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Arte e Revolução em Campinas

quinta-feira 24 de novembro de 2016 | Edição do dia

Campinas é uma cidade em que os simbólicos pés de café ainda causam danos espirituais: trabalhadores dos mais variados setores da produção, se locomovem numa paisagem cara, de tons aristocráticos , aonde os graves efeitos econômicos da crise do país somam-se muitas vezes com o medo, com a mediocridade ( e logo com as armadilhas ideológicas). Na terra em que muitas andorinhas não voam, os quadros mais espertos da juventude fazem o que podem para resistir e não deixar que o tédio sepulte tudo. Para não cair na mesma vala cultural dos barões de ontem e de hoje, pessoas combativas, verdadeiramente de esquerda, lutam em Campinas. Dentro desta perspectiva combativa, tive o prazer de participar no último sábado(dia 19/11/16) de um acontecimento que reafirma o fato da dialética correr pelas veias da cidade: na Casa Rosa, espaço cultural ligado ao MRT, rolou um importante debate que colocou em circulação as questões da arte revolucionária.

Por ocasião do lançamento do meu livro Modernidade e a Estética do Credo Vermelho: sobre o conceito de arte revolucionária no Brasil(1930-1949), publicado pela editora ISKRA, jovens militantes colocaram em discussão as relações progressistas entre arte e política. Certamente a vaidade enraizada no peito do intelectual brasileiro, poderia fazer com que o relato sobre minhas impressões relacionadas ao evento fosse uma mera badalação do meu livro, inflando o balão em que apareceria escrito a palavra “ EU “. Na realidade o significado deste evento foi muito além daquilo que escrevi, pois fez explodir de um tiro só uma série preocupações estéticas e políticas raramente levantadas pela esquerda brasileira hoje. Não que eu faça pouco caso do meu trabalho: creio que esta intensa(e obsessiva) pesquisa de 2 anos , com seus acertos e possíveis equívocos, é uma tentativa original que visa contribuir com o debate estético da esquerda. É claro que fui vender o meu peixe. Evidentemente que fui defender as minhas ideias. Entretanto, o grande barato do evento consistiu num ambiente receptivo para polêmicas e para reflexões artísticas/políticas.

Diante de um público caloroso, atento e aberto ao debate, estavam o autor destas linhas e Thyago Villela. Sociólogo e artista, a quem sou eternamente grato pela fantástica capa do livro e pelo texto elogioso na orelha do mesmo, Thyago falou com sua habitual precisão e conhecimento enciclopédico(perdoem a melação, mas minha admiração por Thyago Villela impede com que eu me refira a ele de outro modo) sobre o caráter de ruptura estética e política contido nos fenômenos da arte moderna : a partir de uma contextualização internacional das vanguardas do início do século XX, Thyago descortinou as relações entre as artes visuais e a revolução socialista ; destacando inclusive o papel da arte de vanguarda dentro da Revolução russa de 1917.

Thyago Villela mostrou em sua fala as profundas transformações estéticas na modernidade(estou certo de que nenhum dos presentes no evento, irá olhar para a pintura de Cézanne da mesma maneira). Thyago arquitetou assim o palco para podermos inserir na realidade brasileira da primeira metade do século passado(em suas evidentes especificidades históricas), os problemas da arte revolucionária. Na minha fala tive a oportunidade de tratar da necessidade (e dos riscos) da politização da arte, defendendo a ideia de que a criação artística possui uma missão libertária no nosso tempo. Ao propor uma tradição revolucionária nas artes, tentei expor a necessidade de pensarmos a arte e a literatura nos quadros da Revolução permanente. Procurei em seguida traçar um esboço sobre alguns dos assuntos que abordo no meu livro: o abismo entre o modernismo brasileiro e a arte do movimento operário dos anos 20, as relações entre o movimento antropofágico e o Surrealismo, a literatura de esquerda dos anos 30(em especial as contribuições e ao mesmo tempo os problemas da obra de Jorge Amado), o debate sobre “ arte proletária “ no Brasil (tendo em vista as contribuições de Mário Pedrosa e Patrícia Galvão neste terreno), a presença do jdanovismo via PCB e a influência subterrânea do Manifesto Por uma Arte Revolucionária Independente, de Breton e Trotski, no Brasil dos anos 40.

A grande questão que acabou permeando a minha fala e a de Thyago foi a herança desastrosa do Realismo Socialista. Durante o debate com os camaradas, discutiu-se muito sobre a simbologia da esquerda e a presença da figura do herói do trabalho(eixo do jdanovismo) no imaginário de muitos comunistas. Além deste tema atual, intimamente ligado aos problemas do stalinismo cultural, surgiram outras questões vitais que devem ser consideradas pelos militantes da cultura: a presença da indústria cultural, a pichação, a lógica do mercado de arte, a produção literária e artística dos trabalhadores , os novos meios de produção cultural, as relações entre o regional e o universal, a dimensão estética da mídia anticapitalista, etc.

Preciso relatar que raramente encontrei dentro da esquerda um ambiente em que a questão da arte revolucionária assumiu cores tão intensas. Uma coisa é certa: quando algum historiador marxista do futuro tratar do ano de 2016, ele terá que prestar muita atenção antes de emitir um juízo pessimista: ainda que o conservadorismo impere, estudantes e trabalhadores exprimiram ao longo deste ano a necessidade de um projeto político anticapitalista. No campo da cultura, foi possível ouvir durante a noite do sábado de 19 de novembro, na Casa Rosa em Campinas, que este mesmo projeto também possui uma dimensão estética.




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