortes partidos revolucionários de trabalhadores, independentes da burguesia, formado pelos elementos mais resolutos, combativos e conscientes das tarefas revolucionarias, que se deem ao árduo trabalho diário de convencimento e condução das massas a partir das experiências que essas ultimas vão fazendo com a política e com suas lutas. É com essa perspectiva que o MRT se organiza.

E como ficam as eleições no meio de toda essa discussão?

Acredito que ficou claro para você que nós do MRT entendemos o parlamento como órgão político da burguesia para administração do capitalismo e ilusão dos trabalhadores, que não temos a intenção de disputar o parlamento para que este assuma uma orientação (impossível) pró-trabalhador, que nossa real intenção é o substituição do poder burguês parlamentar pelo poder dos trabalhadores organizados nos conselhos através de uma luta revolucionaria e que para isso precisamos construir fortes partidos revolucionários que se deem a tarefa de convencer e conduzir a maioria dos trabalhadores.

A intenção dos partidos revolucionários de participar das eleições se encaixa na tarefa convencer as massas para as ideias revolucionarias, ou seja, aproveitar o momento de extrema politização das massas, onde elas se abrem para ouvir e debater mais sobre os rumos da sociedade, para desmascarar a farsa da democracia parlamentar e fazer agitação e propaganda das ideias revolucionarias. Alem disso o espaço aberto permite a divulgação das lutas sociais e os postos que possivelmente se conquista no legislativo podem ser fortalezas a ser utilizada na luta de classes.

Obviamente que a tática de participação nas eleições é somente uma dentre varias (fundamentais) extraparlamentares, como por exemplo a atuação nos sindicatos de forma legal ou clandestina, a criação de uma imprensa operária, a disputa para ganhar setores da juventude, dentre outras.

O que eu fico em dúvida é se essa participação nas eleições não pode corromper e deturpar os revolucionários..

Corrompem-se os que não têm claro qual o objetivo de tal tática, ou seja, que desvinculam a tática de participar das eleições com o objetivo de denunciar o parlamento e ganhar as massas para as ideias revolucionarias com a estratégia da revolução dos trabalhadores, tornando a participação nas eleições e a conquista de cargos no parlamento como um fim em si mesmo, utilizando métodos corruptos para fazer política e sobrepondo o parlamentarismo à luta extraparlamentar. O PT, que nunca teve uma orientação revolucionaria, é o exemplo mais claro deste processo.

Mas será que não seria melhor se abster das eleições e disputar as massas por outros métodos?

O problema de se abster das eleições é que deixa a massa de trabalhadores que não são revolucionarias sob influência dos políticos burgueses no momento em que estes últimos mais conseguem influenciar as massas.

Nem mesmo chamar voto nulo?

O chamar o voto nulo pode ser uma tática valida em determinadas conjunturas, principalmente quando não há forças proletárias participando das eleições, como forma desmascarar as forças burguesas, mas tem o limite de não permitir apresentar ideias mais profundas e ficar marginalizado do processo eleitoral enquanto as massas participam das eleições com as ilusões no parlamento (mesmo existindo desgaste com esse ultimo).

Acho que eu precisaria também conhecer exemplos de atuação dos revolucionários no parlamento, isso me ajudaria a visualizar melhor o que podemos fazer!

Exemplo de parlamentarismo revolucionário foi exercido pelo partido bolcheviques na Russia no início do século passado, participando das eleições para a assembleia constituinte, mesmo já existindo os soviets (conselhos) de trabalhadores, soldados e camponeses e mesmo depois dos soviets tomarem o poder. Tal participação cumpriu fundamental para ganhar o conjunto dos trabalhadores da influencia de burgueses liberais e reformistas para a revolução proletária.

Outro exemplo bem mais próximo geograficamente e temporalmente é o do PTS argentino, partido irmão do MRT. A partir da atuação na luta de classes (dirigindo greves na indústria como o caso da multinacional LEAR que deram importantes exemplos para os trabalhadores argentinos) o partido emergiu nas eleições como força que defende a luta dos trabalhadores como método legitimo perante as massas, ao contrario dos partidos burgueses que a condenam. Nicolas Del Caño, figura que se popularizou durante a ultima campanha presidencial conquistando 800 mil votos, utilizou o cargo de deputado federal para denunciar os políticos corruptos, denunciou os altos salários dos parlamentares, ficando com apenas uma parte de seu salário equivalente ao de uma professora da rede publica, doando o resto para lutas operarias e utilizou seu cargo para divulgar e fortalecer essas lutas.

E os cargos executivos, como governadores e presidentes?

Vou apenas introduzir a discussão, pois é um vasto tema para outra longa conversa. Na tradição dos revolucionários, existe a discussão sobre formar governos de trabalhadores a partir de assumir cargos no executivo. Trotsky, um grande revolucionário russo e principal opositor do stalinismo, no início do século 20 discutia com o Partido Comunista Alemão a possibilidade de assumir cargos de governadores provinciais juntamente com reformistas, mas se tratava de uma situação revolucionaria e o cargo no executivo tinha a tarefa bem clara de organizar a insurreição dos trabalhadores, ou seja, desenvolver os organismos de poder dos trabalhadores (os conselhos) a partir das comissões de fabrica e armar literalmente as massas. O PCA chegou a ganhar alguns governos provinciais, mas não cumpriu a tarefa determinada por receio. A não realização dessa tarefa pelo PCA se tratou de um vacilo que fez com que a posição conseguida no governo provincial se tornasse um entrave para a luta dos trabalhadores, significando o oposto do que argumentava Trotsky da utilidade específica naquela circunstância de conquistar um governo local tendo em vistas a insurreição.

Tem como resumir pra eu poder explicar pros meus amigos?

A intenção dos MRT de participar nas eleições municipais tem um caráter tático, juntamente com outras táticas extra parlamentares fundamentais como a atuação nos sindicatos e nas lutas de juventude, dentro de uma estratégia revolucionária de derrubada do capitalismo e seu governo parlamentar e consequentemente sua substituição pelo governo dos conselhos de trabalhadores eleitos nas bases. A tática tem o objetivo de disputar a consciência da massa de trabalhadores em um momento favorável para a influência dos partidos burgueses e desmascarar a farsa da democracia burguesa, além de criar fortalezas que podem ser utilizadas a favor da luta de classes.

Nessa conjuntura particular na história do Brasil de aguda crise política (em consonância com o cenário internacional aberto com a crise de 2008) em que a burguesia tentará se apresentar com cara nova para conseguir novamente conduzir a sociedade de forma coesa e aplicar seu programa de ataque aos trabalhadores se faz mais do que necessário uma voz claramente Anticapitalista.


Temas

Marxismo    Teoria



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